Tempos sombrios exigem medidas que chacoalhem as estruturas da realidade. Por isso o Pavilhão 9 está de volta com um álbum recheado de napalm.
O anúncio de que o Pavilhão 9 iria se reunir para um show na edição de 2012 do Lollapalooza gerou comoção entre os fãs de rap em geral e os fãs da banda em particular. Estes últimos alimentaram a crença de ser aquela a tão esperada retomada da banda rumo a mais 16 anos ininterruptos de atividade. Isso não aconteceu, tampouco o lançamento de um novo álbum da banda.
No ano seguinte, 2013, Rhossi, em projeto solo, lançou o álbum A Hora é Agora, amenizando um pouco a frustração gerada pela não continuidade da banda após o show do Lollapalooza. De alguma forma, creio eu, aquela retomada momentânea ascendeu em Doze e Rhossi a vontade de colocar o Pavilhão 9 novamente em atividade. Seria questão de tempo para a confirmação desse pressentimento.
Passaram-se 11 anos desde o lançamento de Público Alvo, último álbum da banda, e a notícia de que o Pavilhão 9 lançaria seu novo álbum em 2017 veio tão provocante quanto as letras e tão agressiva quanto a sonoridade da banda. Quando o single Tudo Por Dinheiro e seu videoclipe saíram em julho, a porrada foi certeira, gerando muita expectativa sobre o lançamento do novo álbum. A letra do single evidenciava a preservação da essência selvagem da banda ao abordar a cobiça pelo dinheiro através do vale-tudo pelo poder. O papo foi reto, estavam na ativa e prontos para enfiar o dedo na ferida mais uma vez.
Lançado recentemente, Antes Durante Depois aumentou a intensidade do impacto causado por Tudo Por Dinheiro, mostrando que há energia em alta voltagem condensada nas dez faixas que compõem o álbum. O conteúdo das letras sugere que foram escritas nos últimos 2, 3 anos, e mesmo que não tenha sido a intensão da banda abordar o tema do Golpe Político deflagrado no país, fato é que as músicas se encaixam com o cenário político atual, resultado do concuio entre as centenárias elites políticas, econômicas e judiciárias, responsável por instaurar o governo ilegítimo vigente no Brasil. Ouvindo o álbum, podemos identificar a necessidade da banda em se pronunciar sobre o que está acontecendo no país atualmente. As dez faixas reverberam toda indignação, frustração e sensação de impotência da maioria esmagadora da população brasileira, ávida por justiça.
Tudo Por Dinheiro, que no álbum ocupa a faixa 02, faz a contextualização da situação econômica em que nos encontramos, mostrando sua ligação intrínseca com fatos políticos que a causaram. O conjunto de versos abaixo ilustra bem isso.
“Com dinheiro se compra/ Se prende, se solta/ Uma pá de seguranças faz a sua escolta”
Dinheiro usado para mover as peças no tabuleiro do poder, infiltrando-se no sistema judiciário afim de subverter a justiça, que passa a ser usada para satisfazer as necessidades de terceiros. Nesses casos, provas materiais, flagrantes, parecem só contar para quem é Chico, não sendo suficientes para condenar quem é Francisco.
Destacamos os seguintes versos que ilustram o processo de consolidação do golpe, quando o então vice-presidente apunhala pelas costas uma presidente eleita, juntamente com toda uma base “aliada” quando era conveniente, a fim de assumir o cobiçado posto de poder, mesmo que tivesse que lançar mãos dos artifícios mais escusos.
“Nego em sua volta/ Só no puro interesse/ Seu amigo agora depois puxa o tapete“
Na faixa 03, Acredita Não Dúvida, podemos fazer uma leitura na qual é possível discutir a articulação existente entre diferentes esferas do poder na tentativa de acobertar conexões existentes, que são responsáveis por movimentar todo um mercado paralelo, tendo nos políticos a base de apoio para que tudo ocorra da melhor forma. “Muitos estão passando o pano”, esse trecho remete à ação da grande mídia, seletiva quanto ao que noticiar, servindo a interesses de grupos financeiros ou políticos. Nos versos
“Mundos e fundos/ Prometer é bem fácil/ Prerrogativa do cargo/ Compromisso ajusta aliança com o tráfico/Cuidado!”
fica difícil não se lembrar do episódio do helicóptero apreendido transportando 450 kg de cocaína em propriedade do deputado estadual por Minas Gerais Gustavo Perrela, em 2013, fato que boa parte da mídia “passou o pano”, mostrando-se um bom exemplo de como se dão as relações de poder construídas nos bastidores da vida pública.
