Oganpazan
Destaque, Discos, Resenha, Sem categoria

O Alívio De Yan Cloud É A Certeza De Um Trabalho Bem Feito

O Alívio de Yan Cloud é o resultado de uma carreira e de um artista que vem se desenvolvendo com força e que começa a se destacar no cenário

 

 

O ep Alívio de Yan Cloud é um passo muito bem dado na carreira desse jovem mc que aos poucos vem se consolidando dentro do cenário rap de Salvador. Dono de uma boa técnica, ideias coerentes e sobretudo de uma versatilidade ímpar, o rapper de 19 anos mostra maturidade nos passos dados em sua carreira. A música que abre o disco, Cobranças foi lançada em abril do ano passado com um bom clipe dirigido por Ramires Ax. Com o diretor desse clipe, juntamente a Ramon Kaizen veio pra rua também no ano passado o projeto paralelo Trindade. E antes disso tudo o mano fazia parte da banca ÉSIM, que se dissolveu e com quem lançou um ep.   

Em Cobranças, Yan Cloud produz uma reflexão potente sobre a passagem do tempo e a necessidade de evolução que o rap imprime para os artistas. Buscando um reforço do individualismo que seja fruto do trabalho duro, da calma estratégica e dos aprendizados e da força impressa pela própria música em sua vida. O boom bap produção de Dactes beats serve perfeitamente aos pensamentos cadenciadamente emitidos com clareza e precisão. 

A segunda faixa que recebeu um vídeo clipe do conceituado diretor Tiago Simas, é o grande destaque do disquinho. Show de Horrores é uma critica pungente a situação atual do país imbrincado numa mesma letra, questões politicas, religiosas, de racismo e gênero num mesmo show cruel. Onde todos somos implicados de um modo ou de outro. Com maestria na utilização das metáforas e analogias, a música é uma excelente construção de punchlines ininterruptas.

Fatos e Mitos ligados/ Pique irmãs Hilton/ Entre suas regras prefiro as leis de Newton/ Povo é contorcionista/ universo machista/ guerras travadas entre poli e monoteístas.

O interlúdio Terra de Ninguém segue ainda numa linha séria com questionamentos sobre aspectos morais e as escolhas éticas às quais um artista deve fazer. Com a produção certeira da Izabela Reis, a utilização do sample pela produtora – uma vocalização que remete a um lamento – dialoga perfeitamente com a mensagem. Um bom exemplo das possibilidades de utilização de aspectos técnicos que acrescentam uma mensagem “musical” ao conteúdo de ideias presentes na track.

Abrindo mão de um farto leque de impressões que são transformadas em músicas com conteúdos diferentes, trabalhando com jogos líricos e rítmicos diversos, Yan Cloud produz oito faixas que fogem da mesmice. O segundo dos 4 Grooves anunciados é a sua poesia se transformando em escarnio à cena e suas incongruências. Cômico (prod. Crizperito) é aquilo que os antigos romanos chamavam de “Ridendo dicere severum” (Rindo, dizer coisas sérias). E aqui o mc desse a lenha com uma língua muito ferina a muitas das bobagens que acontecem e por vezes repercutem na cena rap.

O Trap Lord Zidane de Lauro de Freitas, é o convidado para a faixa Mó Onda, onde num pique gangsta dos trampo, os dois mc’s desfilam linhas sobre trabalho. A música com maior apelo pop da ep é um Trap bem produzido da eminência parda Dactes Beat. Em sua parte o mano de Lauro City, produz uma analogia muito bem construída entre crime e trabalho, o que parece ser desde o gangsta rap um problema insolúvel.  

Então acena essa parada fugindo da Blaze/ Porque Rihanna me espera com a grana do Jay-Z/ Eu quero o mundo o topo é pouco então não me irrita/  Tô ensinando como joga então não me imita/ Tamo mostrando resultado e isso motiva/ Traficante de letras rap que salva vidas.

A versatilidade que alardeamos e a coerência das ideias podem ser muito bem ilustradas pelas faixas 6 e 7 do ep. São duas lovesong’s muito boas. 7 Bilhões tem a produção de Hopson Beats e conta com a participação luxuosa de Débora Evequer, que com muita qualidade canta e rima com sensual e bonita voz. Yan consegue conjugar sensualidade e exaltação da mulher sem utilizar-se de qualquer metáfora mais vulgar.  Mesmo na mais picante Eu Sei, consegue equilibrar-se muito bem nessa linha tênue.

 

 

Inteligentemente o disco termina com a faixa I.G.N.T. 2, onde Yan Cloud se junta aos parceiros de Trindade (Ramires Ax e Ramon Kaizen) e Devon, Dactes e Syco (N’Ativa). Os 6 mc’s cuspindo balas líricas com profundidade e agressividade nesse clipe que também foi dirigido pelo multi-tarefas: Ramires AX. Uma chave de ouro para um trabalho consistente, onde o jovem rapaz produz 8 faixas diversas entre si, mas que encontram sua unidade na qualidade e na firmeza com que as ideias são apresentadas. 

Yan é um forte exemplo dos bons frutos que a cultura hip hop dos últimos 15 anos produziu. Numa entrevista ao site soteropolitano Rap 071, ele conta como foi Emicida e não Mano Brown quem lhe inspirou a começar a escrever. O que não deveria ser um espanto para quem compreende as mudanças geracionais dentro de uma cultura. Mas que infelizmente parece não ser o caso de muitos. De qualquer sorte, o fato é que Alívio precisa ser escutado com atenção por todos e Yan Cloud ser regado pela cultura porque ainda tem muita lenha pra queimar.

Escutem o ep completo na playlist abaixo:

 

 

Matérias Relacionadas

Poeiracast – Os Arqueólogos da música pop!

Danilo
7 anos ago

É vero: os Stones são fodas na mesma proporção que estão velhos

admin
9 anos ago

Rádio Ugangue Vol. 2 (2015) – Vários Artistas

Danilo
9 anos ago
Sair da versão mobile