Dentro desse gênero existe um subgênero em grande crescimento que é o documentário musical, onde podemos destacar produções como Loki (Paulo Henrique Fontenelle), sobre a vida e a obra de Arnaldo Baptista, líder e fundador da banda Os Mutantes, e Cartola – Música para os Olhos de Lírio Ferreira que conta a sofrida trajetória do sambista carioca em seu tardio reconhecimento no cenário musical.
Depois de vários cantores como Caetano Veloso (Coração Vagabundo) e Wilson Simonal (Simonal) terem suas carreiras revisitadas no cinema, chegou a vez dos compositores terem o reconhecimento de sua obra mostrada ao grande público. O mesmo Lírio Ferreira que contou e nos brindou com a história de vida de Cartola retrata dessa vez a trajetória de Humberto Teixeira, que divide com Luiz Gonzaga divide o posto grande expoente do mais genuíno dos ritmos brasileiros, o baião.
O Homem que Engarrafava Nuvens propõe nos contar a história de como o baião se tornou um dos ritmos mais populares do Brasil e de como essa modalidade musical conquistou o mundo, conseguindo contrapor à ideia de que o nordeste brasileiro era fadado simplesmente à miséria e ao baixo desenvolvido cultural. Para isso utiliza como pano de fundo a vida de Humberto Teixeira, o “Doutor do Baião” – apelido atribuído por conta da sua carreira como advogado. Compositor de mais de quatrocentas músicas e parceiro de Luiz Gonzaga, Humberto está para o baião assim como Tom Jobim está para a bossa nova, porém sem o mesmo reconhecimento. Assim o longa é uma chance oportuna de fazer justiça e tornar público o brilhantismo da carreira de Humberto, que apesar de ser autor de clássicos da MPB nunca teve sua carreira reconhecida e laureada pelo grande publico.
O filme mostra a jornada intimista da filha de Humberto Teixeira, a atriz Denise Dumont, na tentativa de descobrir o homem que existia por trás da figura do compositor de Asa Branca. Seu papel é parecido com o do espectador que a cada entrevista vai descobrindo quem realmente era Humberto Teixeira. O filme evita maquiar o protagonista e não tem receio de mostrá-lo como a figura controversa que ele era. Aos poucos vamos percebendo que por trás da genialidade como compositor existia um pai e marido machista e conservador, que chegou ao ponto de proibir a filha de usar seu sobrenome na carreira de atriz, o que serviu de estopim para afastá-los e criar uma relação distante e superficial. Porém, cada encontro serve também para certificar o quanto Humberto era talentoso e dedicado à sua obra. Fica bem claro a dua importância para a carreira de Luiz Gonzaga e para a difusão do ritmo mundo afora, desenvolvendo um prazeroso passeio por um ainda pouco explorado Brasil, marcado pelo lirismo e poesia.
Os depoimentos de grandes personalidades da MPB como Gilberto Gil, Gal Costa, Caetano Veloso, Chico Buarque, Sivuca e Maria Bethânia, servem para dar ritmo à narrativa que em alguns momentos mostra-se arrastada, mas ganha grande projeção com a excussão das canções de Humberto nas vozes dos maiores artistas de nossa música. As imagens que se associam à trilha sonora são de beleza rara e de grande importância histórica. O diretor utiliza imagens de filmes da Atlântida e da Vera Cruz – dois dos maiores estúdios da época onde o baião por muito tempo foi o ritmo dominante, embalando as famosas chanchadas. Essas imagens mostram-se bem conectas e servem para situar melhor o espectador na narrativa e na ambientação de época. É preciso reconhecer o importante trabalho de resgate de Lírio Ferreira, que por meio de imagens raras costura uma experiência bastante prazerosa e esclarecedora.
Depois de tomarmos conhecimento da importância do ritmo no Brasil, somos surpreendidos por como o baião atingiu outros países conquistando simpatizantes mundo afora. Somos agraciados com as apresentações de gente do naipe de David Byrne, grande entusiasta da música popular brasileira que apresenta sua versão de Asa Branca em inglês, além de conceder uma rápida e esclarecedora entrevista. O público vai ficar surpreso com a apresentação de Paraíba Masculina cantada em japonês pela cantora Miho Hatori, uma verdadeira pérola. No cinema internacional a mais brasileira das portuguesas, Carmem Miranda, canta com alegria os versos da contagiante Baião. E é em meio a essa constelação de estrelas que o brilho de Humberto Teixeira ganha sua devida proporção e faz jus ao seu talento.
O filme ainda entrega momentos de grande beleza com a sua consciente simplicidade, onde a câmera parece não existir e os diálogos fluem mais sinceros, oferecendo ao espectador momentos únicos como o relato de Denise sobre um dos últimos domingos que passou ao lado do pai. Ou as conversas de cunho íntimo que ela tem com a mãe, onde não poupa quem está vendo de vertentes não muito virtuosas do protagonista.
“Assum-preto o meu cantá/ É tão triste como o teu Também robaro o meu amô ai/ Qui era a luz dos óios meu”. (Luís Gonzaga/Humberto Teixeira)
Humberto pode não ter inventado o Baião, mas o ritmo nunca mais foi o mesmo depois sua contribuição. A força do seu trabalho foi capaz de penetrar todas as camadas da sociedade, unindo o erudito ao popular de uma forma nunca vista antes, dando voz aos excluídos e cantando as belezas do sertão, seja enaltecendo sua geografia ou contando as peculiaridades de seu povo. Através da voz e da sanfona de Gonzaga os versos de Teixeira mostram que o povo nordestino pode ser ouvido em meio a repentes e rompantes euclidianos, provando que o sertanejo é um forte, mas que além disso ele canta e dança.
Por Jarbas Santos
Gênero: Documentário
Direção: Lírio Ferreira
Roteiro: Lírio Ferreira
Produção: Denise Dummont
Fotografia: Walter Carvalho
Trilha Sonora: Guto Graça Mello
Duração: 106 min.
Ano: 2008