Com o seu hip-hop candomblecista, Xarope Mc e Banda Laroye buscam inovar utilizando outras linguagens musicais para a artesania de seus raps.
Tomei contanto propriamente com o trabalho do Xarope o Mc, com o clipe muito bem produzido da música Minha Dota. Foi aquele impacto, onde você se pergunta: “como não vi isso antes?”. O rapper não era um total desconhecido para mim, pois o conheci em apresentações do F.M.E. e sabia de suas qualidades. No entanto, em um grupo tão numeroso não tinha prestado a atenção necessária às suas singularidades. A sua proposta de hip-hop candomblecista só começou a me aparecer mais nitidamente neste excelente clipe. Por sua mistura com o samba de raiz, mas também por seu apego às mais singulares particularidades da Baixa do Tubo que são cantadas em Minha Dota.
Recentemente Xarope Mc lançou um webvideo de sua versão para Zé do Caroço (clássico de Leci Brandão) e a possibilidade de algo realmente novo apareceu mais ainda. Neste trabalho solo junto à banda Laroye é possível perceber aquilo que já tínhamos presenciado em show. Uma célula rítmica pulsante, dialogando com os mais variados ritmos percussivos da Diáspora. Com uma banda composta por quatro percussionistas, baixo, bateria e guitarra, os ritmos do candomblé servem de base para um arranjo elegante que abre espaço para o canto rimado.
Esse flerte com novas linguagem musicais promete-nos muito neste novo projeto, acenando para um som nunca antes escutado inserindo-se na renovação da música baiana nesta segunda década do séc. XXI. Vale mencionar a excelente voz da cantora e rapper Aurea Maria, que assume o back vocal da banda, mas que nessa música fica responsável por soltar toda sua forte e bonita voz no refrão, fazendo mais do que mero acompanhamento vocal, um bonito diálogo musical com Xarope.
Estivemos na terceira edição do bonito evento Minha Dota, onde batemos um papo com o rapper. Falamos um pouco sobre esse seu novo momento, o trabalho com banda, políticas culturais, novas linguagens em diálogo com o rap.
Acompanhem essas ideias logo abaixo:
Oganpazan – Você está começando uma carreira solo após alguns anos junto com a Fraternidade Maus Elementos, como está sendo esse começo?
Xarope – A Fraternidade pra mim foi um período de muito aprendizado, uma escola, eu trabalhei com os melhores. E a minha saída se deu por não conseguir mais adequar minhas ideias ao que estava sendo proposto pelo coletivo, por desentendimento mesmo das ideias do que eu acreditava e que entravam necessariamente em choque com alguns dos membros. Mas sem briga ou birra, tenho muita amizade com Galf AC, com o Tiago Negão e se há uma distância é por eu estar focando muito no meu trabalho atual. Pois eu já tinha um projeto de fazer minha carreira solo com banda.
Ogpz – E como surgiu o Minha Dota enquanto projeto?
Xarope – Depois da gravação do meu clipe eu comecei a ter a ideia de fazer esse projeto que vai acontecer uma vez por mês. E nele eu convido vários Mc’s, artistas do samba, arrocha, reggae, tudo que é música de periferia, música de quebrada. Pois o rap é tão música de periferia quanto o pagode, o reggae.
Ogpz – Você lançou o Minha Dota como single, quando podemos esperar um disco?
Xarope – Nós estamos planejando entrar em estúdio agora e penso que até dezembro vai sair alguma coisa. O disco vai se chamar Tapete de Oxalá, que é uma planta e que se liga muito a minha linha de hip-hop candomblecista. Mas esse prazo ainda não está certo, pode ser em 2016 ou pode também ser lançado em 2018. Pois a minha ideia é só lançar uma coisa com muita qualidade, ter bastante cuidado na gravação dos instrumentos, porque não quero fazer apenas mais um disco de rap, de hip-hop, é preciso estudar. Eu acredito que a música pede uma transformação, um processo de aprendizado, de evolução. Desde que eu sai do Império Negro e passando pela Fraternidade que eu tenho muito tempo sem gravar nada e estou me cobrando muito pra gravar um disco que toque nacionalmente.
Ogpz – Na música Minha Dota eu senti a mistura muito orgânica de rap com o samba, dando outras possibilidades de direção a essa mistura. Como foi isso?
Xarope – Na verdade eu tive a honra de ter dois mestres trabalhando em cima dessa base, que foram Diego 157 e Dj GUG. Os dois souberam trabalhar com uma qualidade incrível. Pra mim são dois dos maiores produtores do Brasil e eu gosto muito de samba, fez parte da minha formação. A minha mãe me dava muito vinil de samba pra escutar. Gosto muito de Cartola, Adoniran, Elza Soares, Clara Nunes. Então dessa forma foi uma música que chegou mais perto da minha comunidade, talvez o bumbo do rap não chegasse tanto como essa mistura chegou.
Ogpz – E como você vê essa mistura entre as formas percussivas da diáspora e o rap? Quais possibilidades você enxerga dessas misturas?
