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O rock pós Nevermind

Passados 27 anos desde seu lançamento, Nevermind se consolidou como obra seminal, provando-se atemporal e fundamental para levar o rock por sendas mais audaciosas.  

Por Eduardo Inácio

Ver o documentário “Live! Tonight! Sold out!” é ver-se distante por cerca de uma hora e meia num passado nada minguado, ou como ter um curso-relâmpago sobre a hermenêutica do rock atual. Isso porque suas várias apresentações recobrem do início ao fim o disco “Nevermind”, a obra-prima do Nirvana.

A história corrente, escrita de lá para cá, diz que Kurt Cobain salvou nossas vidas, que nunca e em nenhum outro trabalho angústia pós-adolescente, alienação e todos os outros tópicos da Geração X haviam sido capturados com tamanha perfeição e que os aspectos revolucionários de “Smells like teen spirit” serão discutidos até o fim dos tempos.

Já a outra história, contada pelos detratores do grunge, nos diz de forma educada ou espumando de ódio que, sim, o disco tem boas composições, mas que no fim não passa de amontoado de material repetitivo e mesmo previsível, que o cara não conseguia executar mais que três acordes por faixa e não passava de um chorão, sendo a cereja do bolo a pergunta de como o mundo deixou-se enganar por tal pútrido pedaço de merda, fazendo com que fãs de rock ‘n’ roll se perdessem entre outras dezenas de bandas parecidas umas com as outras, todas batendo o último prego na música popular ao invés de revitalizá-la.

É evidente que a música é uma forma de arte subjetiva e, cumprindo o papel de argumentos, as duas visões sobre o tema se verificam. “Nevermind” tem sido chamado com frequência – e penso aqui na rápida menção ao álbum feita por Simon Reynolds em seu livro sobre o pós-punk – o “Never mind the bullocks” de sua geração. O que por um lado é verdadeiro, já que deu uma bela injeção de ânimo no então estremunhado mundo da música pop, mas falso por outro, uma vez que sua influência foi mais RETROATIVA do que qualquer outra coisa.

De fato, não fosse por “Nevermind” e tudo que suas faixas ajudaram a extrair do underground americano produzido na década que o precedeu, nós nunca teríamos aprendido um pouco do que de bom foi feito naquele período em que tralhas como o Men At Work eram consideradas, para usar o jargão atual, “bandas de referência”.

Hoje em dia, quando a VH1 faz uma retrospectiva qualquer sobre os anos 80, é de se esperar qualquer grupinho de “synthpop”, “hair metal” ou coisa que o valha, mas também alguns minutos dedicados a figuras como o Husker Dü e The Replacements – tudo isso graças a Cobain (e ao R.E.M., que só explodiu mesmo em 1991 devido ao pequeno, mas significativo, “Out of time”)… Sendo o outro lado da moeda o fato de que, ao tornar o tal do “andergraundi” um fetiche de mercado, a mesma figura que berrava “A denial! A denial!” vendeu rebelião e protesto. E, de repente, todas as megacorporações viram a possibilidade de fazer uma graninha com a mistura de punk e desespero juvenil saído de Seattle, da mesma forma como feito, aliás, com o “laquê metal” da Califórnia alguns anos antes (uso o termo como uma piada pessoal, porém carinhosa). Afinal, de que outra forma descrever o sucesso de Mötley Crüe, Whitesnake e outras “coisas” daquela época?

Por mais que o Nirvana não seja de uma originalidade impecável (o que é óbvio, e não há nisso nenhum demérito), o fato é que todas as canções de “Nevermind”, mais de vinte anos depois, continuam irremediavelmente grudentas e aderidas à consciência de qualquer um que se interesse pelas incansáveis transformações do rock alternativo desde o advento de gravadoras como Sire ou IRS. E embora preenchido pela lógica “verso-refrão-verso”, sem falar nos muitos acordes de fácil consecução e lamúrias de um depressivo de mão cheia, a permanência dessa musicalidade é mais que um feito: é algo genial.

Desdenhar “Nevermind” e atribuir seu sucesso a nada mais que o “espírito de sua época” é fácil. Mais que isso: ele é todo o espírito de sua época. No limite, Replacements, Pixies e grande parte do hardcore americano não adquiriram a estima pública alcançada pelo Nirvana – talvez porque em 91 as pessoas não estivessem tão cansadas assim do já citado “laquê metal” e Cobain fosse aquele que mais lembrasse, à consciência do público, a imagem do vocalista bonitinho, loiro, saído da baixa classe média estadunidense.

Ao final, porém, até o próprio Nirvana foi “esquecido”: o trenzinho pop do grunge tomou novos rumos e na linha do horizonte surgiram o Britpop, o fenômeno da música eletrônica e a massificação do hip-hop. Sem falar no Radiohead ou nos Arctic Monkeys. Entretanto, algo há de ser dito: se for dada a chance de uma audição descompromissada e honesta da voz naquelas canções, surge o sentimento de que o rock ainda deveria ter coisas a dizer, além da visão segundo a qual aquele presumido passado (e seu já escrito futuro) ainda se encontra apto a mais fusões, confusões e/ou citações… O que precisamos são de outros ritos de passagem, à altura daquele proposto pelo artista-demiurgo de nome Kurt Cobain.       

 

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