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Patada na dúvida sobre cometer um crime

Patada, banda paranaense de garage punk, lançou o EP “Talvez Eu Cometa Um crime”, recheado de músicas densas, ácidas e combativas.

Atuando num front reacionário

O Paraná, estado natal da Patada, está entre os estados mais reacionários do país. Isso está evidente na força política do atual governador Ratinho Jr., agente do neoliberalismo faminto por fazer a manutenção do poder dos latifundiários, do agronegócio, do empresariado, etc.

Tropa da PM paranaense em frente a Assembleia Legislativa do PR. Os PMs usaram bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo contra professores. Foto: Eduardo Matysiak

No início de junho deste ano, os deputados aliados de Ratinho Jr. na Assembleia legislativa Estadual do Paraná, aprovaram através de votação um projeto de lei de privatização de escolas públicas daquele estado (aqui).

Sem falar o fato de ser berço do “lavajatismo” e ter levado ao senado Sérgio Moro e à Câmara dos Deputados o janota Deltan Dallagnol, aliás, foi o deputado mais votado pelo Paraná nas eleições de 2022. Este felizmente teve seu mandato cassado (aqui).

No âmbito da capital, Curitiba, temos a perseguição direcionada ao ex-vereador e atual deputado estadual Renato Freitas. Quando Renato foi vereador pela capital paranaense, foi acusado de invadir a igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos em fevereiro de 2022.

O então vereador, apenas realizou um protesto no interior da igreja, contra o assassinato brutal de Moïse Kabagambe e de Durval Teófilo Filho no Rio de Janeiro. Teve seu mandato cassado, porém, logo depois o processo foi suspenso pelo Tribunal de Justiça do Paraná. (aqui)

Um contexto social reacionário e opressor gera resistência

Nesse sentido, podemos compreender poque o estado possui um sindicato tão organizado, atuante e de confronto como é o sindicato dos professores do Paraná. O governo Beto Richa ficou marcado pela repressão extremamente violenta contra os professores paranaenses exercendo seu direito constitucional à greve em 2015. (aqui)

Assim como ocorreu em 2024, no atual governo Ratinho Jr., que jogou a polícia contra os professores que compareceram à votação da privatização das escolas paranaenses. (aqui)

Não a toa o nome da banda é Patada

Desse modo, também podemos compreender porque o Paraná possui bandas engajadas politicamente. Preocupadas em lutar contra o machismo, a misoginia, o racismo e toda forma de opressão de estado e social direcionada aos grupos sociais marginalizados.

Patada, banda formada em 2022, está entre as representantes paranaenses cujas músicas buscam confrontar as estruturas de poder construídas com o intuito de controlar e administrar de acordo com o interesse dos donos do poder a vida dos indivíduos.

Não é por acaso que Tiem (vocal e guitarra), Gabriela (bateria), Ivy (baixo) e Nanashara (guitarra) batizaram a banda com o nome Patada. O teor das letras e a sonoridade da banda mostram que pra gente babaca e reaça é “pocazideia”. Se vier pra cima a patada vai comer desemboladamente.

Arte de capa do Ep Fogo Gasolina

Quero fazer um adendo sobre o primeiro EP das minas. A arte de capa é insana, vejam por vocês mesmos. Uma foto em preto e branco com as minas em cima do carro segurando seus instrumentos, mostrando que são duronas e prontas pra partir pra cima se for necessário.

O registro recebeu o nome de Fogo Gasolinatítulo da faixa que fecha o EP. Além dessa música, possui outras duas: Cancelada e O Diabo Mora Nos Detalhes

Neste caso, o alvo principal da banda é o patriarcado, causa da misoginia e do machismo que diariamente vitimiza mulheres por todo canto do mundo. O primeiro registro de estúdio da banda foi lançado no ano de nascimento da Patada, 2022.

A legitimidade do ódio contra o opressor

Talvez Eu Cometa Um Crime tem faixas tocadas com fúria, rapidez, o que lhes imprime um caráter explosivo. Destaque para os vocais de Tiem. Seu timbre vocal agudo ganha intensidade através do modo como canta as músicas. Dá pra sentir a fúria percorrendo as ondas sonoras.

Isso, somado aos demais instrumentos levam as músicas a uma dimensão da mais pura raiva. As músicas soam como desabafos intensificados pela ira de se ter que viver sobre uma constante pressão social. Direcionada pelos dispositivos de controle social, que atuam sobre as mulheres. Manifestando-se através de valores machistas, no campo da moral, levando homens a objetificarem as mulheres. Segue-se daí ações violentas. Causando sofrimento físico, emocional e psicológico.

Patada em ação.

Toda organização social reflete um mundo de domínio masculino, no qual as mulheres são representadas como troféus, objetos de satisfação dos desejos masculinos. As mulheres que não sentem ódio por viverem num mundo que lhes é tão opressor, ainda não perceberam ser possível reestruturá-lo.

