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Oganpazan Entrevista Dark – Contenção 33

Oganpazan Entrevista Dark – Contenção 33Um verdadeiro poeta do gueto, Dark é um homem que carrega em si mesmo as marcas de um passado conturbado e que transubstancia suas vivências em flow. Linhas de escrita de uma poesia forte, carregada de verdades que a sociedade pretende calar, mas que se depender de Dark (Clóvis Santos) não vai cessar enquanto seu corpo carregar vida.

Poucas vezes encontramos pessoas tão novas (22 anos) que já possuam tanta história de vida e mais, que conseguem fazer de sua história um elemento de pensamento para conseguir alertar outros a não cometer os mesmos erros. Uma visão política engajada que compreende o elemento subversivo que o crime exerce, mas que ao mesmo tempo percebeu que essa vida não encontra um futuro.

Em bem pouco tempo, Dark vem conquistado um público que tem reconhecido a sua verdade, que encontra em seus raps o peso, a dor e a sagacidade que formam muitos jovens em nossas periferias. Numa tarde ensolarada entre algumas cervas e muito rap nos alto falantes, conversamos sobre a vida pregressa e a atual, sobre seus sonhos de futuro e suas inspirações. A força da amizade e a vida de trabalhador que Clóvis leva anônimo, sobre preconceito e a sua formação no rap.

Acompanhem porque esse rapper tem muito o que contar e muito o que falar.

Oganpazan – Vamos começar do começo mano, como foi o seu primeiro contato com o rap?

Dark – Porra, desde pivete que eu escuto rap, foi o meu tio Dede que ouvia muito Planet Hemp, Sabotage, e desde que me entendo por gente que escuto por conta dele. E depois pela necessidade de escutar uma música que passasse a realidade do que eu vivia e um tempo depois eu comecei a fazer freestyle com uns 16 anos e aí tô aqui até hoje.

Ogpz – E qual foi o grupo que você escutou e falou: “porra isso aqui é muito foda!”

Dark – Ah mano, Racionais mc’s né, porque aquilo passava nossa realidade com as nossas gírias, com muita naturalidade, com a nossa visão. Era também um sucesso imenso nas favelas, você passava na esquina e ouvia, os boys ouviam. Nessa época eu morava no Rio Sena, tinha uns 13 anos e castelava mermo o som dos caras.

Ogpz – E me conta aí, como você esta hoje, onde você mora, tá trabalhando?

Dark – Hoje eu moro no IAPI, quase em frente a Favela do Milho. Trabalho como zelador num edifício na Ondina, com os boys. Às vezes sendo vítima de preconceitos, semana passada mesmo, uma tiazinha me olhou torto enquanto eu limpava o elevador. Eu tive aquele impulso de dar umas ideias nela, mas é aquela coisa né, eu preciso do trampo e assim como vários outros trabalhadores, precisei engolir a seco.

Ogpz Então mano, eu escrevi lá na resenha de Madrugada Fria que essa é uma obra de quem viveu o crime, de quem detém uma gramática do crime porque viveu aquilo. Gostaria que você contasse um pouco como foi essa fase da sua vida, porque você entrou nessa e como foi sua vivência durante essa época.

Dark – Realmente essa ideia que você deu mano é real mesmo, mas independente de termos vivenciarmos o crime, essa realidade é o que nos rodeia. Não tem como eu pregar flores, seria até uma hipocrisia de minha parte, porque eu olho pro lado eu vejo armas, eu olho pro outro vejo o consumo de drogas. Independente de envolvimento o favelado convive o tempo todo com isso e quem convive conhece bem da colé.

Ogpz – Mas eu acho difícil alguém que é de fora do crime, mesmo sendo favelado, conseguir traduzir da mesma forma, com a mesma potência linguística. Para além do rap, eu penso que você conseguiu dar o tom de quem está na biqueira trampando e narrando como funcionam as madrugadas nessa sequência.

