Oganpazan
Entrevistas

Oganpazan entrevista Edbrass Brasil

edbrassOganpazan – Como foi que você começou a produzir música? Nos conte um pouco da sua história, suas inspirações e anseios.
 
Edbrass B. – Desde guri curtia produzir minhas fitas cassetes para uso próprio. Com o passar do tempo, comecei a produzir para os amigos, em troca de outras gravações. Acho que vem daí o gosto por trabalhar com áudio. Me fascina mais do que a técnica, o processo de pesquisa e a possibilidade de construir um discurso através dos sons. Aos 13, 14 anos estudei um pouco de contrabaixo na AMA (Escola dos maestros Sérgio Souto e Edu Fagundes), mas só queria saber de tocar rock, a música comercial dos 80 no Brasil.
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Participei de alguns ensaios com bandas de garagem, me tornei roadie da Utopia, Ramal 12, bandas baianas que tocavam no rádio, logo antes da “explosão” da axé music. Costumava frequentar os shows da Dever de Classe, Ovelhas Pardas, 14 Andar, Elite Marginal, Via Sacra, 04 Elementos, dentre muitas outras. As principais lojas eram a Not Dead (na Rua Chile), Coringa (Av. Carlos gomes) e a Bazar musical, no shopping Orixás Center. Corta.
 
Com 21 anos entrei para a banda Crac!, escalado para montar uma percuteria com objetos sonoros diversos. Considero essa minha grande escola de música. Éramos mais do que uma banda, parecíamos mais um grupo de estudos aplicados ao ideal do faça-você-mesmo. Eramos assíduos frequentadores das sessões de cinema do ICBA e da Sala Walter da Silveira. Com eles, conheci sobre performance, happening, intervenção urbana, arte conceitual, cinema e música de vanguarda. Em 1991 entramos em contato com os instrumentos de Walter Smetak e aquilo mudou minha vida para sempre.
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Daí para frente mergulhamos no universo dos microtons smetakianos, produzimos um disco com o Paulo Barnabé da Patife Band (ainda inédito) e fundamos várias formações microtonais, participando de diversos concertos em homenagem ao luthier suíço-baiano. Foram tempos também das primeiras experiências com música para dança e circo… Fiquei com eles até 1993, vazei, fui estudar letras na UFBA e só consegui montar uma outra banda em 1998, a Zambotronic.
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Ogpz – Já era uma cena bem diferente na cidade, não é?
 
Edbrass B. – Era o comecinho dos 00, a cena continuava forte agora com Dead Billies, Lisergia, Uteros em Fúria, Dois Sapos e Meio e dezenas de outras bem legais. A gente chegou meio deslocado, mas fomos ganhando espaço com nosso som mais livre, inspirado do Parliament/Funkadelic e assumindo afirmativamente as referências das ruas de SSA. Fizemos uma história bacana por seis anos, aproximando o funk, soul do rock e fazendo uma articulação com a incipiente cena do rap na Bahia. Produzimos três edições do Festival Blacknoise, com a participação d’OQuadro, Testemunhaz (de onde sairam Dimak, DaGanja, Blackmobil, Fall), era uma época muito produtiva e instigante, lembro do Afrogueto, Quilombo Vivo…
 
Mas era uma dureza danada, aquela música por mais que mobilizasse os jovens, sempre foi produzida com poucos recursos, na raça mesmo, sem nenhum incentivo por parte do Estado. E daí vinha a necessidade de trabalhar com outra coisa. A banda acabou e restou um CD lançado pela Bigbross Recs. Neste mesmo período, formei com Tiago Aziz e Caveira (ambos da Lisergia) o projeto Experimental Tritor, produzido por André T. O disco era muito doido e avançado para a época. Mais uma vez se repetia a história, muito sucesso de público e crítica, mas nenhuma perspectiva de viver daquilo.
 
Em 2003 comecei a discotecar com mais frequência e formei, junto com Oz (Afrogueto) e Dudoo Caribe o Sound System Ministereo Público. Depois juntaram-se a nós Regivan, Dj Raiz e Pureza, Russo Passapusso e Papão. Agora a vibe era intervenção urbana e a cultura do sistema de som, recheados de vinis jamaicanos de dub e roots reggae. Fiquei nessa até mudar para São Paulo em 2006. Por lá estudei áudio e acústica, discotequei em algumas edições da Festa BPM produzida por Daniel Ganjaman, fui residente do Tapas Club e tive a oportunidade de dividir o mixer com grandes DJ’s como Ricardo Magrão e Keffing. Nesse período trabalhei com diversos coreógrafos e coletivos de dança contemporânea (Funarte, Sesc, FIAC), culminando com a residência artística de Ivani Santana na França. Aproveitei para discotecar em Portugal e Madrid e voltar com a caixa de vinis do Fella Kuti.
 
