Oganpazan entrevista Pedro Salvador dessa vez a fim de aprender, saber um pouco sobre seu trabalho, sua região e seus projetos e pensamentos
Pedro Salvador, 31, alagoano, multi instrumentista, compositor e cantor vem fazendo um barulho de extrema importância dentro do cenário da música rock brasileira contemporânea, seja em seus projetos solos ou com suas bandas Necro e Messias Elétrico. Lançou no ano passado seu primeiro disco solo, o imperdível Pedro Salvador (2017), esteve muito presente também no lançamento recente da sua companheira de banda Lillian Lessa (Necro e Messias Elétrico), que soltou o delicioso Utopia (2018), onde ele dividiu os instrumentos e aparece com duas composições de sua autoria.
Mas tudo isso é ainda somente a ponta do iceberg, literalmente falando, pois além de já possuir o disco solo acima mencionado, e outros vários discos e EPs gravados com a Necro, e em participações, a exemplo dos discos da trilogia Origens I e II (2016 e 2018), ele tem algumas pequenas perolas gravadas em formato de singles e EPs solos. Nos EPs começando com Psiconauta (2015), passando pelo Guerra (2016) e desembocando no maravilhoso Distopia Brasileira (2017), temos um percurso extremamente instigante para os adoradores de bons sons.
No campo dos singles temos em 2015 os lançamentos de duas pílulas bem interessantes, Fogueiras de São Pedro e a Quetzalcoatl, que serviram de campo experimental para a feitura de músicas na proposta one man band. Ainda em 2016, Pedro lançou um potente single que é também um excelente exemplo de sua veia poético musical, Na Sujeira da Cidade Deixarei o Meu Penar Até Morrer. Além dessa pedrada, participou também no mesmo ano da trilha sonora do curta metragem A Banca (2012) com a canção O Cara da Arma, junto aos parceiros do Necro, Lillian Lessa e Thiago Alef e com o Tiago Paiva no Trompete.
Soltou também a curtinha pero no menos impactante, Pedrada Dub em parceria com Lillian Lessa, caminhando por andamentos jamaicanos. E fechando os trabalhos em termos de singles, um canção toda composta e gravada ainda em 2010 chamada Base III (2016), mas um forte exemplo da variedade estilística e técnica do artista alagoano.
Escutar e se demorar nesse caminho de desenvolvimento técnico e criativo, é fundamental para entendermos a escalada técnica, temática e a gama ampla de influências musicais que disputam a atenção do artista. E que com certeza contribuiriam para chegarmos nesse último lançamento nos fazendo melhor absorver a obra do Pedro Salvador, o que nos levou a necessidade dessa entrevista sobre o seu último trabalho lançado pelo selo Abraxas Records, o EP Objetos no Céu (2018).
Ao longo dos seus mais ou menos 12 anos de música profissional, Pedro Salvador desenvolveu seu talento de multi instrumentista se tornando capaz de ir do cravo a guitarra, dos sintetizadores à bateria, com uma facilidade absurda. Mas sobretudo, além de executar com bastante apuro técnico, ele segue compondo/criando sempre com muita inventividade rítmica, timbristica e temática, numa qualidade que sempre impressionam. Parece não importar muito se o acesso é dado a bons estúdios ou se o processo é bem Lo-fi, a criatividade das produções é o que sempre salta aos ouvidos em seus trabalhos.
É algo a se destacar também o fato de que, apesar de beber na fonte da música de origem nas décadas de 60 e 70, o artista alagoano não se prende a gêneros musicais, transitando com bastante versatilidade pelo samba, forró, baião, funk, jazz, mpb, rock e o que mais pintar na mente desse monstro. Produzindo esta “obra” em progresso, que tende aos cumes da força e da máxima capacidade criativa, algo que pode ser percebido nesse seu último lançamento.
Certamente uma das qualidades que mais se destacam numa primeira audição de Objetos no Céu (2018) é a força da consciência musical que Pedro Salvador conquistou e nos apresenta com bastante desenvoltura. Ainda mais quando nos damos conta que as quatro faixas que compõe o disco foram todas gravadas apenas por ele. Apenas é um erro, Pedro guarda em si um coletivo de referências sonoras e inquietações que nas palavras dele, o levaram a perceber uma jam session consigo mesmo na feitura do disco.
Para sabermos um pouco mais sobre a fortíssima cena de rock alagoana, sobre seus novos projetos e obviamente sobre os caminhos que o levaram a seu último lançamento batemos um papo com o artista. Conversa que o levou a nos contar um pouco sobre suas inquietações artísticas, sobre as referências usadas na confecção de Objetos no Céu e que você confere agora com exclusividade abaixo:
Oganpazan – Pedrinho, vamos começar do começo, a Necro deu uma parada? Se sim, foi para que esses trabalhos solos seus e da Lillan Lessa acontecessem? Há alguma impossibilidade para absorver esses trabalhos de modo a encontrar um denominador comum entre eles ou é simplesmente a necessidade de lançar trabalhos diferentes, divergentes da linha que a banda tem seguido?
Pedro Salvador – A Necro não parou. Estivemos preparando um lançamento em vinil e um ep de inéditas que sairá em breve. Nós sempre gostamos de nos envolver em muitos projetos. Acho que por termos tantos interesses musicais e artísticos diferentes. Ao mesmo tempo, não enxergo projetos como algo divergente da Necro – até porque na banda somos livres para experimentar todo som. Penso que todos os nossos trabalhos se conectam e se complementam.
Oganpazan – Como é fazer o rock que vocês fazem em Alagoas hoje? Há uma cena para absorver o que vocês têm produzido? E como é o trabalho com outros músicos da região, a exemplo da “segunda” banda de vocês, a Messias Elétrico?
Pedro Salvador – Alagoas tem uma cena muito prolífica de rock lisérgico, quiça uma das mais ricas do país. Além da Messias Elétrico, podemos citar também o Projeto Origens ( de Alessandro Aru, baixista da Messias), Mopho, Casa da Mata, Barba de Gato ( do Thiago Alef, da Necro) Jude, Mayash, Casa Flutuante, dentre outras mais novas ou antigas, todas bandas irmãs que compartilham integrantes entre si. No entanto, o público é pequeno e a absorção não vai muito além dos nichos.
Oganpazan – Esse é seu quinto trabalho solo, o que você considera que nesse trabalho tem de diferente do que você apresentou até agora?
Pedro Salvador – Neste novo trabalho, diferentemente dos anteriores, não me preocupei em montar canções, composições fechadinhas. As músicas ficaram mais soltas e relaxadas, talvez pela ausência de vocais e das responsabilidades líricas e harmônicas que eles exigem.
Oganpazan – Porque gravar o disco todo sozinho? Qual o tesão de compor e gravar One Man Band? Isso traz mais liberdade? Qual é a sensação para o criador que domina bem os aspectos técnicos das gravações, e para você que é multi instrumentista?
Pedro Salvador – A principal razão para gravar sozinho é que é muito divertido! Gravar linhas de baixo e bateria é algo que adoro, e agarro toda a chance que tenho para fazer isso. Mas, além da diversão, também tem o aspecto do processo da composição em si: vou gravando um instrumento por vez, na maioria das vezes sem saber como soarão os instrumentos seguintes, o que deixa tudo com uma sensação de fazer uma Jam comigo mesmo.
Oganpazan – Um lance do EP que me pareceu bastante relevante é a variedade de ritmos e timbres presentes em cada uma das 4 faixas. Fale um pouco sobre a concepção, o pensamento estético na confecção das faixas.
Pedro Salvador – Cada faixa foi gravada em sessões e épocas diferentes, inicialmente sem nenhuma intenção de fazerem parte do mesmo disco. À medida em que eram gravadas, senti que foram indo para caminhos parecidos, mesmo tendo propostas rítmicas diferentes. Fico feliz de saber que a variedade de timbres foi notada! Tentei usar timbragens e microfonações não convencionais, e ao mesmo tempo lidei com problemas que acabaram dando uma sonoridade única. Por exemplo: ao longo das gravações de guitarras as válvulas do amplificador foram morrendo e distorcendo o som de uma maneira progressivamente estranha, que jamais vou conseguir algo igual.
Oganpazan – Quais foram suas maiores influências para compor e gravar Objetos No Céu (2018)? Parece-me que pessoas como eu que são fissuradas em rock 60 e 70 tem uma manga cheia de quais as referências foram utilizadas para alcançar determinados efeitos, nos fale um pouco da concepção do EP em termos de referências, por favor.
Pedro Salvador – As referências passam pelo jazz rock inglês e algo de afrobeat, a menos conceitualmente. Coisas como Soft Machine, Egg, Steve Hillade, Henry Cow, Ofege e Fela Kuti. Acho que o disco é uma tentativa de fazer um “Canterbury Sound Funkeado”.
Oganpazan – O título Objetos no Céu (2018) é um título muito bonito e que nos leva a pensar enquanto ouvimos o disco. Esses quatro objetos, essas quatro formas musicais, você as atualizou de que espécie de horizonte, ou de que tipo de teto celeste você os recolheu, quais as inquietações que te movem durante a criação?
Pedro Salvador – A fonte de tudo é o Sonho, aquele estado da consciência em que as coisas estão um pouco irreais e incertas, perigosas e aconchegantes. Aquele momento entre o Fato e a Incerteza. Aquela luz no céu que se moveu de modo impossível e jamais foi vista de novo.
Oganpazan – Quais são os próximos planos? Seus e dos seus colegas de trabalho? Quando a Necro volta aos palcos ou ao estúdio? Vocês pretendem cada qual trabalhar os trabalhos próprios e ou em paralelo?
Pedro Salvador – Está saindo a versão em vinil do “Adiante (2016)”, da Necro numa prensagem brasileira feita na Polysom que conta com o apoio da Abraxas e da Baratos Afins e numa prensagem alemã pelo selo Electric Magic. Também lançaremos em breve um EP com dois sons inéditos. Paralelamente, estou preparando já um novo disco acompanhado por uma banda de luxo: Rodrigo Toscano (Psilocibina), Paulo Emmery (Auramental, Lunares, Balbela e Beach Combers) e Vicente Barroso ( Auramental e Balbela)
Oganpazan – Quando você vem pela Bahia para trazer essa pedrada sonora para o público daqui? Temos alguma possibilidade de ver você, a Lillian Lessa ou o Necro por aqui esse ano?
Pedro Salvador – Adoraria tocar na Bahia! Até então não surgiu nenhuma oportunidade, mas de repente 2018 nos leva prai!
Se deliciem viajando ao reino da música do grande Pedro Salvador com o excelente Objetos no Céu(2018):