Panorama Rap Nacional Fevereiro 2019 nos audiovisuais muito pesados e de locais, de artistas que precisam alcançar uma visibilidade nacional!
Fevereiro foi um mês de produções fantásticas lançadas de norte a sul do país, como não poderia deixar de ser. Selecionamos dessa vez, nomes bem raros e que trazem cada qual ao seu modo contribuições riquissímas para o hip hop nacional. Expressões de muita força e luta, autoafirmações de localidades esquecidas pelo nosso frágil espírito nacional/eixo cultural.
É curioso como quanto mais nos aprofundamos nessas expressões artísticas da cultura hip hop e mais particulamente no rap e nos seus fundamentos, melhor conseguimos pensar o nosso país e suas desigualdades. Obviamente pelo fato dessa cultura ter em sua estrutura profunda a contestação como mote, a união como forma e a busca de igualdade como horizonte de sentido, o rap nos faz ver os problemas que nos afligem como povo. E os trabalhos aqui selecionados conseguem nos impulsionar no entendimento, assim como na busca por novas formas de luta e contestação.
Pois, quando selecionamos bem as formas de luta e combate dessas nossas chagas históricas, somos capazes de perceber mais claramente os diversos problemas. No entanto, para isso precisamos ver/ouvir esses artistas, compreender suas singularidades e pautas desde o seu lugar de origem, sendo assim capazes de dimensionar o local e o nacional. Atrasamos um pouquinho essa edição mas enfim, está aí!
RJ (Amapá)
Um dos melhores singles que ouvimos no último mês de fevereiro é fruto do Ep Antiherói (2019), lançado pelo mano RJ, também conhecido pela alcunha de Ramon Anti-Herói. O vídeo clipe que apresenta o single retirado do lançamento é um excelente complemento a lírica desse “O Flow Mais Peba“. Produzido pela galera do OCORRE, com aquela qualidade que quem acompanha o trampo já conhece e quem não, precisa conhecer. Beatzeira boombapzão do Malária Beats que também assina a mix/master com a Nois Por Nois Rec.
Com participação do DJ Fantasma nas colagens, o que demonstra o apego do rapper a um estilo clássico, mas com os dois pés no presente. Postura que se confirma com as pautas defendidas na música, com as referências citadas, assim como através da sua linguagem própria. Ouça com atenção!
Anna Suav & Bruna BG (Pará)
A cantora e rimadora Anna Suav compõem juntamante a uma série de artistas excelentes, uma cena bem interessante de rap r&b ragga, em Belém do Pará. Ela que está preparando um EP, lançou uma faixa como single em parceria com a grande e versátil Bruna BG, juntas as duas se complementam em suas diversas qualidades.
“Soul Sim” conta com o roteiro e direção da própria Anna Suav e a produção é da Caribé Filmes que tem feito um trabalho fora do comum pela cena de Belém do Pará. Num beat produzido por Fabio Ramos com elementos orgânicos, Anna Suav desfila sua bonita voz ao mesmo tempo em que rima com firmeza. Bruna BG que geralmente chega pesadona nos sons, modera o timbre e o ritmo e consegue passar ideias de equilíbrio e autoafirmação de uma luta que só as mulheres conhecem, o esforço necessário para travar. Fiquem ligados nessas minas e nas produções que vem do Pará!
Carmen Kemoly (Maranhão)
Importante e gratificante acompanhar o nascimento de um trabalho, e Carmen Kemoly chega na sua estreia com o clipe de “Camburão”, uma prévia do EP Karma (2019) que a rapper está produzindo. Carmen Kemoly vem numa caminhada de escurecimento intenso de sua existência, que começa com sua escrita para meios de comunicação pretos, segue por sua inserção no mundo dos Slams de poesia e desagua agora nessa sua estréia no universo do hip hop.
Algo que pode ser sentido com a mesma intensidade em “Camburão”, video clipe produzido pela Rua2Filmes, com excelente fotografia e fugindo dos cenários comuns aos clipes de rap. Na música que tem o beat do FxM Black, a rapper maranhense de nascença e piaúiense nas alianças, desfila através das rimas o processo de autoconsciência de sua negritude acima mencionado. Fiquem ligados porque essa mana começou o ano a todo vapor e em breve tem EP na rua!
Marcola (Bahia)
Dando prosseguimento ao seu trampo desse começo de ano, Marcola chega em 2019 com muito peso em poesia ritmada. “Semop” é mais um trampo fora da curva que o rapper baiano, natural de Salvador e morador do bairro de Itapuã solta. Utilizando as ruas de seu bairro e buscando dialogar com o cotidiano perigosamente marginal dos nossos vendedores ambulantes, Marcola consegue criar um excelente duplo, entre o artista independente e os trabalhadores informais, retratados no vídeo.