Xarope – Com a minha banda Laroye há muito dessas possibilidades já sendo colocadas em prática, se tornando uma realidade. Nós estamos misturando e trabalhando as células rítmicas que passam pelo pagode da Bahia, da música percussiva baiana, música caribenha, misturando muito bem essas influências. Se nós formos falar de música, música mesmo, pouca coisa evoluiu tanto quanto o pagode, se você pegar do Gerasamba ao Psirico e o Kannario atual as células rítmicas já são outras. Os caras do pagode da Bahia evoluíram muito, trabalharam muito. Assim como o rap ainda é uma música marginalizada, o pagode nos noventa também era muito marginalizado. E hoje muitos conseguiram transformar o negativo no positivo e estão em todos os lugares.
Ogpz – E inclusive já começa a haver um dialogo entre o rap e o pagode né?
Xarope – Sim, o Daganja já tinha gravado com o Psirico, agora gravou com o Kannario. E isso é um dos meus sonhos, uma das minhas metas, afinal eu amo a música baiana. Tenho muita vontade de gravar com bandas de pagode, por que gosto muito, gosto do ritmo e levar o rap não só com o pagode mais com outros estilos. Pois esse processo eleva a música. A música não tem dono, é algo espiritual. Eu não me prendo a rótulos na música. Eu gosto de rock, morei em Mato Grosso do Sul e era só música brega, fiquei um ano e meio lá só ouvindo esse estilo. Então é isso, eu respeito todos os estilos e quero trabalhar com todas as possibilidades que a música me oferecer.
Ogpz – Mano, conta aí para gente como é esse trampo agora com banda, você na linha de frente. Como é o processo criativo?
Xarope – Eu mais escuto. Nós temos um diretor musical que é o Alex, então ele dirige. Ele é quem diz pra onde vai. Dirige minhas rimas, dirige a forma de rimar, ele aponta os caminhos e eu tenho aprendido muito. E esse processo está enriquecendo muito minha música, pois dialogamos com o Alex que é o diretor musical geral, tem o Ricardinho que é o diretor musical da ala de percussão e todos se cobram muito. Isso acarreta um número maior de ensaios, um cansaço e uma preparação maior. E hoje eu não tenho só uma cobrança da banda, tenho me preparado com minha fonoaudióloga, sou cobrado por minha produtora e nessas relações eu estou reaprendendo muita coisa. Por que a rua te dá muito conhecimento, mas nesse processo eu tenho buscado aprimorar mais a minha condição propriamente musical.
Ogpz – E quais as expectativas para esse show de hoje, como foi a produção, o que você espera?
Xarope – A noite vai ser linda com certeza, mas eu gostaria de deixar bem claro que esse som aqui hoje é um projeto nosso, nós que estamos pagando pra tocar aqui na verdade. Eu tiro do meu bolso a cada edição do Minha Dota R$ 3.500,00 para pagar os músicos, convidados, roadies, porque com uma banda grande fica difícil não ter muitos custos. O estado nos dá o som, o operador, mas o que seria realmente um incentivo à cultura que é o cachê não está rolando.
Eu penso que a Secretaria de Cultura junto ao Faz Cultura, tem que começar a pensar nisso, pois nós estamos aqui levantando a cultura, movimentando o Pelourinho o ano todo – o rap, reggae e outros estilos musicais – e terminamos pagando pra nos divulgar, para mostrar o nosso trabalho. E isso não existe, eu tenho 15 anos de carreira, nós sabemos que sempre foram muito poucas verbas destinadas à cultura, mas agora a coisa chega a ser perversa. Eu tenho dois anos cadastrado no Pelourinho e nunca fui contratado pra tocar aqui ganhando dinheiro. Sei que as pessoas que trabalham lidando com isso, trabalham duro, são profissionais de ponta, mas é preciso liberar cachê pra galera.
Ogpz – E me conte aí, diante de tantas dificuldades porque não estão cobrando entrada hoje?
Xarope – Não estamos cobrando porque eu acredito no processo da música livre e enquanto eu não tiver um empresário que diga alguma coisa, enquanto eu estiver tirando do meu bolso eu vou dar música de graça pro meu povo. Por mais que eu tenha que pagar para outros artistas comparecerem, acredito na música de graça. Ela tem que estar nos bairros. Eu gostaria que essa estrutura que temos aqui no Pelourinho tivesse também nos bairros. Se tivesse em Paripe eu fazia lá! Se tivesse na Baixa do Tubo eu fazia esse projeto lá! Aqui facilita porque temos profissionais e uma estrutura maior e que não é de graça, afinal são frutos dos nossos impostos. Já me falaram várias vezes para fechar a porta, mas talvez eu não tivesse esse público aqui hoje, sabemos como está a situação em nosso país hoje. Além do que aqui em Salvador não se tem essa cultura de pagar para ver o artista local, e é um processo que espero que as pessoas entendam.
Eu penso que em espaços públicos tem que ter música de graça para o povo e o Estado tem que bancar essas manifestações. Pois é também um dever do Estado levar cultura de qualidade para as pessoas, essas portas nunca deveriam ser fechadas. O Pelourinho é do povo, a gente já sofreu demais desde a época das chicotadas até hoje e pagar para transitar no Pelourinho é demais, né?
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Ainda poderá ver diversos outros artistas que se apresentarão, numa seleção de peso de grandes nomes do Rap Baiano.
O Evento contará também com os outros dois elementos do hip hop, com o Grafite e batalhas de Break.
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Veja o webvideo da versão para Zé do Caroço:
https://www.youtube.com/watch?feature=youtu.be&v=JFRs8mzm2BQ&app=desktop