Conversamos com o MC carioca Old Dirty Bacon que vai lançar o seu disco de estreia A Origem, um dos grandes discos do ano!
Em um contexto onde público e mídias se voltam cada dia mais para os aspectos menos relevantes da cultura, entrar em contato com um artista como o Old Dirty Bacon é revigorante. Sua história se confunde com uma parte essencial do desenvolvimento do Rap no Rio de Janeiro, e sua arte retorna agora ao posto que nunca perdeu. Com um disco agendado para essa próxima sexta feira, dia 16 de agosto.
O álbum “A Origem” é antes de mais nada, uma realização pessoal e uma conquista fruto do reconhecimento de seus pares. Contando com 12 faixas, o disco chega às plataformas de streaming recheado de participações com nomes como Sant, Akira Presidente, SD9, VND, Thiago Ultra (Antiéticos), Spike e DJ Erik Scratch. Os beatmakers são um show à parte, e além do parceiro de longa data Goribeatzz, o disco tem batidas do Papatinho, Barba Negra, El Lif Beatz, 2F U-Flow, CHF, Terror dos Beats e Sono TWS.
Após um EP lançado há 8 anos atrás, o auto intitulado Old Dirty Bacon, com produção feita pelo Goribeatzz, o MC carioca volta com um disco cheio, que nos mostra a importância do bom e velho boombap. Rimando de modo muito criativo e trazendo toda a vivência do alto de seus 43 anos de uma vida que fez história “sem perceber”, Old Dirty Bacon cozinhou faixas com o requinte sujo que apenas grandes chefes da rataria podem produzir. Mesclando o swing com doses potentes de insubordinação e protesto.
-Leia aqui a matéria que fizemos sobre o lançamento do single Sem Misericórdia do Old Dirty Bacon!
Versátil e focado no fundamento imortal de quem sentiu nas entranhas as alegrias e as dores da vida, mas que não se corrompeu e ou encaretou apesar de limpo. Afinal, ninguém precisa de aditivos para enlouquecer em um cotidiano alucinatório como o que vivemos no Brasil. E é esse o extrato que Old Dirty Bacon extrai e apresenta em forma de arte em seu novo disco. Ao mesmo tempo em que apresenta uma forte poesia de protesto, como na faixa single lançada com participação do VND, reclama para a cena a tradição do underground carioca.
Para conhecer um pouco mais da sua história e da feitura do disco A Origem, conversamos com Old Dirty Bacon, e você confere abaixo a entrevista:
Oganpazan – Em primeiro lugar, meu caro, gostaria de lhe agradecer pela disponibilidade em ceder essa entrevista pro nosso site e começar lhe perguntando, com qual idade e como se deu seu primeiro contato com a cultura Hip-Hop?
Old Dirty Bacon – Tenho 43 anos. Comecei a me interessar pelo Hip Hop aos 18 anos mais ou menos de uma forma natural, através do Skate. Em uma tarde, um amigo de apelido “Vela” apresentou a mim o CD “Hello Nasty” dos Beastie boys. Quando a música “Intergaláctic” tocou, alguma coisa mudou em mim, eu já tinha ouvido Funk, menozão ia pra Bailes de corredor, curti Rock durante um tempo mas, especificamente essa tarde na casa desse amigo, o Hip Hop me fez sentir uma sensação inexplicável.
É muito louco porque devido a essa relação com a música “Intergaláctic” o meu estilo de Beat favorito é o que bate 2 vezes seguidas como o dessa música. Eu acho que na mesma semana eu, MC Alfina e DJ Petete, todos ainda em atividade, formamos o grupo Tiro verbal. Fizemos umas músicas, uns shows mas, não continuamos e não lembro porque, fazem mais de 20 anos. Em uma noite de Sábado no ano 2000 fui conhecer com uns amigos uma festa chamada Zoeira na Lapa, lá tinha uma Roda de Freestyle (não existia batalha). Conheci alguns Mcs ao longo dos Sábados, a festa era semanal, e fui entrando pra roda de free e o Marechal me batizou de Old Dirty Bacon por causa do meu estilo, o resto é história, muita história!