Dark – É a forma do meu trabalho parceiro, porque eu almejo em passar as ideias do crime como se fosse alguém que estivesse dentro. Porque muita gente quer narrar a vida do crime simplesmente como se quem está nessa fosse o vilão ou como se fosse o coitado. E eu tento trazer o equilíbrio entre essas duas visões porque muitas vezes somos os culpados dos nossos atos ruins, mas também somos levados por uma série de fatores a cometer esses mesmos atos.

E sim, eu tive uma passagem no crime, mas graças a Deus foi curta e eu resolvi parar para escrever para que outras pessoas não passassem pelas mesmas coisas.

Ogpz E como foi essa curta passagem mano?

Dark – Foi uma passagem rápida, eu morava no bairro do Uruguai e comecei a me envolver com assaltos para usar roupas de marca, andar bonito, cê sabe que nós gosta né? E infelizmente não tive discernimento para trabalhar e conseguir isso e ao mesmo tempo eu via as necessidades batendo na porta, me sentia reprimido por essas necessidades. E aí né vei, queria andar como todo mundo anda, queria ter o que os boys tem, queria ter um carro bacana, queria ter um cordão de ouro no pescoço, também queria ter uma roupa boa. E eu achei esse caminho mais fácil, que era o que estava mais propício a mim, era a forma de fazer um dinheiro mais rápido e aí comecei a me envolver nesses assaltos.

E sai com envolvimento com o tráfico de drogas porque eu pensava que os assaltos não davam mais por conta da repressão policial, que visa apenas proteger o patrimônio dos boys. Então era muita repressão nas ruas e eu caminhei pro tráfico de drogas e minha vida foi cada vez mais declinando. Eu pensava que minha vida estava melhorando na medida em que subia de patamar, mas automaticamente meu ser estava cada vez mais regredindo mano.

Ogpz – Oh mano, queria insistir um pouco mais sobre esse período de sua vida, nós conversávamos antes sobre como era a sensação de estar envolvido. De como muitas vezes não podia sair da favela pra tirar um lazer, pra dar um rolê. Gostaria que você falasse um pouco mais sobre isso.

Dark – Quem se envolve no crime está muitas vezes aprisionado no seu próprio pensamento, no seu próprio eu, nos seus sentimentos. E meu sentimento naquela época era de revolta, era de buscar o poder e quanto mais você tem poder mas você quer. Ilusão mesmo! E chega um estado na vida do cara, porque ele entra ali querendo poder, querendo fama que é o que todo mundo quer, mas chega um estagio que o cara até almeja sair daquilo, mas seus próprios sentimentos o aprisionam.

Como o medo por exemplo, eu tinha medo de sair. Eu pensava, porra se eu parar de me envolver e um rival se trombar comigo ele vai me matar, porque eu não vou ter nada na cintura pra me defender. Se eu parar de me envolver a policia que me perseguia no meu bairro vai me matar, porque eu não vou ter como me defender. Se eu parar de me envolver como é que eu vou me sustentar? Como é que eu vou sair da minha favela e alugar uma casa em outro lugar? Os meus pensamentos eram esses, era o medo de sair do crime, porque a princípio você entra no crime sem medo, mas o medo obriga você a continuar nele, tá ligado?

Ogpz – E como foi que você teve a inspiração pra escrever Madrugada Fria?

Dark – Quando eu tive a ideia de escrever Madrugada Fria eu ainda era envolvido. Eu colava na Mata Escura com os caras: Taz, Cris, Cura, André, para fazer freestyle com esses caras e pá, só que eu me envolvia no bairro em que eu morava. Eu saia do meu bairro pra fazer freestyle com os caras, porque lá não dava pra fazer essas coisas. Essa música atravessou diversas fases da minha vida, por que não foi escrita numa sentada só

Aí uma certa feita falei com minha mulher: “grava aí”! Botei o beat no celular e gravei aquele vídeo que fez a música ser mais conhecida. E a ideia da música era contar o que eu passava nas madrugadas, porque meu turno era de noite.

