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O Menino Que Queria Ser Deus (2018) Djonga Monta no cavalo e lança o dragão

O Menino Que Queria Ser Deus (2018) Djonga lança seu segundo disco um ano após o seu debut Heresia(2017) vejamos o que o mano aprontou agora

Em seu segundo disco Djonga dá mais alguns passos a frente pra se tornar o rapper dessa nova geração com mais força em suas músicas. Um dos que melhor tem desenvolvido diversas pautas negras ao mesmo tempo em sua lírica, com uma coerência muito grande até no momento de demonstrar suas próprias contradições. 

Em tempos de produção desenfreada de singles e uma constante desvalorização da audição e consequentemente da produção de discos, um ano após o lançamento de Heresia (2017), Djonga bota seu segundo disco na praça. Lembrando que após a saída do seu disco de estreia, o artista mineiro botou diversos clipes/singles e participações na rua, preenchendo com muita consistência o ano passado todinho. Mas importante também lembrar que ele já possuía um Ep, citado em uma de suas novas músicas, chamado Fechando o Corpo (2015). Uma discografia de respeito que ainda inclui os trampos do excelente grupo do qual faz parte: DV Tribo. Uma caminhada sólida que inclui uma formação acadêmica em História, interrompida pelo sonho da música. 

Sem dormir no berço esplêndido que o sucesso feito no ano passado construiu, exatamente um ano depois nesse 13/03 o mano soltou: “O Menino Que Queria Ser Deus” (2018). Algo que faz um tempinho eu não via no cenário da música em geral e na cena do rap em particular. E bastou alguns minutos de escuta deste novo disco para vermos que o rapper tem muito o que dizer, tem evoluído musicalmente, mas não cessa sua metralhadora nervosa cuspido em alto e bom som, ideias que são urgentes, e cada vez mais elaborada liricamente. Trazendo referências incomuns, cruzando outras tantas referências mas sobretudo atualizando-as para a realidade periférica com bastante propriedade.

Difícil encontrar um ponto por onde começar a tratar o disco, pois as linhas apresentadas assim como a musicalidade seguem caminhos muito diversos, neste trabalho. Mas se tivermos que apontar inicialmente algo como uma chave para começarmos a refletir sobre essa obra, a palavra seria: Afirmação da negritude sobre todas as coisas. Ao longo das 10 faixas do disco, Djonga, atravessa a necessidade de auto afirmação, do se ver belo e desejado, expõe nosso racismo estrutural, reflete sobre a paternidade do homem negro, coloca às escuras sua religiosidade afro brasileira, canta pra preta. 

Já na abertura do disco, a dificuldade para demarcar uma linha atravessando todo o disco, fica evidente, num bragaddocio monstruoso, “Atípico”, progride na letra como um soldado muito bem treinado. O mc atira para todos os lados, da auto-afirmação ao combate da pedofilia, do desvendar os perigos da caminhada a elevação da beleza negra. A música que encontra algo da sonoridade funk no refrão, é de saída um excelente exemplo do que encontraremos por todo o álbum. Utilizando de metáforas por vezes engraçadas como no caso do “Foca na 18”, punchlines poderosas em cima do excelente beat, abre os trabalhos com uma destreza e porque não leveza impressionantes. 

Começando a diversificar em “Junho de 94”, segunda faixa, começa num trap onde o rapper ao cantar na primeira pessoa as contradições que nos assaltam a todos, seres humanos, faz duras criticas a si mesmo. Aquela coerência sobre as próprias contradições de que falávamos no começo do texto, é mostrada na faixa ao apontar a relação promíscua entre a crítica e a adesão ao sistema (industria cultural), por exemplo. Mas também as escolhas pessoais do próprio artista, o sucumbir a fama e as suas armadilhas, algo que pode ser lido também, pela adesão de muitos dos nossos jovens negros ao cotidiano violento de nossas periferias. 

Uma faixa com uma lírica muito complexa, cheia de troca de pontos de vista, com uma produção conjunta do Coyote Beatz com DJ Cost, passando do trap ao boombap. Um omelete poético recheado das contradições que assediam nossos jovens negros, artistas ou não, e que precisa ser bem digerido, de modo a entendermos algo fundamental: Os jogos que nos conduzem à escolha entre ser ou não ser. Sempre a questão fundamental da vida de todos.