Oganpazan – Old, você é uma daquelas figuras que esteve no olho do furacão de um momento histórico que foi o cenário do rap carioca no começo dos anos 2000 e que durou alguns bons anos com diversos marcos fundamentais para a nossa história. Quais os grandes aprendizados ficaram até hoje na sua vida?
Old Dirty Bacon – O fato de ter vivido várias épocas é bem intenso, sentimentalmente é complicado mas, eu aprendi com o tempo que cada época tem seu valor.
O privilégio de estar na cena a tanto tempo é saber que o Rap feito com verdade nunca morre. Passa tudo, menos o de verdade.
Oganpazan – Você fez parte do Cachaça Crew meu mano, e tem faixas lançadas nas duas mixtapes da banca né? Conta um pouco o que era essa Crew, como se formou e pode-se dizer que acabou ou está adormecida?
Old Dirty Bacon – Nós éramos jovens, só queríamos curtir juntos uns Raps, dançar, colocar as mãos pra cima e gritar woow a cada pedrada. Muitos eram já amigos, outros conhecidos uns dos outros. O ano era 2003 e a internet era a internet e o Hip Hop era o Hip Hop, eram coisas diferentes e os encontros nas festas, a divulgação e as músicas dependiam totalmente das pessoas para acontecer. A história oficial é que o Lápide me chamou de cachaceiro no meio de uma Batalha na extinta 73, palco da primeira Batalha do Real e MBlack gritou Cachaça Crew. Em seguida ele teve a ideia de fazer umas camisas com essa logo. Aos poucos a Cachaça Crew virou a Crew de todos, era legal de se falar já que todos nós gostávamos muito de goró, era uma coisa pura, sem pretensões e que nos unia.
Nas batalhas, onde de 16 MCs 10 estavam com a camisa da Cachaça Crew, a Barraca da Cachaça Crew do MBlack e suas batidas Mágicas lotada de amigos… O MBlack e Walli indigesto formavam o Grupo Cachaça Crew e eu fazia várias participações, era solo mas fechava junto. Tem muitos, muitos anos que a Cachaça Crew não lançava nada mas, em 2020 eu, MBlack e Walli fizemos uma Música pra o Disco do Goribeatzz (Algoritmo) como grupo Cachaça Crew chamada “Barrados no baile” disponível no Spotify. A Crew foi um verdadeiro marco no RapRj, já que muito mais que um grupo, foi um sentimento, é difícil explicar mas, acho que a palavra que resume é Patrimônio, a Cachaça Crew é isso. O MBlack vende camisas, só chamar ele no instagram dele ou da Cachaça Crew mesmo.
Oganpazan – Meu mano, em 2016 você lançou seu primeiro EP solo com Goribeatzz nas produções, porque tanto tempo sem gravar um trampo solo? Qual era na época as condições de produção, como você percebeu a recepção das pessoas ao trabalho, você chegou a fazer apresentações com esse trampo?
Old Dirty Bacon – Eu tenho um delay, um certo atraso nas minhas expertises nas redes, em certos processos tecnológicos e isso dificulta algumas coisas, fiquei bem doente justamente no período que essas ferramentas vieram pra ajudar, a cena começou a crescer 2009/10 e retornei só em 2014. Somando essa questão com ter que refazer a vida pois eu a resetei, imagina, eu trabalhava de manhã até a noite, quase de Domingo a Domingo, para fazer música era difícil, sempre esgotado e com dinheiro contado…Porém aí é que vem os verdadeiros, Goribeatzz, Erik Skratch, 2F, Du Brown entre outros me ajudaram. Eu já tinha lançado em 2014 “Selva” em parceria com Goribeatzz e o Erik e foi o início dessa nova caminhada. Lancei mais um single e depois cai pra dentro do EP pois sentia a necessidade de ter um disco. Eu fiz muitos shows com esse disco, sempre nos eventos underground, nas rodas e enfim foi irado, posso dizer que me deu muita energia como artista, foi um reencontro com o Hip Hop e os fãs.
