Festival Barbada 10 anos – shows, rodas de conversa, DJ’s e exposições. Um resumo da riquíssima cena londrinense.
A pandemia do Coronavírus (bactéria filha da puta, micróbio do caralho), mudou a dinâmica do consumo musical. Com o isolamento, curtir um show presencial ainda é inviável e, com uma imensa grade de eventos inviabilizada – em função das melhores práticas para evitar o contágio – é seguro dizer que assistir transmissões ao vivo, as famosas lives, já é um novo costume do brasileiro (e de outros meliantes mundo afora), dentro de um formato que provavelmente veio pra ficar.
É estranho parar pra pensar numa resenha que retrate a experiência que um festival online proporciona. Assistir uma gig é ver o groove se misturando ao ambiente, causando frenesi nos corpos e criando aquela interação eletromagnética que é o que nos faz pegar fila, chuva, ônibus e sabe-se lá mais o quê, tudo pra sentir o gostinho do Funk e o grave dos falantes no peito.
Como se não bastasse a insalubridade de morar no Brasil, toda a nossa classe artística vive maus bocados – se você não for a Regina Duarte – e com um governo que nada faz, nós seguimos normalizando a morte. Enquanto isso, o setor da cultura segue à deriva, respirando por aparelhos, ao passo que surge o tal do “novo normal” e nós avançamos à fase verde, mesmo que o alerta ainda seja vermelho.
Dentro de todo esse emaranhado de acontecimentos pouquíssimo ordenados, a cultura pulsa, respira e resiste, se reinventando também na era do Coronavírus. Nunca se produziu tanto conteúdo online e de graça como agora. O mundo todo precisou digitalizar seus festivais e bolar um conceito/formato pra conseguir levar a experiência do rolê pra dentro da aba do YouTube ou do Instagram. É foda.
Em meio à sensação de que as coisas estão descongelando igual aquele peito de frango que está lá no fundo do seu freezer, o mercado reaprende a atuar, seja ela da indústria têxtil ou musical. É a sina, mas também é a cena desse momento em que vivemos.
Mudou tudo meu rei (ou minha rainha), para pensar aqui comigo: você está lendo uma resenha de um show que eu não vi. É importante ressaltar isso, eu assisti. A minha perspectiva, vendo o show do Aminoácido – como parte do Festival Barbada – edição de 10 anos – mesmo à mais de 500 km de distância, me aproximou de Londrina, ainda que eu estivesse sentado numa cadeira, dentro de um quarto em São Paulo.
A minha brisa dentro do quarto foi completamente diferente da vibe que a produtora dos caras (dona Isabela Cunha, da Tapete Voador Records) sentiu, junto da galera que estava lá, trampando com cuidado pra mobilizar um rolê que foi uma das grandes iniciativas do cenário independente brasileiro em 2020.
O show do Aminoácido encerrou um festival que reuniu grande parte da produção musical da cidade, tudo num line up de transmissões que durou 10 dias. Foram 12 bandas, 6 DJ’s, exposições e rodas de conversa. Diria que a galera conseguiu cumprir a difícil tarefa de resumir tudo que rola em Nova Londres. O repertório foi vasto.
Sobre a gig dos caras, bom, é seguro dizer – mesmo que de longe – que o quinteto segue em expansão. À beira de soltar o terceiro disco de estúdio (que vai sair via Tapete Voador) o grupo formado por Douglas Labigalini (bateria), Thiago Franzim (guitarra/vocal), Cristiano Ramos (guitarra/vocal), Lugue Henriques (baixo) e Fábio Tanaka (saxofone), prepara o terreno pra mostrar as evoluções do groove.
Num set cirúrgico e debochado – com direito à mashups capazes de reunir o Parliament-Funkadelic e o Junior (bass) Groovador na mesma mesa de bar, a banda promoveu um sinuoso passeio por seu psicodélico repertório.
Teve lovesong (“Cláudio”) e uma versão cavernosa de “Shrik Tanai”, mas não é só isso. Assistir um show desses jovens meliantes é presenciar uma interação, uma dinâmica e um brilho criativo que emoldura discussões pouquíssimo ortodoxas, sob o luar de uma belíssima instrumentação.
Os elementos funcionam, é tudo muito encaixado… Naquele modelo: com carinho, mas também com safadeza. É o primeiro show que pretendo assistir assim que for possível promover uma aglomeração. Pena que passou tão rápido, mas serviu (e muito que por demais) pra matar a saudade de uma molecada que com certeza vai bombar no seu estéreo (citando o De Leve).
E pra finalizar, gostaria de convidar os senhores à conhecerem um pouquinho mais do que rolou no Festival Barbada, por isso, fiz um resumo de todos os grooves que passaram pelos palcos do YouTube durante esses 10 dias de evento.
Eletroímãs Catalíticos – É o Fusion, mas com um pouquinho de Stax, muito groove e atenção aos timbres, no passinho, respeitando o rebolado. Entrosamento de quem está desde 2003 na cena. É pra bater o pezinho.
De um filho, de um cego – Com mais de 10 anos de carreira, o grupo apresenta um trabalho de composição muito marcante. No groove, o som orbita o Rock, com texturas e harmonias bastante inteligentes.
Etnyah – Um pé no Manguebeat com uma pegada gordurosa no balanço do swing. Soltaram um trampo novo em 2020 (Acerbo). Agora é só apertar play e sair andando de lado.
Caburé Canela – É difícil tentar sintetizar o que esse grupo faz. As referências são muitas e coexistem todas muito bem sob um tear crítico e musical muito bem idealizado. É grandioso, poético e nos faz pensar. Eles valorizam as pausas, a música é lírica, brasileira e de grande sensibilidade.
Rodolfo Rainer – É a MPB com referências da Bossa, numa geral pelo vasto repertório tupiniquim. Outro show que eu imagino fácil numa aglomeração. É pra debochar com os amigos.
Abacate Contemporâneo – O som desse grupo também é bastante peculiar. Eles borram diversas fronteiras, é um groove interdisciplinar. Tem todo um contexto popular e um elo muito forte com as artes cênicas. Aposto um maverick 91 que tu não vai se arrepender.
Matina – Aquele Rock com Rap (e vice versa), sempre embebido em fuzz e fumaça. O famoso som que faz o seu vizinho chamar a policia. É pra ouvir no volume máximo, se possível.
Tiro Williams & The Wild Cowboys – Quem falar que o festival não reservou espaço para o Country, com certeza moscou e perdeu esse show. Música de raiz. Procure saber.
Sala de Estar – Eles soltaram o primeiro EP em 2020. “Meia Luz” é um retrato sincero com um abordagem musical bastante singela e intimista, sempre com ênfase nas brasilidades.
Mama Quilla – Todo festival que se prese precisa ter aquele Reggae na programação. Régue o Reggae, já diziam os jardineiros Rastafari. É pra queimar o corpo de Marley.
Búfalos D’Água – Porra, o Dick Dale ficaria orgulhoso. Londrina não tem praia, mas os Búfalos são autênticos representantes do groove parafina, o famoso Surf Music. É pra ouvir de braçada.
É meus caros, vamos espalhar a palavra e celebrar o que o nosso próprio celeiro de grooves é capaz de produzir, o Festival Barbada. Deixa os gringo pagar pau pra nóis.
Ah, e se você perdeu os shows, dá pra conferir a programação na íntegra, direto no canal do festival. Só clicar aqui e colar no YouTube.
-Festival Barbada 10 anos – mesmo longe parecia que o Aminoácido estava perto
Por Guilherme Espir
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