Ogi fez muitas vezes criarmos imagens diante de suas poesias musicadas, em Virou Canção ele alcançou outro nível ao conjugar música e cinema!
Rodrigo Ogi lançou em 2015 o seu segundo disco de carreira, Rá, que certamente foi um marco fantástico pra música rap no Brasil. O rapper que tem uma correria desde o seu antigo grupo Contrafluxo, é reconhecidamente um dos melhores – senão o melhor – Storyteller do rap nacional. Cá pra nós, eu lembro que ao ouvir Crônicas de Uma Cidade Cinza (2011), pirei demais com essa capacidade de criar – realmente – uma historia apenas com palavras rimadas. Mas veja, não é meramente uma narração daquilo que está acontecendo em algum lugar.
Ogi consegue mesclar características literárias que pareceriam impossíveis a um mero contador de estórias. Produzindo cortes entre cenas e personagens, alternando falas, criando contextos, fazendo-nos rir das situações inusitadas que recortam a narração mais séria. Enfim, aquela capacidade de criar um mundo que poucos literatos tem capacidade de nos fazer emergir com propriedade!
Não que não existam antecedentes na música popular brasileira, de certa forma o rapper é uma especie de duplo do saudoso Adoniran Barbosa, ao ser capaz de nos fazer entrar em suas letras e em seus “causos”. Mas em “Virou Canção” Ogi deu um pulo ao mostrar a incisividade de sua arte através da conjunção com o cinema. Sim, é ao vídeo clipe ao que estamos nos referindo, porém podemos considerar na conjunção entre música, roteiro, imagem, enquadramentos, fotografia, o mesmo como cinema.
E cinema da melhor qualidade, dado o produto final desse agenciamento feito entre Gabi Jacob e o próprio Ogi. Talvez, apenas a audição da música nos despertasse as impressões, memórias e ideias que o clipe nos trás, mas desconfiamos que as imagens muitos bem filmadas elevem essa projeção a enésima potência. E na verdade ganham, pois vivemos num momento esquisito com relação a apreciação musical, a falta de tempo é fator determinante para memoria. E ás vezes deixamos passar – pela pressa – uma elaboração maior das nossas sensações ao ouvirmos música.
Guerras de mamona e jurubeba, baba no campinho, troca de fitinhas cassetes, temos aqui tradições que estão fixadas na mente das velhas gerações. Mas que se reavivam com muita força em quem fez parte desse tipo de infância através das imagens e é essa uma das grandes forças do vídeo clipe. Podemos pensar numa conjunção bonita entre diferentes gerações, nova e velha escola. Pois é comum escutar e notar as mudanças as quais os mais jovens estão sendo vitimados, a perda da rua como espaço lúdico por exemplo. Algumas coisas permanecem, outras vão sumindo, nossas favelas ainda vem o baba na rua, as épocas de pipa e arrairas. Mas guerra de mamona acho que acabou. E entre mudanças e permanências o clipe nos traz elementos de reflexão comparativa entre o que se vive hoje e o que vivíamos antes.
A perda dessas brincadeiras ingenuas perdem espaço para uma ocupação perigosa, onde o lúdico perde espaço pra uma realidade cruel. As proprias ruas de nossos guetos tem se transformado em campos de extermínio de nossa juventude. Para além das bobagens dos mais velhos com relação a perda da infância pelos mais novos hoje, é preciso lembrar que nas nossas favelas ainda rolam pipa, gude, fura pé, o baba com “bola de capotão”, junto com os video games e os acessos intermináveis a internet pelos smartphones.
Vivemos na esperança de que nossas lembranças não virem meras canções, que nossos esforços sejam sementes que deem novos frutos. E que a memoria guarde apenas felicidades que tenhamos vivido com os nossos amigos, com os nossos primeiros amores. Pois é muito triste que nossos amores, amizades e vivências se tornem obras de artes que aludem a uma felicidade perdida e a amigos e amigas que tenham partido. Por escolhas erradas preferimos que quebremos a cara ou sejamos vitimas de sarro pela timidez do primeiro beijo, que tenhamos arrancado os tampões do dedão do pé no asfalto. Não sinto falta do mertiolate que ardia!
Afinal, a luta do rap – hip hop – é pra que um dia possamos contar apenas histórias satíricas, humorísticas, sobre nosso passado. E que na luta do bem contra o mal possamos ao menos estar vivos pra contarmos nós mesmos nossas história. Nessa correria, enquanto essa utopia não se atualiza, Rodrigo Ogi, consegue-nos conduzir por uma triste história com sua poesia, com o auxilio luxuoso da direção de Gabi Jacob por outros caminhos. Um caminho triste, sem dúvida, porém cheio de boas lembranças que nos mostra com certo otimismo, como ainda é possível lutar por melhores memórias, é a nossa vida!