Oganpazan – São 8 anos desde esse último EP até hoje né? O que te inspirou a voltar a lançar trabalho no rap e como lhe ocorreu, como você conseguiu desenvolver esse que é seu primeiro disco solo?
Old Dirty Bacon – O principal fator foi o momento que vivo, mais estabilizado e em paz. Tem também o fato de que fazer Rap me dá vida, não posso ficar sem fazer. Senti um movimento legal dos artistas mais novos fazendo Boom Bap e isso também me inspirou, enfim, nem era uma opção continuar sem lançar, porque se é Boom Bap que os fãs de Rap querem então, eu tenho muito a oferecer.
O Rap não é um como futebol que chegando uma certa idade, terá dificuldades, o fato de ser das antigas, ter vivências mil, alguns flows na manga e etc, me fazem quase um super MC de Boom Bap hehehe.
Sobre como se formou o disco foi assim, o meu grande amigo e ídolo Thiago Ultra me chamou pra gravar um som no estúdio dele, eu já tinha uma letra escrita e um beat alucinante do Goribeatzz, logo depois convoquei o Erik pra fazer uns Scratches e assim nasceu a primeira Música. Em seguida entrou na minha vida o que seria um divisor de águas em toda a minha carreira, a minha amizade com o Júlio Antunes, hoje meu produtor.
A princípio combinamos que ele ia masterizar uma Música, na sequência aumentou pra 12 e logo em seguida, o Júlio pegou para si a responsa de produzir de forma total o Disco. Esse cara é meu super herói.
Uma outra parada mágica que houve no processo, foi o apoio que recebi do selo Issoqueésomderap, eles me ajudaram com toda parte áudio visual dando ao disco uma estética ainda mais foda. Sou muito grato a cada um deles.
Oganpazan – Existe um ponto específico que liga o seu primeiro EP e o disco novo e que é o lance de você se referenciar muito na Batalha do Real e no amor ao Gil Metralha, citado nos dois trabalhos. O que isso representa para você ao ponto de você citar sempre nas suas músicas?
Old Dirty Bacon – Nunca vou conseguir não falar da história, claro que tem que dosar porque essa é a minha história e de mais algumas pessoas então, não é a história universal. A fase da cena em que a Batalha do Real foi criada, é a pedra fundamental das Batalhas do Brasil, é o início de uma sequência de fatos que nos trouxeram até aqui. Lá estava eu, também estava o Gil e juntos nos divertimos muito fazendo Rap genuíno na Rua, então é um sentimento muito especial. Quando falo da Batalha do Real ou do Gil, eu estou querendo me referir a história e dizer que tenho orgulho de ter feito parte e fazer parte até hoje. Além de claro reverenciar o artista Gil Metralha que deixou um legado, mesmo sem muitos citarem isso.
Oganpazan – Você dispôs de um arsenal de beats sensacionais de produtores gigantes e à altura de sua história no rap nacional, como se deu a escrita desse disco? Você adequou as letras aos beats ou escreveu em cima deles?
Old Dirty Bacon – Algumas eu escrevi em cima, outras eu tinha um rascunho já…Alguns Beats foram feitos em cima do que eu escrevi, enfim, não foi uma coisa só.
Oganpazan – Outro ponto que se destaca no disco são os feats. Todas as participações quando chegaram no cenário você já era o Old Dirty Bacon, de todos o mais velho da cena é o Akira que começou a colar com 12 anos quando pixava. Como foi essa troca com “essa nova geração”?
