Simplesmente tudo que alguém poderia desejar. E quem duvida que incrustado num panorama desses, o músico em questão AINDA assim conseguiu perder tudo, definitivamente não conhece o Free, muito menos Paul Kossoff.
Dono de uma rara habilidade e perícia em sua guitarra, Koss ficou famoso por linhas sempre muito sentimentais e por possuir um vibrato que tornou-se sinônimo de seu nome, fez até com que Eric Clapton (em sua fase God), fosse atrás do músico para que este lhe mostrasse os segredos desta técnica, inclusive eles até trocaram instrumentos após o ocorrido.
Só que no meio do caminho eles encontraram uma pedra… Na época ninguém sabia do que era feita, hoje sabe-se que era uma mistura de heroína e mandrax, a base do primeiro disco solo do guitarrista. Uma das grandes obras primas do groove, um LP que musicalmente (e históricamente), devido ao seu panorama problemático, é deveras triste, mas recompensador aos ouvidos. ”Back Street Crawler”, épico lançado em 1973, exala sinceridade, sofrimento e um sentimento de renovação que tira sarro da morte.
Line Up:
Paul Kossoff (guitarra)
Trevor Burton (baixo)
Alan White (bateria)
John ”Rabbit” Bundrick (teclado/órgão/piano)
Alan Spenner (baixo)
Jean Roussel (teclado)
Jess Roden (vocal)
Tetsu Yamauchi (baixo)
Simon Kirke (bateria)
John Martyn (guitarra)
Paul Rodgers (vocal)
Andy Fraser (vocal)
Conrad Isidore (bateria)
Clive Chaman (baixo)
Track List:
”Tuesday Morning”
”I’m Ready”
”Time Away”
”Molten Gold”
”Back Street Crawler (Don’t Need You No More”)
Com linhas curtas e um sentimento absurdo, o britânico sentia 100% a guitarra e 100% seu próprio corpo. Com Paul Kossoff era 200% de feeling. E logo pela capa do disco dava para ter uma noção do estado caquético que todo esse feeling permeou.
A coisa estava num nível que o cara chegou a desmaiar durante um solo, numa das várias vezes em que atrapalhou o Free em suas tours, atingindo o apogeu da insanidade em 1972. Época onde todos os shows do combo dependiam do estado de Koss, que quase sempre lastimável, resultava em episódios destrutivos com direito até a overdoses.
A Heroína era sua vida, mas seu talento era tão grande que ainda assim foi possível concretizar as gravações de um trabalho realmente diferenciado e que desarmou a bomba relógio que era um show do clássico Free.
Foram anos complexos, o desgaste das relações foi doloroso demais para todos os envolvidos e quando parecia que a tormenta tinha passado, Paul chegou a injetar heroína nos pés só para não ser pego pelos companheiros.
E o mais impressionante é que mesmo depois de tudo isso, toda a malha de músicos citados ainda participou deste projeto. Pena é uma palavra muito forte, prefiro creditar essa última chance ao evidente brilho e berrante talento do guitarrista, que aqui é absolutamente comprovado e registrado para ser eterno.
Dono do riff cheio de glicose que dá corpo ao clássico ”All Right Now”, esse disco é a prova viva de como Paul queria tudo ao mesmo tempo. Sua lápide inclusive carrega o nome do megahit que se tornou símbolo de seus demônios, feras que aqui sumiram, a luz era forte demais.
Temos 6 faixas e cada uma delas é tocada e endossada por Koss como se o disco tivesse um take. Ele abre a porta do estúdio, toma um whisky com mandrax debaixo da língua, grita pra alguém apertar play nos rolos e os 12 nomes envolvidos no instrumental, apenas acompanham (sem menosprezar), todos os espectros de luz que Paul irradia de si, como se fosse um refletor de Gibson’s experimentando cores para um eclipse de bends ou como ficou conhecido, os 17 primeiros minutos de ”Tuesday Morning”, pindorama infinito que abre o disco.
Jess Roden é o responsável por colocar verbos incandescentes neste take e sua voz é a cola responsável por reunir estilhaços de cacos de vidro na melodias de ”I’m Ready”. Quando você fecha os olhos ouvindo esse disco, você sola. Temos a vida em sua condição física mais livre, pairando como pequenos feixes psicodélicos através de nossa alma, como uma peneira que nos leva a luz para a epifania de tempos que não conseguimos especificar, mas que sabemos que vivemos ou viveremos.
É visceral, conectivo. Flexiona mentes, corpos e satétiles. O groove se perde entre as esferas da galáxia. Contemplando o tempo com ”Time Away”, ressucitando Paul Rodgers em ”Molten Gold” e relembrando talvez o último grande momento desta união. São performances absurdamente sentimentais, expressões claras de um coletivo de músicos glorioso, unificado por todos esses excessos que caracterizam Kossoff.
Sua guitarra espanta, tanto com voz na jogada, quanto sem. O estardalhaço era o timbre, estilo Midas de poucos toques e alguns ”Back Street Crawler’s”. O catranco cerebral é grande, mas Paul foi maior do que apenas sensações, algo que ele infelizmente não conseguiu suportar.