O talento de Michael Pipoquinha e a irretocável musicalidade de Jaco Pastorius, com um trio fantástico recriando um groove pesando toneladas
O baixo é um instrumento poderoso. As notas graves reverberam como nenhum outro som é capaz de ecoar pelo interior de uma sala de espetáculo. O groove bate no peito, a vibração do 4 cordas arrepia, penetra nos poros e inunda os ouvidos em nome daquela profundidade sonora que parece nos jogar ao relento no infinito.
É nesse poço de vibrações e bends que está o groove e sua verdade. Para cada músico, o néctar que sai do instrumento – como plena extensão de seu corpo – é sua própria verdade. É sua voz… A música liberta esses corpos e seja ele fretless ou com traste, é pegando carona num Jazz Bass que a vida fica mais colorida.
Só de falar isso já dá pra sentir uma pulga de polirritmia atrás da orelha. Jazz Bass. O termo ecoa e invoca o nome dos maiores mestres. “Os pinos redondos nos buracos quadrados”, como dizia Jack Kerouac… E se existe um cara que consegue personificar esse termo, esse alguém é Jaco Pastorius.
Um dos maiores mestres do Jazz, Jaco redefiniu o papel do groove na história do som. Muitos que ouviram sua lírica migraram para o baixo elétrico. Outros, assustados por sua abordagem, talvez tenham até desistido, mas o mundo continua girando com o mínimo de normalidade, devido a marca indelével que sua música deixou no DNA da humanidade.
Seja solo, com o Weather Report, Pat Metheny ou ao lado da Joni Mitchell, Jaco foi soberano. Sua música sempre esteve um degrau acima e classificar seu som é uma tarefa secundária frente a tudo que ele representa e introjeta em seus ouvintes.
É um pilar universal da música, um maestro e, justamente por tudo isso, muitos fogem do seu repertório. A responsabilidade é imensa, mas ainda bem que existem artistas do nível do Michael Pipoquinha, justamente pra matar essa responsa no peito e reproduzir um repertório que infelizmente não será reproduzido e que precisa ecoar aos 4 cantos do vento sul.
Foi com o CCMI (Centro Cultural de Música Instrumental) completamente lotado, que o baixista Michael Pipoquinha trouxe um quarteto cabuloso pra reencarnar a voz de Jaco. Foi ao lado de Josué Lopez (saxofone), Salomão Soares (teclados) e Elthon Dias que o cearense, natural da cidade de Limoreiro do Norte, no Ceará, debulhou o cancioneiro de um monstro, enquanto mostrou sua técnica apuradíssima e o sentimento que o faz viajar o globo para tocar nos maiores festivais do mundo.
Com um set list impecável – que foi de “Portrait Of Tracy” até as pirotecnias de “Teen Town”, que Michael Pipoquinha homenageou o padroeiro dos baixistas, enquanto acrescentava o toque do chefe, ao lado da nata de instrumentistas da cena Jazz brasileira.
Josué Lopez foi cirúrgico no sax. Emulando as fritações mais insanas nos arranjos, o carioca trouxe um vigor que parecia até que ele sozinho era um naipe completo. Os Brecker Brothers ficariam orgulhosos desse meliante.
Na bateria, Elthon Dias foi de uma precisão absurda. Mantendo o groove pulsante até nas horas mais cavernosas, as baquetas precisas só não fizeram chover na sala por que o Jazz nos Fundos tem teto. A hora que ele começou a regar um Reggae com o Pipoquinha foi de chorar.
Nos teclados, o repertório popular de Salomão Soares trouxe uma classe aos arranjos do maestro Joe Zawinul. Tocando um Nord e um sinth, as texturas do pianista paraibano recriaram aqueles climas chapantes do Weather Report, enquanto ele temperava a jam com aquele toque das nossas brasilidades que é o mais puro veneno.
Com um showzaço dividido em 2 sets, o traço mais marcante dessa noite foi como, apesar de um repertório pra lá de complexo, todo o quarteto conseguiu acrescentar suas raízes no som, enquanto dominava uma musicalidade eterna.
Foram quase 2 horas de som. Quando pensei que estávamos caminhando para os finalmente, eis que aparece Sergio Groove e daí pra frente os embates dele com o Pipoquinha eram de cair o queixo. Ao final da gig, uma senhorita à minha esquerda disse algo que resume o show com maestria: “eu fiquei com a boca aberta tanto tempo que ela até secou”. Baseado é foda e esse Jazz, apesar de não ser maracatu, pesa uma tonelada, fácil, fácil.
O Michael Pipoquinha é um instrumentista fantástico e assisti-lo tocando 4 cordas fretless e com trastes foi soberbo. Pesquisem sobre o trio que o acompanhou no espetáculo, pois assim como os presentes na casa, vocês não vão se arrepender.
Viva os ecos do Jazz.
Setlist do show:
Elegant People (Weather Report), Three Views Of a Secret, Teen Town. Soul Intro/The Chicken, Liberty City, Continuum, Havona
-O talento de Michael Pipoquinha e a irretocável musicalidade de Jaco Pastorius
Por Guilherme Espir
Conheça mais sobre o Michael Pipoquinha:
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