Ogpz – E quem foi que viu o vídeo, ouviu a música e lhe deu uma força pra você gravar?

Dark – Nesse meio tempo aí, que eu gravei esse vídeo, logo depois que eu saí da cadeia. Com pouco mais de um mês na rua eu conheci os caras do Contenção 33 numa roda de freestyle. Aí eu mostrei o vídeo pros caras e eles começaram a me impulsionar pra gravar logo, aí nós gravamos. E nessa os caras começaram também a me abraçar e me dar ideia pra que eu focasse no rap, aí eu me mudei e vim morar perto dos caras.

E foi aí que as coisas começaram a deslanchar pra mim, e eu resolvi tirar mesmo a camisa do crime e estar à parte dele.

Ogpz – E como foi essa onda de você conhecer os caras do Contenção 33 e logo depois se mudar pra mesma área deles, foi apenas pra ficar mais próximo deles?

Dark – Não, eu me mudei pelo fato de meus erros do passado começarem a influenciar meu presente. Muitas coisas por conta do passado e tudo mais. Eu estava morando em outro bairro quando sai da cadeia, na casa da minha mãe e nessa os caras ficavam naquela comigo, me escamando e meio que procurando um pretexto pra tirar minha vida. E eu senti necessidade de sair daquele lugar. Aí eu saí e pedi um apoio pros caras do Contenção e eles me ajudaram. Fiquei na casa de Torre, depois aluguei minha casa, arrumei um trabalho.

https://www.youtube.com/watch?v=J4jhAWTnvuw

Ogpz – E o novo single, o Lemos de Brito, conta um pouco sobre essa nova música? Nós já vimos que você escreve muito baseado em sua realidade, você já tirou cadeia lá, fala um pouco como era o convívio lá também.

Dark – Essa música eu escrevi logo depois de Madrugada Fria, na intenção de largar outra pedrada. E essa música aí é baseada na realidade de lá de dentro. Todo mundo que já passou por lá tá ligado, quem tiver preso vai ouvir e vai ver que é real. Quem viveu ou ouviu falar sabe o sofrimento que é aquilo ali, repressão do princípio ao fim, seja dos policia, seja dos parceiros, dos próprios irmãos que tão ali convivendo com você. Porque você sabe que convivência entre seres humanos é difícil, na cadeia então…

Transtornos mentais de todo tipo, cada um ali tem um mundo em conflito em sua mente, cada um ali está passando por um problema. O cara tá ali dentro às vezes perdeu um parceiro na rua, o cara foi preso, mas morreu a mulher dele porque a polícia invadiu o barraco dele matou a mulher dele e levou ele preso como eu já vi um mano de Vila Verde. Quantos caras já foram presos por roubar pra sustentar o tratamento da mãe dele que tinha uma doença rara? E o cara tá lá dentro sem poder mandar um remédio pra mãe, ou mesmo transtornado pela mãe ter falecido. Outros que lá dentro são abandonados pelas suas mulheres. Quantos não podem ver seu filho, porque não quer ver seu filho ali dentro. O sofrimento pior da visita não é ver a mãe indo embora é ver a mãe entrando na visita com as sacolas pesadas, com o rosto abatido de não ter dormido por ter passado a madrugada inteira na frente do presídio. Arriscado a facção rival passar e dar tiro por saber que é o dia da visita da outra facção.

São várias frustrações que rolam na mente do cara ali dentro, porque ali é máquina de criar fera. Cadeia não regenera ninguém, o que regenera as pessoas é Deus, porque independente das crenças, tem uma força maior que rege esse mundo parceiro. Porque não é possível esse céu tão grande aí e não ter nenhum pilar de sustentação, tem uma força maior que rege esse mundo. Se você não pôr na sua mente, poxa eu quero uma mudança, eu não quero mais viver essa vida, se você ali dentro não aprender, não aprenderá nunca.

Os caras lá falam: “se a cadeia não te ensinar, nada mais vai te ensinar”, porque a cadeia não ensina somente o crime, a cadeia ensina vivência de vida mesmo. Aprender a respeitar o próximo, suportar o próximo e várias outras paradas mano. Se o cara não entrar lá com uma visão de querer sair bem, pra não ver mais sua família passando por isso, se não tiver essa visão ele sai pior do que entrou. Porque irmão, quem convive entre feras, tratado como fera, se torna fera também.

Ogpz – Sobre o Contenção 33, explica um pouco como funciona e o que podemos esperar pra 2016?

Dark – Quem fundou o Contenção 33 como um grupo foi o público mano, porque nós nos intitulávamos uma banca. Só que o público começou a dizer que éramos um grupo e a voz do povo é a voz de Deus né? E o nome às vezes chama atenção: Contenção 33. E a ideia é que 33 é o artigo para tráfico de drogas, mas não usamos nesse sentido, por que tráfico de drogas é trazer, guardar, usar como moeda de troca, transportar ou dar algo ilícito. E nós fazemos isso, nós fazemos algo ilícito, o que é ilícito para o sistema? É a informação, o conhecimento mano, que nós passamos para o povo, nós debatemos questões importantes que o sistema não quer ver ninguém falando.

Porque numa forma musical nós estamos denunciando todo o maquinário genocida do sistema e isso é ilícito e isso nos leva a crer que é um 33, isso é um tráfico de informação e conhecimento. E Contenção que é quando nós estamos numa biqueira e o cara fala: “Oi veio, Contenção!” Tá mandando você observar, você olhar, levantar o rosto, contenção, ficar ligeiro. Então a gente trafica informação, nós vendemos o que nós vemos, nada mais que isso.

Ogpz – E quem são os manos que formam o Contenção 33?

Dark – Sou eu, Raigy, Torre, Houdini, Febre e Miti.

Ogpz E o que podemos esperar pra 2016 do grupo?

Dark – Pode esperar o disco do grupo que vai chegar pesadão daquele jeito, denunciando tudo, escaldando tudo, para fazer a galera ver Salvador por uma outra perspectiva.

Ogpz – Como é a relação de vocês com os outros grupos de Salvador? Quem vocês estão ouvindo e você particularmente com quem tá mais coligado.

Dark – Nós não temos treta nenhuma com grupos daqui, somos pacatos e um grupo mesmo que nós somos muito ligados é o Malaô, com Dezesseis Beats e o Yago que são nossos parceiros. Nova Era também, fortalece muito o rap BA, nós estamos ligados na caminhada dos caras que é uma força pra nós porque servem como espelhos pra a gente, a gente vê e quer também conquistar nosso espaço como eles conquistaram o deles. Pregando o mesmo estilo de rap, com a mesma força, o mesmo impacto, tá ligado? Entre outros que nós admiramos porque, na moral, viajo no rap de Salvador, que aqui é Barril.

Tem a Cintia Savoli também que eu não posso esquecer pois minha relação com ela antes de tudo é de amizade. Uma amizade intensa mesmo, ela cola nos sons comigo, me fortalece, às vezes eu preciso de uma voz feminina para fazer a música Madrugada Fria e ela chega. Pode ser em qualquer lugar que for ela chega e fortalece mesmo. Não pra se vangloriar porque ela não precisa, mas porque eu percebo que ela acredita mesmo no nosso som tá ligado e ali é de verdade, na veia representa mil volts mesmo.

Ogpz Pra finalizar Dark, o que você espera do futuro? Você trabalha num emprego fixo e ao mesmo tempo trabalha com o rap e nessa ralação de trampos, o que você espera pra 2016 em diante?

Dark – Sinceramente mano, a primeira coisa que eu espero do fundo do meu coração é que Deus deixe que meus erros do passado me deixem vivo. A primeira coisa que eu espero é isso, o resto é consequência. E claro que eu quero poder parar de trabalhar, poder viver da música, mas passando a mensagem que eu passo porque de outro jeito eu prefiro continuar meu trabalho como zelador.

***

Conheça um single novo da banca do Contenção 33:

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