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O pacifismo e a não-violência no outdoor publicitário

tumblr_m4010om4o51r68b0fo1_1280O momento é de elevada polarização ideológica. Há passeatas de protesto. Palavras de ordem. Gritos de “fora presidente”. Ataques mútuos entre “direitas” e “esquerdas”. Vociferações. Injúrias. Agressões. A violência nasce na palavra. Nas análises tendenciosas. Na defesa a qualquer custo de uma ideia que se estabelece como fixa e imutável. Os ouvidos estão tampados. As almas sitiadas. Em tempos nebulosos é necessário respirar fundo e seguir com cautela. É preciso carregar uma lanterna. Sim, como o cínico Diógenes, que andava em pleno dia com sua lamparina acesa procurando por homens virtuosos. Aliás, é hora de resgatarmos uma das bandeiras do filósofo de Sinope: “Sou uma criatura do mundo, e não de um estado ou uma cidade particular”.

Também, temos urgência em cultivar a ética da paz. O cosmopolitismo pacifista talvez seja o último estágio de nossa evolução intelectual. Talvez, o fim da história estivesse no estabelecimento de uma ética pacifista universal baseada no antigo projeto iluminista da emancipação humana através da expansão da consciência. Talvez… Mas, o importante é que enquanto armas de luta, o pacifismo e a não-violência já se mostraram vitoriosos. Como no caso da independência indiana – apenas para citar um exemplo prático das múltiplas possibilidades do pensamento e da ação humana. 

Coloquemos uma problemática. É recente pensar a paz como aspiração a ser realizada no plano universal. É muito original imaginar um mundo sob o signo da paz. A paz como cartilha dos Estados nacionais. Ao menos na esfera do discurso e justificativa de suas ações – mesmo que na prática apontem outra política – a maioria dos governos defendem o estabelecimento da paz. Por outro lado, não podemos esquecer que toda a história da humanidade foi forjada pela guerra. Que em todos os tempos históricos e em todas as culturas a violência esteve presente, se manifestando de diversas formas. O “outro” (aquele sujeito distante, aquele que fala outra língua, tem outra cor de pele, professa outras crenças e é tão diferente) sempre foi visto como possível ameaça ao “nós”. A figura do guerreiro evocava algo de ideal, aquele que estava de prontidão contra o inimigo.

Dessa maneira, a ética da guerra parece ser uma face essencial da condição humana. O estado de guerra parece ter sempre sido a regra. Por tudo isso, é difícil pensar que atualmente muitas pessoas acreditem que vivemos uma época de animosidade sem precedentes – como se a elevada violência fosse fenômeno de nosso tempo. Provavelmente, a alta concentração de indivíduos nas grandes cidades, as pressões da sociedade econômica competitiva e os meios de comunicação que abordam o assunto de maneira sensacionalista contribuam para a existência dessa crença no senso comum. No entanto, a realidade é que caminhamos no sentido da paz, mesmo que ela esteja distante enquanto realidade cotidiana. Hoje nós a almejamos enquanto sociedade global. Ao menos em aspiração – fato inédito na história. 

Para discutirmos os conceitos e os históricos do pacifismo e da não-violência precisaríamos de um tipo de explanação mais apurada que não é possível fazer no momento. Na verdade, o que fica patente ressaltar é a transformação da ideia de “paz” em mais um produto de consumo. Assim como qualquer mercadoria, a paz pode ser comercializada. Da mesma maneira que, agregado a um carro de luxo, o conceito de liberdade e poder é vendido ao consumidor, o conceito de paz também pode ser oferecido nas prateleiras. Principalmente pela indústria cultural, onde muitos produtos foram forjados para atenderem aos anseios mais subjetivos de públicos distintos. Porém, como em toda realidade, esse processo é essencialmente dialético. Ou seja, a ideia de paz não é apenas um artigo à venda, ela é legítima, tem uma história e surge antes do processo de sua mercantilização e massificação.

Lembrando rapidamente que, no século XX, foi o movimento hippie dos anos 60 que  popularizou a ideia do “faça amor, não faça guerra” e a colocou na pauta do dia assuntos como meio ambiente e emancipação feminina, além do não armamentismo. Muito das ideias radicais daquele período, como a opção por estilos de vida alternativos, foram diluídas na urbana cultura ocidental judaico-cristã. Discussões públicas como a regulamentação da maconha ou do aborto são preocupações do cotidiano devido a essa abertura propiciada no formato tradicional de se pensar as coisas. A procura pela equalização das necessidades individuais e de grupo está intrínseca a esse discurso.

 

PAZ e COCA-COLA 

John Lennon e Yoko Ono são duas figuras que nos interessam porque souberam lidar de forma muito criativa e inusitada com a estrutura simbólica da cultura de massa, naquele período do final dos anos 60 e início dos 70, quando a indústria fonográfica e midiática ascendiam à estratosfera. Como celebridade, o ex-beatle já havia galgado o estágio mais elevado que se podia imaginar. A fama e a riqueza eram resultados de uma obra musical que circulava o mundo através dos grandes meios de comunicação, distribuída pelas maiores empresas do globo. Qualquer coisa que fosse dita por John Lennon ecoava universalmente e tomava proporções épicas.