Old Dirty Bacon – Minha intenção foi fazer Rap de qualidade, ser uma inspiração pra os Rappers da minha geração. Não sei se sonhei alto mas, essa é uma das minhas intenções. O outro ponto é que eu a tempos queria fazer música com Sant, Akira, Thiago Ultra de quem eu sou muito fã desde a época do Antiéticos…
Os outros feats foram acontecendo ao longo do processo. O SD9 já conheço a tempos, nos encontramos em um Backstage de um evento que teve Show de nós 2, as ideias fluíram e fizemos um clássico. Através do SD9 conheci o VND e descobrimos uma grande afinidade e logo tramamos um som. O Spike é uma inspiração, um verdadeiro representante do Hip Hop, convidei ele em uma batalha, que ele citou vários nomes da minha geração e fiquei orgulhoso da métrica, da citação e da postura Rua do menor. Eu tinha um verso que falava de gerações e então o convidei pra fazer o outro verso. Acabei fazendo amizade com uma pessoa incrível além de um artista fantástico. O Erik Skratch é meu irmão de longa data, um amigo e ídolo, ele sempre me inspira seja com os Scratchs ou com palavras e ações de apoio, eu amo esse cara!
Sobre os produtores, também é um grande encontro de gerações, a honra de ter Goribeatzz, Papatinho, 2F, Sono TWS, El Lif Beatz, CHF, Terror dos Beats e Barba Negra comigo nessa obra é indescritível, um combustível e intencionalmente uma oportunidade pra que outros Rappers pensem mais em qualidade, em como é importante ser Hip Hop em primeiro lugar.
Oganpazan – O conteúdo político do disco é algo que muito impressiona, tanto pela abordagem direta quanto pela versatilidade e contemporaneidade com que você aborda esses temas. Está mais difícil falar de política no cenário do rap atual, onde vemos MC das antigas e mais novos embarcarem em discursos fascistas, transfóbicos etc…?
Old Dirty Bacon – Sobre o conteúdo político eu sempre fiz questão de fazer Rap de denúncia, o que chamam de Rap de mensagem, apesar de ter músicas com temas variados eu sempre tenho essa veia na minha arte. Acho que com o tempo as formas de falar de certas coisas foram mudando, como você mesmo disse, a minha estética é direta, talvez por eu ter anos de experiência com a caneta…
Acho que muitos artistas de menos estrada fazem bem feito Rap de denúncia e/ou auto afirmação. São pessoas que representam de uma forma original, seguindo os novos tempos. Sobre MCs antigos e novos que aderem o que mais tem de nojento na humanidade, Facismo. preconceito etc etc. Acho que eles sempre existiram, confesso que alguns até me enganaram mas, as máscaras caem e esses vermes estão entre nós. Esse é um fato que me revolta muito.
Toda a história do Hip Hop foi forjada na luta contra o que hoje alguns MCs falam como se fosse normal. Se depender de mim vou sempre denunciar e escrachar qualquer um que esteja usando nossa cultura sagrada em prol de discursos de ódio. E se encontrar com o bonde, estará sujeito a uma atitude ou outra, não sei ao certo..
Oganpazan – O que você almeja com esse trabalho e como ele representa esse momento atual da sua vida, meu mano?
Old Dirty Bacon – Acho muito errado esse distanciamento do atual e antigo Rap, esse vácuo é um erro. Todos temos coisas a acrescentar e deixar cada vez mais rica a cultura Hip Hop. Artistas mais novos e antigos são referências pra mim igualmente. Eu pretendo ser esse elo, quero inspirar todos a entenderem que o momento é esse e o Hip Hop está tomando a forma de excelência que sempre mereceu, com vertentes diferentes tendo espaços, com a nova e velha escola dialogando, enfim, to bem confiante que vamos evoluir juntos. Esse disco é o projeto mais importante da minha vida, ele representa a síntese de tudo que vivi e vivo.
-Old Dirty Bacon e a sinceridade preservada pelo amor às Origens – Entrevista!
Por Danilo Cruz