Os ecos da pele preta: Radio Diaspora encontra Sun Ra no Sesc Santana, proporcionando uma aula sobre o passado e o presente da música negra!
Em mais um sábado de som, o Sesc Santana retomou o projeto “Jazz em Tributo”. Depois da estreia com o trio Átrio Jazz, tocando o repertório do pianista Herbie Hancock – no dia 18 de janeiro – a unidade recebeu a Radio Diaspora, justamente para dar sequência para uma iniciativa muito interessante e que visa mostrar o repertório dos grandes mestres do Jazz para uma nova geração de ouvintes atentos e inquietos.
Projeto formado pelo baterista Wagner Ramos e o trompetista Rômulo Alexis, o duo foi acrescido de Lua Bernardo (baixo) e Luiz Viola (escaleta/teclados/sintetizadores) para configurar um quarteto e recriar o infinito particular de um dos maiores compositores do século XX, o genial Sun Ra.
No repertório dessa viagem transgressora, um dos discos mais emblemáticos da carreira do músico, o excelente “Astro Black”, lançado via IMPULSE! em 1972. Como ponto básico, é relativamente simples compreender por que o projeto optou por um show em quarteto, pois apesar de Rômulo e Wagner possuírem essa veia experimental/eletrônica muito forte, o contexto da instrumentação precisava de mais pontos focais, principalmente pensando nas ambiências do disco.
O show contou com o repertório do “Astro Black”, na íntegra, além de um bis com a clássica “Space Is The Place”, onde um quarteto formado apenas por instrumentistas negros puderam mostrar, não só as raízes, mas também o DNA e o legado de expansão espiritual que Sun Ra visava transmitir pelo cordão umbilical de seu groove afro-futurista.
O “Astro Black” não é um disco de fácil audição. De primeira os elementos podem parecer espalhados demais, mas é tudo uma questão de compreender a estética e se acostumar com o contexto. É um som desafiador, que ousa pela forma como aborda o preenchimento e conversa com elementos do Jazz e diversas outras estéticas da diáspora e que, ao vivo, se apoiou bastante em todo trabalho que Rômulo e Wagner cunham no contexto da música experimental e improvisação livre.
Foi um set bastante preciso. Foi interessante, principalmente em termos de dinâmica. Wagner e Lua Bernardo fizeram uma cozinha bem alinhada. Ao tocar com o baixo acústico – executando algumas passagens com arco em alguns momentos – o som foi bem conduzido para que Rômulo e Luiz Viola entrassem de cabeça num turbilhão de embates de Sinth e linhas sônicas de trompete.
Mais do que recriar um disco fantástico e de um dos maiores músicos de todos os tempos, esse show valoriza a produção negra e de quebra ainda mostra a produção de 4 instrumentistas contemporâneos que estão na cena explorando diversas escolas diferentes.
O modo como o baixo funciona como uma âncora e a forma pouco convencional (Avant-Garde) com que os instrumentos conversam entre si, promove uma expansão no ouvido do ouvinte. Os vocais de Rômulo em “Astro Black” e a dobradinha com a Lua Bernardo na clássica “Space Is The Place” foram pontos altos do espetáculo.
Ouvir temas como “Discipline”, “Hidden Spheres” e “The Cosmo-Fire” foi revigorante. O Sun Ra foi um mestre e sua vasta obra precisa ser divulgada para novos ouvidos. A música e a mentalidade são elos indivisíveis em sua obra. A postura é importante. Se posicionar talvez nunca tenha sido tão elementar… Foi um show que além de conhecimento, promove o pensamento, algo que é intrínseco à arte e que possui um valor incomensurável.
Acompanhem o trabalho da Radio Diaspora, vocês não vão se arrepender.
-Os ecos da pela preta: Radio Diaspora encontra Sun Ra
Por Guilherme Espir
Escutem os trabalhos do duo, abaixo: