Durante a passagem d`OQuadro (Ilhéus) por Salvador, fomos trocar uma ideia com eles. Conversamos com Jef Rodrigues, um dos mc`s, deste que é hoje um dos melhores grupos do rap nacional, e que aos poucos vem projetando sua música e originalidade no exterior.
Na conversa abordamos um pouco da história do grupo, suas conexões aqui em Salvador e pelo interior do estado. Falamos também sobre a expectativa para mais uma turnê internacional, o que eles vem aprontando como sucessor do seu disco de estreia e outros papos.
Saca aí a nossa entrevista:
Oganpazan: É um prazer Jef e obrigado por aceitar falar com a gente. Pra começar, vocês vão participar do Roskilde em julho certo? Quais são as expectativas de tocar num festival importante como esse?
Jef: Vai ser um lugar novo, a gente não conhece o país, mas é um grande festival com grandes atrações. Não é todo dia que você tem a oportunidade de tocar num festival que tem Kendric Lamar e Paul McCartney, certo?Mas vamos fazer o mesmo show que faríamos aqui. A gente toca com a mesma intensidade. Subir no palco é um grande ritual e não importa se o palco é em Itacaré ou se é na Dinamarca. O respeito pelo palco é algo que é espiritual, independe do cachê ou da estrutura, faz parte da vocação, viemos pra isso.
Ogpz: No documentário do Versu2 que estreou ontem, eu vi o Freeza muito próximo ao Rangel. Conta um pouco de como é esse intercâmbio do Quadro lá de Ilhéus com a galera aqui de Salvador.
Jef: O primeiro contato foi através do através do Dimak. Eu lembro que eu juntei uma grana e vim comprar dois toca-discos aqui em Salvador e fui na casa de um amigo chamado João Paulo que me apresentou o Dimak, que era membro de uma banda de rap (Testemunhaz) com uma proposta parecida com a nossa. Em outro momento ele foi morar em Itabuna, e colou um tempo com a gente.
O Dimak chegou a fazer parte d’OQuadro. A participação que ele faz em Tá Amarrado é um registro desse momento. Através dele, surgiu a oportunidade de vir tocar aqui no Quilombo Cecília, Pelourinho, espaço que tinha um espírito coletivo com um pensamento bem pra frente sobre questões que de alguma forma a gente sempre se identificou. O Rangel era meio que o líder do Testemunhaz (nesse tempo Fall e Da Ganja também faziam parte da banda) na época, a gente se falava toda semana por telefone e de lá pra cá muita coisa aconteceu, muito tempo se passou.
Ogpz: Isso foi em que ano mais ou menos?
Jef: Eu não tenho uma data exata, mas foi no começo dos anos 2000. Viemos tocar aqui num evento chamado Domingueira Hip-Hop. A gente pagou passagem, veio de ônibus ali via ferry que era mais barato, sabe? Se não fosse esse momento de vir naquela época, talvez a gente não estivesse indo tocar na Dinamarca em julho. “Caminhos do destino, caminhos do divino” como diria o poeta.
Ogpz: É bom lembrar que o Quilombo Cecília tinha uma coisa muito forte com o hardcore e com o punk. Ou seja, não havia discriminação entre rap, punk e tal…
Jef: Sim, todos esses elementos sempre estiveram presentes em nossa música. Uma passagem interessante é que na noite anterior a nossa apresentação aconteceu um show de hardcore e punk, enquanto dormíamos no porão, ou seja, no andar em baixo do palco. Então ficava: tum, tum, tum, tum, tum, lá em cima com a galera batendo cabeça, e essa foi a trilha sonora do nosso sono. Estórias pra contar pros netos.
Ogpz: E como é a sensação de ter tocado hoje com o Bixiga 70, um grande nome da música instrumental brasileira, um som relativamente diferente do de vocês, mas que também tem algumas afinidades com o som que vocês fazem?
Jef: O Bixiga 70 é uma grande banda, são excelentes músicos. Se aproximar de pessoas com talento é sempre uma grande oportunidade. E isso vem acontecendo gradativamente em nossa vida. Quando fomos gravar o primeiro disco no estúdio de Guilherme Arantes, no momento que a gente trocou uma ideia percebemos que tínhamos muito em comum. A gente acabou fazendo um som juntos, coisa que eu nunca imaginava. Outro grande momento foi fazer um som com o saudoso Marku Ribas em Ilhéus, aquele momento merecia um registro. Recentemente gravamos com o nigeriano Afrikan Boy, enfim, encontros que favorecem o crescimento.
Ogpz: Confesso que quando escutei vocês pela primeira vez em 2012 me surpreendi com o fato da banda ser de Ilhéus, porque eu sentia como algo muito próximo.
Jef: A Bahia tem uma extensão territorial maior do que muitos países europeus e entender essa diversidade talvez ajude a quebrar alguns estereótipos. OQuadro teve essa iniciativa de sair desbravando lugares, e isso faz com que, hoje, pessoas do interior e da capital se reconheçam em nossa música. Nos foi dada a oportunidade de circular pelo estado e de tocar em lugares distintos como Xique-Xique, Porto Seguro, Vitória da Conquista, etc., isso nos fez perceber o quanto esse estado é rico e diverso.
Em Itapetinga tem o Ivan Black que é um nome importante na história da cultura hip-hop na Bahia. Em Paulo Afonso tem Os Nelsons que dispensam apresentações. No sul do estado temos várias manifestações artísticas de diversos segmentos que surpreende qualquer um que se dê a oportunidade. Mas a Bahia, que está vivendo uma excelente fase produtiva, ainda é muito vista por uma perspectiva da capital e talvez essas manifestações não tenham o reconhecimento devido justamente por ser do interior. Mas tenho fé na mudança.
Ogpz: Fala um pouco sobre o próximo lançamento do Quadro, está previsto para o próximo semestre não é?
Jef: Estamos com esse plano, mas é uma idéia, não sabemos o que vai acontecer. Gravamos três músicas agora, lançamos uma e temos mais duas pra serem lançadas. Estamos compondo e ao mesmo tempo viajando. Eu tô morando no Rio de Janeiro, Ricô também. Todos estão se envolvendo em outros processos, bebendo de outras fontes, trazendo combustível novo pra depois poder converter isso em uma obra.
Ogpz: Ontem no lançamento do filme do Versu2 o Rangel falou uma coisa que me deixou intrigado, ele disse que é mais vantajoso para eles fazer um clipe do que fazer um disco, e que por isso eles não estão pretendendo lançar um disco novo tão cedo. Qual é a sua opinião sobre isso? Quer dizer, com essa facilidade toda que se tem atualmente de gravar um disco qual a importância de se lançar um disco hoje?
Jef: Se é um single/vídeo clipe, se é um EP, disco duplo, documentário, filme ou pintura, o importante é a força da obra. Eu quero ver a obra e entender o artista, a ideia, o contexto, o que ele está propondo e os elementos envolvidos. Quanto ao formato, vai da preferência de cada um. Eu particularmente gosto de ver a ordem e os detalhes das músicas, pensar numa capa que represente, que a pessoa possa ler a ficha técnica e ver quem participou do processo. Gosto dos EPs e dos singles também. Não acredito em determinismos. As coisas mudam, né? Eu respeito as escolhas. O lance é fazer.