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Omnira Grito de Liberdade (2017) Você ouviu?

Omnira lançou um puta disco: Grito de Liberdade (2017) em julho, você já escutou? Se não, está perdendo grande oportunidade de aprendizado!!!

Existe uma violência que é própria da arte, exercida através da força dos afetos que comunicam em seus suportes e que nos tira do senso comum. Ao violentar o pensamento, a arte é capaz de rasgar diversos véus que nos impede de pensar o real. O grupo de rap paulista Omnira é um grupo relativamente novo, tendo seu embrião gestado pelos idos de 2013, e que só em 2016 lançou seu primeiro single oficial. Formado pelas mc’s Jana D’Notria, Paty Treze, Juliana Sete e pelo Dj Neew, Omnira apresenta uma estética e temáticas que dialogam com o rap dos anos 90 apontando para o futuro musicalmente e pautando temas políticos que ganham força a cada dia.

Grito de Liberdade (2017) é o disco de estreia do grupo e foi lançado no dia 25 de julho: Dia da mulher negra latino americana e caribenha. Nos apresentando em 10 faixas uma gama de justas e necessárias reivindicações em formato musical, beats e rimas como armas de uma luta de resistência.  Herança africana e feminismo, mulheres negras desfiando uma série de pautas que vão da luta contra a apropriação cultural ao direito ao aborto, da valorização e do reconhecimento da beleza negra até a luta contra a diminuição da maioridade penal. Mostrando em seu disco de estreia que o rap ainda é – e permanecerá sendo – essencialmente música de protesto, mesmo que alcance o entretenimento, negros e negras se divertindo ainda é política.

Em pleno “ano lírico” Omnira lançou um disco de estreia que infelizmente não alcançou muito o público nacional, afinal é um grupo de expressão majoritariamente feminina e sobretudo embalado numa estética negra desde o DNA. Em tempo de gozolândia, o papo reto que embala a verdade da Omnira certamente incomoda pela sua real violência. Omnira é Liberdade em Yorubá e em tempo de playboy reivindicando sua negritude, a verdade não pode ser aprendida em tutorial de youtube e não encontra reação que não a transformação dos preconceitos. 

O ano de 2017 certamente é um ano histórico para o rap nacional por diversos motivos que vão da confirmação da descentralização do mercado, passando pela volta de nomes importantes do rap nacional como o RZO e o Pavilhão Nove, mas sobretudo pela explosão das mulheres no rap. Explosão sim, pois as produções de mulheres neste ano corrente às fizeram construir uma verdadeira sobreloja no topo do Ano Lírico. E nesse quesito é importante perceber que sempre que novos nomes começam a surgir e alcançar o centro do cenário, é necessário continuar de olho nas margens. Pois do contrário, repete-se o vício de prestar atenção apenas no hype e solapar a bonita diversidade que é hoje o rap nacional. 

A força da poesia das meninas do Omnira presente em Grito de Liberdade casa perfeitamente com a música produzida pelo Dj Neew. Pesquisador, beatmaker e colunista, o Dj criou uma musicalidade muito pesada, que o grupo nomeia como rap de tambor, Dj Neew converteu o que de melhor os tambores digitais podem, para embalar a força poética. Utilizando diversos samples, fruto de suas pesquisas, há uma mescla fantástica de tambores e outros instrumentos de percussão sampleados com excelência. Criando uma musicalidade original que passeia pelos Tincõas, mas também pelo funk carioca, música de terreiro, dancehall, demonstrando na práxis a verdade do discurso negro.

Diante de um estado genocida da população negra, Agosto Negro marca o posicionamento contra a farda que mata a carne negra como a mais barata no mercado, por sua abundância de oferta. Mulheres e mães negras, o local de fala das mc’s é também o triste reconhecimento do lugar de morte, combatido com a sua música de resistência. Contra esse estado de coisas que a lei normatizou há mais de 500 anos, o símbolo requerido e exaltado é o machado da Justiça de Xangô, um das melhores músicas do disco. Aqui podemos além da qualidade e força do discurso, perceber a diversa qualidade que alia a beleza da voz com uma pegada R&B da Jana D’Notria, e as rimas contundentes e flows certeiros de Juliana Sete e Paty Treze.

Uma das melhores músicas de 2017, DNA de Protesto é uma aula do que nós entendemos como Rap Real contra a apropriação cultural que o rap vem sofrendo. Num país estruturalmente racista e que atualmente tem escancarado o mito da nossa democracia racial. Com os riscos do Dj Neew e samples do clássico Rap da Felicidade de Cidinho & Doca, propõem um dialogo bacana com a tradição favelística. Para andar na favela, para encarnar realmente a ancestralidade tem que ser, não adianta ter. As minas destravam suas armas e detonam uma rajada de punchlines contra os e as falsxs na parada, assim como exaltam as pretas que ajudaram a criar a tradição do rap nacional. Um certo filosofo alemão, certa vez disse que um dia os pobres iriam se orgulhar de sua riqueza e Omnira traduz essa afirmação escurecendo-a.

O disco também conta com participações muito bacanas, como  em Gira que tem Mazum (Norowestniggazz) e Xan (Othaideia). Música de beat cadenciado, onde o candomblé também se faz presente para afirmar com contundência a luta racial que vivemos. Pra quem não sabe, Gira ou Nijra em Quimbundo é um tipo de reunião de médiuns na umbanda e no candomblé, onde diversas entidades se fazem presentes através dos mesmos. A utilização desse signo nos demonstra o quanto o grupo se apropria de sua herança ancestral e a atualiza dentro da cultura hip hop. 

T-Flow

Em Quem vai, é Hemilin, jovem mc da região da Brasilândia quem chega na soma, para questionar o racismo e outras dores sofridas por todas as nossas rainhas. Onde a letra diagnostica os diversos sofrimentos a que a mulher preta esta exposta e ao mesmo tempo receita: coragem, solidariedade e força para vencer todos esses obstáculos. “Levante e pise firme Nega, você não estará sozinha.” 

Com a participação de T-flow Mc, fecha-se o disco com uma derradeira pedrada, Omnire-se é uma espécie de resumo do que de essencial nos traz esse belo disco. O jovem mc chega com um flow pesadíssimo, contra a homofobia e o racismo. Um nome para também se guardar, pois nessa breve participação nos causou excelente impressão.

A violência praticada pela Omnira e seu rap de tambor, nos causou aquela excelente impressão de que temos aqui um dos melhores discos do ano, com uma paleta ampla de lutas e resistência e ao mesmo tempo uma musicalidade ímpar. Porque a busca sempre será por liberdade e justiça, igualdade para os nossos, um povo negro autoconsciente de sua riqueza e dos processos históricos que nos colocou nesse lugar de oprimido. Omnira vira a mesa com muita força ao propor novos agenciamentos de enunciação com mulheres, LGBT’s, homens negros, juntos na luta que é uma só apesar da diversidade das pautas e das diferenças constituintes. 

Laroyê Omnira e toda sua exaltação do verdadeiro DNA de Protesto.

Você deveria baixar o disco aqui e ou escuta-lo abaixo.

 

Ficha Técnica:

Letras: Jana D’Nótria, Juh Sete e Paty Treze

Produção: DJ Neew

Mix/Master: LC ( K36 Produções ) e DJ Neew

Arte da Capa: Gisa D’Nótria

 

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