A experiência ocorrida na famosa entrevista de 1966 para o London Evening Standard em que havia dito que os Beatles eram mais populares que Jesus Cristo, naquele momento trouxe muitas dores de cabeça e ampliou sua popularidade. Mas, além disso, possibilitou que John Lennon enxergasse a amplitude do alcance que os veículo de comunicação tinham e também entendesse o funcionamento dos códigos simbólicos pertencentes ao jogo do mainstream. A imprensa especializada em fofocas crescia assustadoramente e a arrecadação de suas vendas era exorbitante. A televisão tornara-se o principal meio de comunicação mundial após a primeira transmissão via satélite – diga-se de passagem, estreada pelos Beatles cantando All You Need is Love – e a busca pela audiência uma necessidade vital, na maior parte das vezes sanada pela exposição excessiva e invasiva da vida das celebridades. 

O casal Lennon e Yoko pensou: “Por que não utilizar a própria mídia mundial de forma consciente e direcionada? Por que não aproveitar a voracidade dos meios de comunicação em devassar a intimidade dos notáveis e apresentar-lhes uma intimidade de real interesse? Por que não vender a paz através da televisão e dos periódicos?”. Motivados, como sua geração, a pensar de forma diferente do padrão usual, Lennon e Yoko levantaram algumas bandeiras da contracultura e dentre os protestos arte/publicitários promovidos pelos dois, a causa pela paz é a que teve maior repercussão. Não só porque o engajamento desses artistas aconteceu no período da guerra do Vietnã, mas, acima de tudo, devido a estratégia de uso que fizeram da publicidade e dos meios de comunicação de massa na época.

Se todos os jornalistas tinham curiosidade sobre o célebre casal e invariavelmente faziam as mesmas perguntas, John e Yoko fariam de suas entrevistas grandes happennings, conduzidos pelo seu próprio roteiro. O ápice desse processo ocorreu com os chamados BED – INS , registrados no documentário Bed-Peace, dirigido pelo casal. Foi nessa oportunidade que os dois artistas recepcionam repórteres e figuras de destaque em quartos de hotel, nas cidades de Amsterdã e Montreal. Utilizaram da curiosidade da imprensa que supunha (ao ver a divulgação de que John Lennon e Yoko Ono recepcionariam artistas e jornalistas em camas de hotel) tratar-se de uma performance sexual, já que em outra ocasião, na capa do disco Two Virgins, haviam sido fotografados nus. Atraíram a grande mídia para os quartos de hotel e falaram de pijamas, deitados em camas de casal, sobre a não-violência e o pacifismo. Uma estratégia genial. 

O pacifismo e a não-violência no outdoor publicitário

No fim de 1969, John e Yoko espalharam pelas principais cidades do mundo gigantescos cartazes publicitários com uma mensagem de feliz natal em que também anunciavam o fim da guerra, se essa fosse a vontade de todos. O significado da frase “war is over if you want it” vai além do evidente pedido pelo fim da guerra do Vietnã especificamente. Ela contém uma fórmula preciosa que nos trás um entendimento sobre o próprio processo do desenvolvimento humano.

A lógica seria a de que, se somos indivíduos criadores e reprodutores de nossa sociedade, se atualmente chegamos ao entendimento de que todos os seres humanos estão protegidos pelo mesmo direito universal à vida, se na batalha pelo aprimoramento de nossa humanidade e dessa percepção atual tivemos que lançar mão do uso da violência, agora isso não é mais necessário. Portanto, a paz seria o último estágio do desenvolvimento da razão humana. O triunfo da consciência sobre a realidade viria com o estabelecimento definitivo da paz universal. Com a imposição deliberada do ser humano em transformar seu contexto social no sentido da emancipação dos indivíduos. O definitivo controle da humanidade sobre sua própria existência. Uma utopia, obviamente. Mas, enquanto uma lamparina de Diógenes que clareia o pensamento, a ideia de um mundo pacífico pode iluminar os caminhos, nortear muitas atitudes e  ações políticas. Em tempos de nebulosidade e sentimentos à flor da pele é conveniente dar uma chance à paz, antes de qualquer outra coisa. 

O conceito de paz pode ter se coisificado, se transformado em mais uma mercadoria. Seu sentido se esvaziado pela superexposição. Mas, o importante é saber que a ideia de um mundo pacífico é uma possibilidade se assim quisermos. Que a imaginação é um dos principais instrumentos de sobrevivência que possuímos e que cada vez mais a compreendemos melhor. A geração da contracultura dos anos 60 nos deixa um interessante legado: que a imaginação dos seres humanos é poderosíssima e transformadora. Que a paz é fruto da imaginação e seu estabelecimento no plano do real é uma utopia. E como toda utopia, é algo que aponta para a possibilidade das aspirações humanas se tornarem realidade.  Neste sentido o sonho nunca acabará, se imaginar é criar novas possibilidades então o sonho da paz é um caminho verossímil.

Por André de Castro Pereira

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