Dessa forma, bandas como a Patada, cujas músicas e letras expressam de modo tão contundente esse sentimento a um só tempo de frustração e ódio, por parecer se estar diante de um inimigo invencível, são essenciais para mostrar não haver outro caminho senão o da luta. 

A dúvida expressa na frase “talvez cometa um crime”,  um dos versos da faixa TPM, traz a tona a angústia de viver sob a constante pressão de ser mulher num mundo feito pelos homens, portanto, para refletir seus próprios valores e interesses.

E essa faixa em particular traz consigo, em seus versos, um estado de espírito de quem chegou ao extremo da raiva. O título, TPM, sugere se tratar de um estado natural das mulheres. Ligado às particularidades biológicas do corpo feminino. Contudo, o fato de se estar reservado à mulher uma função subalterna aos interesses dos homens, a tpm, devido ao machismo, torna-se uma condição emocional, fruto dessa sociedade.

Portanto, essa TPM, é uma condição social, não se trata daquela consequência do ciclo menstrual. Esse juízo que expressa a vontade de cometer um crime” contra seus algozes, surge da pressão exercida constantemente, em todos os estratos da vida, sobre as mulheres.

Patada em ação.

E a tpm acaba por se tornar fonte de piadas entre os próprios homens. Isso ocorre no momento em que estes estão manifestando algum tipo de comportamento que pode ser associado ao estado emocional das mulheres quando estas estão de tpm. 

O EP começa com Fiscal, que reflete bem a ideia apresentada acima de haver um controle social sobre as mulheres. O fiscal surge como esse mecanismo que exige da mulher estar sempre tendo que prestar conta de suas ações, de suas opiniões, de seu jeito de vestir, falar, etc. 

Seguimos com a faixa Gente Boa que aborda o ego próprio do cidadão de bem. Essa “gente boa”, sempre arrotando regras morais, referindo-se a si mesmos como verdadeiros estóicos, firmes na ação orientada por valores morais sólidos.

Daí o grito que alerta para se tomar cuidado com quem se apresenta dessa forma. A faixa se desenrola de modo cadenciado, sempre mantendo uma acentuação mais forte ao final de cada verso. Causando impacto e destacando bem a mensagem contida cada verso.

Adolescente Por Um Dia sai um pouco da esfera da crítica social. Explora o espírito “arruaceiro”  próprio de quem ainda está na flor da idade, tem energia e condicionamento físico pra aguentar uma noitada repleta de curtição.

Aqui do auge dos meus 44 anos, confesso que fiquei cansado só de imaginar esse role descrito na letra. Porém, ao mesmo tempo bateu uma nostalgia e desejo de ter esse “espírito” mais uma vez! Nem que fosse por mais um dia.

Essa música toca nisso, nessa vivência, parte de um período da vida, intenso, cheio de descobertas e desprovido de preocupações mais profundas, o qual não desfrutaremos mais. Confesso, bate saudade, mas também tristeza pela impossibilidade de reviver aqueles momentos.

Após esse momento lúdico, a verve de protesto retorna em Pressão. Válvulas de escape são necessárias, porém, cumpre a função de trazer o alívio necessário para não se explodir. Afinal, os dispositivos de opressão e controle continuam operando.

Pressão é uma faixa cortante, executada de forma a transmitir ao ouvinte a sensação de sufocamento, própria à quem está sob constante ataque. Os versos revelam um cotidiano de esgotamento, a elaboração de uma estrutura social responsável por exercer constante pressão sobre as mulheres.

Através da imposição de papéis a serem desempenhados, funções a serem exercidas, que levam ao adoecimento físico e emocional. Sob a pressão da imposição de um estilo de vida não escolhido mas forçado, através do peso indelével da tradição, a mulher se encontra no limite entre a sanidade e a loucura.

Curioso, a faixa não mostra saída para tal condição. O que nos leva a concluir se tratar da expressão de uma angústia profunda, uma situação de desespero, gerada pela falta de perspectiva de uma saída possível. E é importante trazer essa questão, na medida que reflete a situação de várias mulheres, sem condições de reunir forças para contestar tal realidade.

Somos convidados (as) em Pressão a nos conectar com uma persona aturdida, perdida em meio às emoções e sensações decorrentes de uma pressão naturalizada pela tradição. Patada nos convida a contemplar o horror presente em uma pessoa colocada nesta situação.

Seguimos para o final com  “Minha Vida Parece Uma Novela Mexicana”. O título sugere uma música de dor de cotovelo. E é isso mesmo. Música de ritmo cadenciado, fala sobre relações amorosas recheadas de dramas, conflitos e decepções. Afinal de contas, amor que valha a pena necessita desses ingredientes. 

Talvez Eu Cometa Um Crime é um registro de músicas intensas, que tornam impossível ao ouvinte ficar alheio à sua mensagem e seu som. E a Patada é mais uma banda paranaense cujas integrantes são mulheres, preocupadas em oferecer mais que entretenimento através de suas músicas. Dá pra se divertir e pegar a visão sobre questões ligadas às pautas feministas e sociais que acometem nossa sociedade. 

 

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