Ornette Coleman mudou o jazz para sempre ao lançar em 1960 o álbum Free Jazz. O álbum foi tão marcante que seu título passou a designar um segmento dentro do jazz.
Quando ouvi Ornette Coleman pela primeira vez fiquei assustado. Na época, anos 90, já ouvia jazz compulsivamente, graças a coleção Gigantes do Jazz presente entre os vinis do meu pai. Lembro-me perfeitamente de ter ficado perplexo com o disco do Miles Davis dessa coleção. Havia duas músicas do Bithces Brew, Pharoa´s Dance e John McLaughlin. Aquilo chamara minha atenção pela completa falta de referência em tudo que eu havia ouvido até então. Parecia uma música vinda do futuro. Na minha doce inocência de adolescente acreditava piamente não ser possível nada mais sofisticado, surpreendente e intenso que aquilo no campo da música.
Foi então que na casa de um amigo fui apresentado ao álbum Free Jazz. Aquilo fundiu minha cabeça. Pensei imediatamente que aquele sujeito de nome estranho havia sido influenciado pelo Miles Davis. Só muito tempo depois eu viria a me surpreender ao saber que ocorrera exatamente o contrário. Após ouvir o álbum não conseguia dizer se aquele som era bom ou ruim, se eu gostei ou não gostei. Limitei-me a ouvir atentamente aquela loucura sonora, soltando vez por outra expressões de surpresa do tipo “Que isso!”, “Puta que o pariu!”, “Cê ouviu aquilo?”, “Nóóóóóóóóóó!!”. Só pensava na bagunça tremenda que era aquilo.
Parecia uma torre de babel musical onde os instrumentos falavam cada qual uma língua diferente sem conseguir se entender. Quando consegui mais informações, isso já na era da internet (ou seja, mais de dez anos depois de ouvir Ornette Coleman pela primeira vez) percebi que era uma bagunça organizada. Que entre os diferentes idiomas “falados” existia comunicação. Na verdade era uma bagunça premeditada. Os músicos bagunçavam o som de propósito afim de explorar novas possibilidades sonoras. Regras eram seguidas na execução da música, porém regras até então inexistentes no mundo do jazz.
Colemam levara o jazz ao limite da liberdade criativa, para além de toda liberdade propiciada pelo improviso. Ele buscou no dodecafonismo novas ideias, novas formas, novas estruturas musicais, criando mais um modo de se tocar o jazz. Criou as condições para que o próximo passo fosse dado por Miles Davis nove anos depois com seu Bithces Brew em 1969. Encontrara outro sax-alto à altura do Bird. Criativo, pujante, impetuoso, desbravador, aventureiro do som. Assim como Colombo, Onette Coleman não aceitava que a Terra fosse plana. Free Jazz é a prova disso. Duas músicas, uma em cada lado do LP: o lado A conta com a faixa homonima Free Jazz, o lado B com First Take.
Para a gravação dessa obra prima Coleman montou uma das mais arrojadas bandas de jazz de todos os tempos. Ele a batizou de Ornette Coleman Double Quartet, banda que jamais se repetiria em outra gravação. Dentre os músicos da Double Quartete de Coleman estavam quatro nomes que se tornariam posteriormente lendas do jazz. O baixista Charles Haden, o genial sax-alto Eric Dolphy, que em Free Jazz tocou clarone, e dois fenomenais trompetistas, posteriormente líderes de seus próprios grupos de jazz Freddie Hubbard e Don Cherry. A morte de Ornette Coleman deixa os amantes dos jazz num conflituoso encontro de emoções, ao mesmo tristes e felizes. Tristes pela morte do gênio que contribuiu para o fortalecimento da música, porém felizes pelo legado que nos deixa!