Enquanto muitos artistas optam por fazer vista grossa diante de tais abusos, o Pavilhão 9 se pronuncia em toda sua potência sobre essa situação, expondo a realidade corrosiva na qual nos encontramos. Fruto deste momento histórico sombrio sob o qual vivemos Antes Durante Depois provoca, estimula a compreensão do que aos poucos vem se tornando nossas vidas dentro desse novo arranjo político e social. O Pavilhão mostra que a essência crítica e provocante de suas letras continua acesa e ardendo intensamente.
O título do álbum sugere passagem temporal lembrando por um lado transformações e de outro a sensação de que o tempo passou, mas as coisas continuam as mesmas. No tocante à carreira da banda, as transformações são claras, enquanto no que podemos chamar dentro desse desdobramento temporal de Antes, o período que engloba Primeiro Ato (1992) e Procurados Vivos Ou Mortos (1996), em que temos a adoção do formato tradicional do rap marcado pela presença do beat eletrônico, samplers e MC´s. O Durante, período que consagra a identidade sonora do grupo ao adotarem o formato banda, acrescentando elementos do rock, principalmente o hardcore e o metal. Isso ocorreu a partir do álbum Cadeia Nacional (1997), legando peso e agressividade, características que passariam a ser marca registrada da sonoridade do Pavilhão 9. E aí temos o Depois, materializado na nova fase da banda, que mescla a longa vivência de Rhossi e Doze com o vigor de Rafael Bombeck na guitarra, Leo Canali (ex-Tolerância Zero) na bateria, Heitor Gomes (ex-Charlie Brown Jr e CPM 22) no baixo e o dj MF nas pick-ups. Temos nessa formação um novo Pavilhão 9, completamente antenado às questões atuais, mas com a essência da banda constituída no momento em que ganhou vida em 1990.
Todo esse movimento de transformação do Pavilhão 9 ao longo desses 27 anos de carreira está sintetizado em Antes Durante e Depois. Embora o crossover seja o som predominante no álbum, as faixas Pesadelo Gangsta, Isto Não Para e Na Malandragem marcam o retorno à sonoridade do Primeiro Ato e do Procurados Vivos ou Mortos. Estamos diante de uma obra de maturidade totalmente energizada pelo espírito selvagem da juventude, representado pela nova geração de ouvidos plugados no som e na mensagem dos novos versos rimados pelo Pavilhão 9.
O encontro dessas duas gerações distintas de músicos resultou num álbum veloz, certeiro, denso e direto, características estabelecidas pelas faixas curtas, muito bem “envenenadas” por base instrumental pesada. Há leveza e swing também, expressos no som do trompete e do flugehorn de Reginaldo 16 (Funk Como Le Gusta) em Na Malandragem, crônica sobre o cotidiano da quebrada cuja atmosfera é recriada lembrando a onda que bate quando a brisa sobe.
Refletindo sobre o atual momento político brasileiro, mas atentos aos acontecimentos mundo afora, cuja repercussão atinge-nos por aqui. Isto Não Para, versão da música Esto No Para do rapper espanhol Kase. O, discute o problema social em âmbito mundial, mostrando que a exploração imposta às pessoas a fim de obter lucro, seja através das guerras, anacronicamente travadas em nome da democracia e da justiça, seguem fazendo vítimas em todo globo.
Claramente de volta por sentirem a necessidade de levantar questões que motivem a reflexão sobre nossa realidade através da música, o Pavilhão 9, capitaneado por Rhossi e Doze, nos brinda com uma obra atual em todos os sentidos. O tempo mostrará que Antes Durante Depois é um registro sobre esse período histórico no qual nos encontramos e poderá ser usado futuramente como referência para que as futuras gerações compreendam o que foi essa fase da história do Brasil.
Leia mais sobre Antes Durante Depois clicando aqui.
O álbum está à venda Livraria Saraiva, clique aqui e adquira o formato físico dessa obra.
Ficha Técnica:
Produção Musical: Daniel Krotoszynski & Pavilhão 9
Coprodução: Pavilhão 9 – DNAudio – São Paulo
Produção Executiva: Pavilhão 9
Direção Artística e A&R: Rhossi
Mixagem: Helio Leite – Mix Estúdios – São Paulo
Masterização: Randy Merrill – Sterling Sound – New York
Projeto Gráfico e Ilustrações: Leandro Dexter
Coord. Gráfica: Rhossi
Assessoria de Imprensa: Magali Magalhães – Journal Assessoria
Produtor Convidado: Nave Beatz na faixa 05
Músico convidado: Reginaldo, trompete e flugelhorn na faixa 10
Scratch e Colagem: DJ MF nas faixas 1, 2, 3, 6 e 7
Todas as faixas editadas por: Deck, exceto faixa 5 (Deck/ Tapajós) e faixa 9 (Rapsolo Brasil S L/ Altafonte Network $ L (Sgael))