Em 2011 retornei para Salvador discotecando em algumas festas, mas já desanimado das noites mal dormidas e mal pagas. Tive as primeiras experiências com produção de trilhas para o cinema. Nesses últimos dois anos atuei com o Grupo Escape na área de Live Cinema, compus algumas peças eletro-acústicas para as edições do Cinema Expandido da Dimas, fiz pesquisa de conteúdo para outros eventos, e de lá para cá, tenho me dividido entre as consultorias como educador musical, integro a equipe do grande Tuzé de Abreu e  componho trilhas para cinema, além da produção e curadoria do Projeto Low Fi – Processos Criativos.
 
Ogpz – Como você enxerga o impacto da internet e das novas tecnologias de produção e difusão musical nesse contexto? O que mudou de lá para cá, pra melhor ou pra pior? E como isso influenciou o seu trabalho?    
 
Edbrass B. – Como escreveu F. Scott Fitzgerald: “A vitalidade não se revela apenas na capacidade de persistir, mas também na de começar tudo de novo”. Essa seria uma boa senha para tentar responder a sua pergunta. O fato é que os modos de produção, distribuição e escuta da música mudaram radicalmente nos últimos 30 anos. O primeiro disco da Crac! foi gravado na WR em sistema analógico, fita rolo e tal. Na primeira demo da Zambo também buscamos esse registro, no estúdio do saudoso Stevie, na Boca do Rio. O disco da Tritor já foi totalmente híbrido, utilizamos samplers, sequenciadores, mas também rolavam uns moogs, osciladores e outras traquitanas do produtor André T. Daí que vivo nesse dois mundos, sou aficcionado por vinil, mas uso o Live Ableton para as performances ao vivo, já experimentei o software livre Pure Data para alguns trabalhos, enfim, não sou nem apocalíptico, nem integrado. [Risos]
 
Meu novo trampo E:dB é totalmente digital e ao vivo terá instrumentos tocados também. Acabei de lançar um single virtual, videoclipe e o universo ao qual esse trabalho pertence é a dos grupos específicos de música experimental existentes na rede, no soundcloud etc. Não tem que ter medo da coisa, mas uma atitude crítica de filtragem das informações para não virar um bobo digital, sem capacidade de refletir sobre um texto, um filme, uma obra de arte ou uma pixação na rua. O aspecto negativo diz respeito a uma tendência de que todos devem ter uma opinião sobre tudo, mesmo sendo ela baseada numa olhadela rápida no Google, existe essa cobrança de que você deve se posicionar frente a todos os assuntos nacionais e isso é um saco, pois gera muita informação inútil na rede.
 
Do ponto de vista do cenário musical é inegável que mudou para melhor, no sentido de que você pode produzir com poucos recursos, divulgar e distribuir seu trabalho, sem atravessadores e com o apoio dos parceiros que vão sendo encontrados na caminhada. Por outro lado, a galera ocupava mais as ruas, as lojas de discos e sebos serviam como ponto de encontro e rolava muita troca de informações ali. Hoje tem a cultura do link, né?
 
Me interesso pelo lado punk do cyber-ativismo, o midiativismo, iniciativas de compartilhamento de informações, saberes, idéias, que nos deem alguma esperança de uma vida mais digna. No Low Fi – Processos Criativos, inauguramos a dois meses a “biblioteca aberta lo-fi”, uma página no Issu que disponibiliza PDF’s de textos de autores que fazem a nossa cabeça. O resultado tem sido muito positivo… Pô, o site de vocês é um exemplo disso…
 
Ogpz – Sim, com certeza! Então, fala mais um pouco desses projetos que você está envolvido hoje. Qual o conceito por trás do E:db, como surgiu o nome e o que você acha que ele representa dentro da sua história?
 