“Minhas Amigas do Peito São Minhas Correntes/ Já Foram Minhas Inimigas Da Perna”

Essa é uma das grandiosas linhas presentes ao longo desse trabalho, presente na “coletiva” UFA com part. de Sidoka e Sant, e ao contrário de outros trabalhos, apesar das excelentes participações em nenhuma delas o Djonga é engolido técnica ou liricamente.

Outras faixas com participações são “Solto” com seu parceiro de DV Tribo: Hot, faixa onde os dois rimam sobre relacionamentos e suas amarguras e a consequente separação. Contam ainda com participações a forte “Corra” onde a mineira Paige empresta sua linda voz ao rap. Um boombap raiz que parece ter seu título emprestado do filme estadunidense que concorreu na última edição do Oscar. Em “Estouro” a desconstrução do machismo e do racismo é quem dá a tônica, em mais um beat matador do Coyote Beatz (produtor do disco) e contando com a rainha Karol Conka.  

É interessante notar como existem tão poucas músicas no rap que abordem paternidade responsável, ao contrário, é a ausência dos pais durante a formação que é geralmente tema. “Canção Pro Meu Filho” cala profundamente, pelo pioneirismo (não é o único caso, mas são poucos) e pela importância em nos mostrar a necessidade de um pai nas nossas trajetórias. Dicas para a boa condução em sua vida, aceitação dos caminhos individuais que o levem a se tornar o que ele será, a luta por dar-lhe uma condição social e emocional na vida. 

A grande ousadia do disco responde pela canção “De Lá”, onde o rapper faz uma reverência a sua ancestralidade, em respeito aos Orixás e canta com uma expressividade muito bonita e verdadeira. E quando falamos aqui em beleza não se trata de elogio a beleza de sua voz, mas a força da verdade de sua fé que com a participação dos instrumentistas Vinicius Ribeiro (baixo), Felipe Datti (percussão), Elliff (bateria eletrônica) e Rafael dos Anjos (violão) se faz presente a quem já não se embotou por completo. 

Há ainda as faixas solo “10/10” onde Djonga rima o amor e o tensão necessários para com as nossas respectivas cremosas.Há nessa faixa uma citação de uma mensagem do Tupac endereçado a Madona, datada de 15 de janeiro de 1995, onde o grande gênio do hip hop recusa trabalhar com a então diva do pop. Novamente nos parece aqui mais uma vez, aquela coerência com suas contradições e autocriticas. De algum modo, essa citação inserida numa faixa que fala de sexo e amor, nos remete a “Tamo Transando de Fato“, participação que o rapper fez com a Lívia Cruz. Artista que junto com Barbara Sweet foram responsáveis por um vídeo postado no youtube onde através de piadas foram flagradas em racismo dos mais deploráveis.  

Um segundo disco é um desafio e nesses tempos, onde poucos se lançam para produzir albuns oficiais em tão pouco tempo, Djonga mostra sua evolução musical com muita maestria. Sem desperdiçar linhas e colocando sua negritude e as implicações dela na ponta da caneta, ele implica-se como “Eterno”, nome da última faixa. Calma lá, afirmamos que após um primeiro álbum muito bom e amplamente reconhecido, O Menino Que Queria Ser Deus (2018) aparece como seu melhor trabalho até aqui, o que não é pouco.

Apostamos nesse corredor, sem medo de perder dinheiro, pois com a força do seu auto reconhecimento racial, de sua poesia, através de sua progressiva busca de conhecimento e o consequente desenvolvimento artístico que tem mostrado, ele tem espetado com vigor o dragão da bobagem no rap nacional. Pouco nos interessa se este será o disco do ano, se ele está no topo, se é o melhor, isso é tudo fruto da nossa progressiva estupidez enquanto sociedade. O fato que nos parece “cristalino” é que a música do Djonga vai permanecer, vai ilustrar pretos e pretas em nosso país e dessa forma ele já é campeão.

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