A música que possui a produção da excelente Aquahertz, e o clipe que conta com a direção do Vitor Moreira e produção da Colibri Filmes, é um retrato do que tem sido o aumento exponencial de trabalhadores pelas ruas de Salvador, atrás de seu sustento. Em breve teremos aqui no Oganpazan, uma resenha do disco que Marcola soltou na última semana, e que está lindo: Lírios (2019), pega a visão.
Dow Raiz (Paraná)
O mano Dow Raiz tem trabalhos excelentes, e é um daqueles magos das ruas que por motivos de “a indústria é estranha”, não foi absorvido pelo mainstream do rap nacional. Lançou Antibióticos de Rua (2018) que é exatamente o que o título afirma, um remédio para as novas gerações conhecerem um rapper real. Esse ano o cara soltou um meteoro chamado DANGER EP (2019), contendo 5 faixas com audiovisuais fantásticos. Selecionamos aqui a faixa “Adora Funk” com a qual primeiro tomamos contato.
O clipe aborda de modo bastante inteligente a questão da apropriação cultural, com versos certeiros e com o flow que o mano Dow Raiz desenvolve de modo a nos segurar com firmeza pelo estômago. O audio visual, uma realização da KAVE ambientado numa quebrada, em meio a um daqueles churrascos na laje, encontra no roteiro a construção imagética que a música descreve através da poesia e das ideias! Fiquem ligados, que logo menos, também estaremos entrgando uma matéria sobre o EP DANGER aqui no nosso site! Toma esses remedinhos aqui, toma!
Aika Cortez (Rio de Janeiro)
Menina mulher da pele preta, Aika Cortez mc carioca, chegou em Salvador para gravar esse clipão, e certamente não poderia passar despercebida por aqui. Em cima de um beat pesadão de trap, produzido por Ojizzy, a mina escalda tudo, numa música que aborda diversos aspectos da nossa negritude. Partindo do sistema genocida até a necessidade de superarmos todas as armadilhas que historicamente se constitui para o povo preto, numa audiovisual lindo.
Modéstia parte nossa cidade é bonita demais, e diante dos quadros selecionados pelo clipe produção do Froydeh, Aika Cortez tem sua beleza e talento ressaltados. A música Fé, faz parte do disco lançado pela rapper carioca em maio do ano passado, AIK-47 (2018), e acho eu que você deveria conferir, também!
Apuke feat. Mc Robs & Cacau Alves (São Paulo)
Beatmaker de mão cheia, Apuke (Quebrada Queer) soltou sua primeira faixa num pique esquenta a chapa. com o apoio de Mc Robs e Cacau Alves. Em tempos onde aos poucos começamos a ver os beatmakers nacionais terem seus trabalhos melhor valorizados, sempre deixados de mão, é com prazer que recebemos essa estréia solo do Apuke. A música nos traz uma sonoridade trap, com alguns elementos de funk, com as linhas de Robs e Cacau desfiando sobre a liberdade e o desejo, nos dando a entender a necessidade de buscarmos a igualdade dos desejos em nossa sociedade repressiva, machista e homofóbica.
Num audiovisual luxuosíssimo a camêra enquadra o trio tomando um bom champagne, enquanto xs mcs desenvolvem as linas e a beatmaker, desfruta do prazer de observar sua música bem preenchida. A produção do videoclipe contou com a direção de Lukas Kakuda e Luiz Becherini, que trabalharam muito bem, a mix e master é trabalho da Comboio Records. Mais um trampo de alto nível dessa excelente beatmaker e de todos os envolvidos, se ligue!
Vejam essa porrada e entendam depois dessa experiência fortíssima o quanto o rap pode, através da união da Agnes Mariá (Poetas Vivos), Siganus e Bruno Negrão, desviar seu olhar, sentimento e ideias de expressões idiotas como aquela que ficou famoso no país todo. São diversas expressões de primeira linha, desde de sempre no rap do Rio Grande do Sul, aqui isso fica escuro, e é preciso visibilizar essas pedradas!
O hip hop é uma cultura que quando chega nesse nível estético demonstra com a força de suas origens negras, o quanto pode emocionar, escurecer, fortalecer, mentes e corpos, quanto a nossas lutas. Num audiovisual feito na quebrada com uma excelente fotografia e direção da Ímpeto nos Olhos, através do excelente beat do Jay-Gueto, que varia com primor, nos fica evidente estarmos diante de uma das melhores produções do ano até aqui. A música com mais de seis minutos, algo incomum hoje, não perde um milésimo de segundo, desde a poesia da Agnés até as bagaças dos mcs supracitados. Só vejam que na verdade, o Sul segue resistindo!
Valeu a indicação meu mano Gagui IDV, tamo junto!