Panorama Rap Nacional Janeiro 2019 nos audiovisuais é a tentativa de produzir um polaroid com algumas produções de artistas do Brasil inteiro
“Foda-se os likes, vivem só de hype, dão o cú por Nikes, não passam de Fakes, cês tem referência, mas não tem vivência, pede até clemência se me ver na frente.”
Pensar o rap transcede os mcs, ou poderia transcender, o público deveria ser capaz de sair das músicas e ir em direção a cultura hip hop, o que por sua vez os levaria a pensar os problemas que aflingem as pessoas que constroem essa cultura. Aqui nesse panorama, a ideia é trabalhar em um duplo movimento. Ao visibilizar artistas do Brasil inteiro, queremos priorizar trabalhos que são excelentes e que não alcançam a audiência que entendemos merecer. Por outro lado, ao trazer esses trabalhos, junto a eles nos chegam os problemas que os artistas desenvolvem. Pois, de lugares diferentes nos são enviadas outras visões de problemas comuns, produzidas localmente por artistas diversos, de estilo, região e lugar de fala.
Por isso, escolhemos as produções audiovisuais, afinal essas nos mostram os artistas em imagens movimento e em imagens-tempo, que nos permitem perceber melhor um recorte local das obras. A idéia é a mesma de sempre, apresentar a força diversa, as múltiplas expressões que o rap possui em nosso país, os atores que transitam por gêneros da música rap, imprimindo neles suas singularidades. Desse modo, pretendemos causar uma absorção refletida dessas manifestações díspares, que nos leve a uma melhor compreensão da cultura hip hop no Brasil. Sem bairrismo, sem machismo, sem transfobia, sem ser guardinha, a ideia é pensar o rap e sua força musical como expressão do hip hop, buscando assim construir o famoso e pouco utilizado quinto elemento da cultura da qual fazemos parte e ou admiramos.
É parte constitutiva do rap hoje, pensar as relações parentais, a formação dos indivíduos e os traumas que eles carregam, as chagas que a família muitas vezes deixam em nós. Alguns de nós carregamos essas marcas de modo inconsciente e outros as carregam com um sofrimento terrível que muitas vezes os empurra para o suicídio. É nesse vespeiro de sentimentos e sensações que o clipe de Estorvo se insinua, buscando tratar dessas questões de modo honesto e trazendo ao mesmo tempo um leitura artística da questão que nos provoca e convida à reflexão.
O Mc Super Shock, rapper cearense e que se radicou no Amapá, vem construindo uma caminhada muito bonita e elevando aos poucos sua lírica e trabalho a um nível muito bom. O clipe também não decepciona, pelo contrário, apresenta outras tantas camadas de interpretação ao transcrever a música em imagens, e é responsabilidade do Ocorre, produtora que o produziu. O norte do Brasil possui diversos excelentes valores mas a cegueira do público do rap nacional não oportuniza conhecermos outras tantas produções sérias e de muita qualidade. Não dê esse vacilo.
Um dos melhores do rap nordeste, Alex NSC, é um mano que transpira o rap e sempre leva o nome de sua quebrada para todos os lugares que vai. Foi de carro pra SP gravar o Rap Box e de lá seguiu para o Paraguai e gravou por lá também. Mas sua força está no Reginaldo, é o que nos faz curtir bastante seu trabalha e vendo esse clipe, percebemos como a força e a experiência adquirida na sua quebrada o qualifica pra tomar o mundo. Sempre denunciando as vidas perdidas, a pobreza de sua favela, sem perder de vista que é apenas a força de sua militância que fará algo pelos seus!
O videoclipe trabalha acompanhando a reflexão solitária do poeta que vive dentro de sua favela sendo atravessado por toda sorte de violência, a vontade de sair do meio desse caos e alcançar um pouco de paz. Com a direção do DJC e apresentando uma produção de responsa como já é de lei nos clipes do NSC (Neurônios Sub Conscientes). Assista:
Conexão Sergipe, Bahia e Goiás, as facilidades produzidas pelas novas tecnologias pode gerar bons encontros e é disso que se trata aqui, Maeed, Jimy e Torvi, se uniram pra lançar uma série de trampos. Nesses trabalhos os caras unem seus talentos e seguem linhas que variam de uma produção pra outra. Com os trabalhos do trio iniciados no ano passado com o clipe de Novos Lugares, numa pegada mais underground, agora os caras soltaram um outra parcela dessa união com o clipe de Entre Doses.
Em cima do beat do FreezeNosBeatz criando um clima que transparece uma calma pesada, o videoclipe encontra uma fotografia adequada ao clima na direção de Gney. A música fala de relacionamentos e vivências amorosas, fins, ressentimentos, encontros que podem dar certo e outras cositas mas sobre situações amorosas. Assista.
