Trap Baiano é precursor e forte: de Makonnen à JayA Luuck. Estamos sempre seguindo o fluxo criativo e de resistência.
É curioso como certa visão colonizadora se reproduz mesmo dentro de culturas como o Hip-Hop, negra em sua origem e desenvolvimento. É quase sempre uma tentativa de matar algo que possui uma forte potência transformadora. No começo do século XX o jazz era tachado como música bestial, que levava os bons cidadãos brancos a animalidade de seus instintos, todo contato com essa bestialidade produzida por negros deveria ser evitada. O Funk carioca é a expressão do máximo de baixeza que favelados pretos podem produzir, é música de gente burra, algo que só contribui para a alienação do povo “pobre”. Não são dois argumentos muito parecidos?
Existe um percurso racista, e argumentos que tomam o classismo como base, e eurocentrismo escancarado que nos leva a desvalorizar as produções de nossas favelas e que atinge em nosso país o pagodão baiano, o brega funk pernambucano e o funk carioca. O trap é um produto das vivências e do desenvolvimento da cultura hip hop estadunidense, que chegou no Brasil por diversas vias mas que tem no estado da Bahia precursores importantes como Makonnen Tafari, DJ Akani, Calibre Beats e Vandal, além de Raonir Braz entre outros.
É bastante comum vermos postagens e falas que pretendem inferiorizar o Trap como se esse fosse uma caricatura do rap. Obviamente, pelo carater de sucesso que esse gênero tem alcançado, não param de surgir caricaturas, playboys que se infiltram porque é algo hoje que pode facilmente virar um dinheiro, até racista tem aparecido. No entanto, não seria dificil encontrar exemplos similares fazendo outros sub-gêneros musicais. Logo, é uma estupidez muito grande generalizar um conjunto tão grande de artistas, e coloca-los todos no mesmo barco.
A xenofobia aqui no nosso país entra nesse jogo com muita facilidade e recentemente o DJ Luketa (Recayd Mob) afirmou a plenos pulmões que “viu” o trap nascer. Uma afirmação que beira o ridículo e a própria dimensão continental do nosso país o prova. Ainda por se fazer, a história do trap nacional possui pouca documentação e análise crítica, mas aqui na Bahia conhecemos nossa história e basta uma passada rápida nas nossas matérias e redes sociais para ver que somos precursores não apenas do Trap, como do drill de influência americana e inglesa, e do grime também. Vandal nesses três últimos casos é nossa “referência viva”. Não é bonito e nem desejável apagar outros “pretos” da cultura hip hop em nome de um protagonismo que não se tem.
No entanto, muito desse movimento de desprezo, invisibilização e apagamento vindo de fora para dentro do nosso estado se dá porque nós mesmos não conhecemos e nem exaltamos devidamente nossa história. O Opanijé é o maior e melhor precursor na utilização de referências a religiões afro brasileira no rap nacional e abria o seu disco Opanijé (2013), com um canto pra Exu, antes de “Exu” estar na moda!
Muito antes de Rincon Sapiência descobrir o trap pagodão, Calibre Mc tinha desenvolvido essa estética musical de um modo totalmente genial. E ia além, ligando o trap aos “tambores” da nossa cultura, criando uma estética própria que naquela altura ele chamou de batifum, em seu trabalho com Makonnen, DJ Akani e Fall Clássico.
E antes que eu me esqueça, uma das primeiras mulheres a lançar um EP todo de trap foi baiana também: La Lunna. Ora, a quem interessa que reproduzamos a ideia de que o Trap é uma caricatura? Quanto racismo estamos reproduzindo ao utilizar os mesmos argumentos que já tentaram desmerecer o Jazz, que pouco tempo depois tomou o mundo e segue sendo uma das mais vigorosas expressões artísticas do séc. XX e a primeira originalmente “americana”.
Escutem Makonnen Tafari no Spotify
É triste mas é necessário repetir isso, porque obviamente, pelos motivos explicados acima, mas sobretudo por termos uma cultura onde o ódio recíproco e a auto desvalorização é visto como algo normal, nos remete a um papel de coadjuvantes, onde somos gênios e protagonistas. Da mesma sorte, por não sermos detentores de capital simbólico e financeiro, não possuíamos uma mídia especializada na cultura. Restando-nos esforços esporádicos e aquele trabalho de formiguinha que não durava muito em blogs. Precisamos reforçar uma mídia que realmente reflita, registre, pense, exponha, as questões que atravessam a cena. E agregar o público envolta dela!
O trap é sempre visto como uma manifestação pueril, alienante e decadente por pessoas do rap que fazem parte da chamada velha guarda. Nesse aspecto não somos pioneiros, é um problema nacional. E é preciso dizer aqui que esses argumentos que visam desvalorizar o Trap estão alicerçados em pressupostos racistas, classistas e europeizantes, tal qual os mesmos argumentos utilizados para desvalorizar, Armstrong, Sidney Bechet, Kid Ory entre outros precursores do jazz. O Trap é um desdobramento da cultura hip hop e se possui problemas ideológicos, os tem da mesma sorte que outros estilos do rap como o boombap, como outros gêneros musicais tais como o punk rock, o rock, o blues, são problemas de ordem extra musical, não da forma da música.
Acontece que, além de sermos precursores dessa estética nacionalmente, estamos atualmente produzindo uma seara de novos talentos que estão sendo colocados em segundo plano em nível local e com produções excelentes e números fantásticos. Ou que seguem numa luta desleal contra um estado de coisas que não para de fechar as portas para tudo que vem daqui da Bahia. É o caso do Jovem Dex que é reconhecido no cenário nacional como um excelente nome do Trap, da mesma sorte Jaya Luuck, vem construíndo uma carreria brilhante e com bastante reconhecimento da parcela mais jovem do público.
São muitos nomes produzindo com muita qualidade na Bahia, são muitos nomes que vem guerreando nessa estética. Como veículo de mídia que opera de modo independente também, não conseguimos dar conta do volume absurdo de lançamentos. Da mesma sorte, é cada dia mais necessário que a cena profissionalize sua comunicação – outro ponto negativo que possui em comum com a velha escola.
A ideia deste artigo é iniciar um acompanhamento maior de tudo que tem sido produzido no trap baiano e oportunamente produzindo fortuna crítica e notícias especializadas sobre essas produções. Ao mesmo tempo, é intenção aqui congregar esforços visando abrir canais de dialógo que mais aproximem do que separe.
Alguns nomes já aparecem com certa constância por aqui em nosso site, outros nomes estão estreando nesse artigo, mas vamos deixar abaixo alguns trabalhos que consideramos muito bons. Solicitamos a você leitor(a) do Oganpazan que ouçam esses trabalhos, que vocês acompanhem esses artistas e se juntem a nós nesse movimento de auto valorização de nossa cena!
Vem que vem, aproveite a diferença:
Mada Shawty aka Mdfk
Baby Venas
Venuz Lee feat Deepzera
Acess 04
Fashion Piva
MC Zidane
Jovem Dex
Não Pode Ser Nada
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