Edbrass B. – Desde 2014 produzo o Low Fi – Processos Criativos que são encontros envolvendo pesquisa e mostras de processos em cinema, música e literatura. Em pouco tempo conseguimos reunir um panorama expressivo de artistas que estão envolvidos numa busca de radicalização das linguagens citadas. Outro projeto muito prazeroso é o Zona, mix de bazar, radio-show, exposições e pocket-shows, com este já estamos caminhando para a terceira edição! Quanto ao E:dB, pode ser definido como uma espécie de alter-ego meu. Com uma proposta mais radical, que privilegia a estrutura sonora, no lugar da estrutura musical. A motivação para esse trampo solo, surgiu de forma espontânea, revisando meus arquivos de áudio, trilhas recusadas, gravações antigas etc. O EP “a cidade que não dorme” sairá agora em agosto pelo selo Gaúcho Plataforma Records, especializado em música experimental.
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O trabalho tem uma característica muito forte de arte sonora, abusando das colagens e criando um mosaico de referências literárias e cinematográficas que fazem a minha cabeça. Acho que esse trabalho demonstra uma certa maturidade no sentido de mostrar o que não quero mais fazer: disputar um espaço num meio altamente conservador e esteticamente defasado, como é o mercado local. Toda a promoção do EP está mais voltada para os festivais de música experimental, arte sonora e suas interfaces com o cinema, que rolam Brasil afora.
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No disquinho, temos a participação do Artaud, Fernando Pessoa, Wally Salomão, Edgard Navarro e do cineasta Fabio Rocha. Tem uma faixa que foi produzida pelo Formiga Dub (RJ) e uma outra reinventada da Tritor. Tudo isto mixado como uma radionovela punk, em 15 minutos. Tem muito dos meus estudos de filosofia, especialmente da obra do Espinoza, no sentido de propor uma espécie de guia de sobrevivência ética/prática para a juventude das grandes cidades, sufocadas por esse mar de informações rasas. Gostaria que o disco fosse ouvido sem interrupções, guardando alguma semelhança com o ato da leitura…entende? Pode parecer intelectualizado, mas tem a mesma urgência de uma banda de hardcore… [Risos]
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Ogpz – Você acredita que a arte possui um papel importante no mundo de hoje? Se sim, qual seria esse papel? Nesse sentido nos diga também quais são os artistas que fazem sua cabeça, pode ser em qualquer tipo de arte: cinema, literatura música etc…
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Edbrass B. – Acho que os únicos processos artísticos que fazem a diferença nos dias de hoje, são aqueles que investem nas singularidades, numa ruptura com os modos de fazer vigentes, atrelados ao lucro e a hierarquia dos saberes. A fronteira é bem tênue. O que está em pauta é uma questão ética, no sentido espinozista. Vejo muita potência em muita coisa que vem sendo produzida nos pequenos festivais de música experimental, nas manifestações de arte urbana, incluídas aí a pixação. Por outro lado, o “sistema” (produtores, gestores, curadores de um modo geral)  está sempre muito ligado nessas fissuras, nesses espaços oxigenados da criação e logo espalha seus tentáculos nesta direção. 
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É uma tentativa, muitas vezes bem sucedida, de esvaziar as singularidades, presentes nas ações desses agentes culturais, que com suas práticas colaborativas, inventivas, modificam os modos de produção e acesso à arte. Nesse momento, as estratégias de cooptação entram em jogo. E como estamos sempre na berlinda, sem grana, sem muita estrutura ou acesso a espaços mais arejados, acabamos nos envolvendo nestas iniciativas. Eu estou cansado desse esquema de casas noturnas, nas quais os caras não pensam, não criam nada e estão pouco se lixando pros artistas. Existe uma política do elogio fácil aqui na Bahia, uma política de negociação de balcão na área da cultura e se você tenta escapar disso, problematizar a questão, se recusar a entrar no esquema, daí é um passo para a política de invisibilização. Passa a ser tachado de “difícil”, problemático, etc.  É uma pena. Porra, depois desta entrevista, vão querer me enquadrar também… [Risos]
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Mas sigamos sem medo! Não tenho nenhuma expectativa de entrar nesse esquema de massa, de entretenimento. Estou muito mais ligado, em termos de formação política/estética, aos rebeldes, aos criadores que em vida foram detonados, mas deixaram um legado para a história. Alguns deles: Hélio Oiticica, Glauber Rocha, Rogério Sganzerla, José Agripino de Paula, Torquato Neto, Tom Zé, Fela Kuti, Espinoza, Nietzsche, John Cage, Adão Ventura, Pedro Kilkerry, Milton Santos, Josué de Castro, Paulo Freire, Lima Barreto, Oswald de Andrade, Sun Ra, Ornete Coleman…
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Esse é o momento de batermos de frente, de nos unirmos por um objetivo comum: descentralizar essa bagaça! Axé!
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