Marcola, abriu 2019 com um arsenal bélico muito potente, pois já iniciou o ano com essa demotape audiovisual: Aos Olhos do Lobo Todos São Presas (2019), contando com três músicas. Golias é a primeira das três músicas que compõe essa demotape. Esse movimento antecede e prepara o público para o lançamento de um EP, e na sequência virá um disco. Ou seja, Marcola não tá pra brincadeira nesse 2019 e chega apostando alto, e se tomarmos esse Golias como parâmetro, o artista está com uma mão de cartas excelente.
O rapper do bairro de Itapuã, Salvador BA, tá plantado e chega todo planejado depois de anos de preparo pré carreira solo, quando fez parte do super grupo Turma do Bairro. Com sua mixtape Ouro de Tolo (2016), chamou atenção de uma parcela interessante do público de fora do seu estado. Agora com Golias, produção da AquaHertz, o mc chega refletindo sobre o jogo/vida e a dificuldade de esquivar das pedras que lhes são lançadas. Subvertendo o mito biblíco onde Davi erra a pedrada porque o mc é treinado na lavagem de Itapuã, e a esquiva é certa. Saca só!
https://www.youtube.com/watch?v=1oJykAko1t0
A rapper matogrossense Pacha Ana foi no ano passado uma das mais importantes revelações de 2018, com um disco de estreia excelente, Omo Oyá (2018) impressionou a muitos e a elevou a um respeito imediato no cenário nacional. Apresentando-se ao país com uma riqueza lírica ímpar e com uma sagacidade de flow capaz de rivalizar com qualquer um, Pacha Ana já começa o ano com um vídeoclipe bem legal. Trazendo como parceira a mc mineira, da cidade de Betim Julia Mac, numa produção do João Malfitano (8 Portas Produção) onde a Pacha reafirma seu talento e nos apresenta outros, nessa conexão bacana com Belo Horizonte.
O video clipe trabalhando entre cores e o preto e branco, capta as mulheres em um bate bola muito maneiro, dividindo as rimas e unindo suas bonitas vozes. Construção toda feita no dia da gravação, no encontro entre as duas. Somente numa conexão entre duas artistas que não se conheciam pessoalmente é que podemos encontrar a força que Estradas Dispersas nos mostra. Saca o som!
Monna Brutal não precisa de mascara de oxigênio pra respirar masculinidade tóxica, tal qual uma heroína de quadrinhos – da vida real – foi esse o ar que ela respirou e respira desde sempre. Essa vivência nos é apresentada agora através de uma personagem, de um alter ego, que deveria receber o reconhecimento devido, aos serviços prestados. A música Bixa Papão (Putos Não Fodem) guarda em si mesma, toda a luta LGBTQ+ e Monna assume com uma legitimidade e uma força incríveis tudo isso. sua lírica navalha, seu corpo provocador, vão pouco a pouco rasurando o patriarcado com uma deliciosa sensualidade e uma força trazida das ruas!
O audio visual é lindo e a produção enche os olhos, encenando as diversas formas de combater e matar essa frágil masculinidade envolta em uma grandeza que não condiz com sua realidade. Assinado pela produtora Quebra Mundo – Da Quebrada Para o Mundo, é o primeiro video clipe retirado do excelente 9/11 (2018), maravilhoso disco de estreia da mc paulista. Quem tem.medo da Bixa Papão?
Não vou nem contar pra vocês que o Gabé lançou um excelente EP no ano passado e um EP visual junto a Arit esse ano, porque pra variar meu trabalho nessa agência de investigação está atrasado e estou terminando um relatório sobre esse marginal que já já entrego nas mãos do chefe e vai chegar em vocês. Por ora, vamos nos ater ao último atentado cometido por esse “jovem desiquilibrado”, que possui a vã ideia de que destruirá a mediocridade do hype, construindo pequenos oasis em beats desérticos.
Em cima de um boombap produção do Alã, a seriedade das rimas contrasta e aumenta a força das imagens e citações em A Vinda Do Quarto Continente. A filmagem ficou por conta de Elisa Abreu, Guilherme Mello e Fabio Rodrigues e a edição é do próprio mc Gabé, que encontrou na edição um equivalente rítmico nas imagens para suas rimas e flow. O mc do interior do Rio Grande do Sul, vem construindo uma obra instigante, experimental e precisa ser ouvido por todos que querem fugir da “brisa doidão pop” muito em voga hoje, pois em sua arte quem delira é a linguagem. Em breve entrego o relatório, chefe.