Mansur Brown e o seu lado experimental em Tesuto (2020) EP do jovem guitarrista inglês apresenta três faixas necessárias
Ouvir música é aceitar um convite para conhecer uma nova visão de mundo. Cada gravação representa um novo passo na corda bamba do rumo artístico e, nesse processo, o peregrino-tocador entra em contato com novas referências e possibilidades de gravação, enquanto mapeia todo esse crescimento e expansão na forma de discos e EP’s.
É tão singelo quanto parece. É um convite mesmo e é muito bom saber que podemos contar com o acalanto do som, enquanto assistimos – de camarote – todas as inovações que músicos como o guitarrista inglês Mansur Brown está aglutinando ao universo musical. Com seu peculiar blend de Jazz, Psicodelia, Hip-Hop, Funk, R&B e Trap, o jovem mostra novas possibilidades para a guitarra.
Ouvi falar do Mansur pela primeira vez em 2016 quando ele lançou um EP como membro do TriForce. Formado por Dominic Canning (teclado/sinth), ele próprio na epiphone, Ricco Komolafe (baixo) e Benjamin Appiah (bateria), o quarteto destilava um Fusion da melhor qualidade e impressionava pela pouca idade dos meliantes.
Mansur na época tinha 19 anos. No mesmo período, ouvi falar dele novamente, dessa vez em função de uma participação num som do Kamaal Williams. Ele que assina “Mansur’s Message”, uma das tracks do chapante “Black Focus”, debutante do duo formado pelo Yussef Dayes (bateria) e o tecladista Kamaal Williams.
Em 2017 Mansur veio para o Brasil como parte do Yussef Dayes Quartet. Foram duas noites memoráveis que ainda contaram com o combo da saxofonista Nubya Garcia, também de Londres. Vale ressaltar inclusive – mesmo com o fim do Yussef Kamaal – que Mansur segue colaborando com ambos separadamente desde o fim do projeto.
O ano de 2018 foi importante. Ano de reafirmação criativa. Seu aguardado primeiro disco solo – “Shiroi” – é liberado pela Black Focus Records – e cumpre a difícil tarefa de resumir o rico repertório de Brown. Em termos de estética, seu som é bastante genuíno e o equilíbrio entre fritação e cadência é notório.
A forma como ele trabalha as texturas e a visceralidade dos solos… Domínio técnico pincelado por uma percepção musical muito apurada e que mostra versatilidade. Existe uma nata capacidade de orbitar diversos contextos ao mesmo tempo, sempre contracenando de maneira marcante e volátil.
Isso ficou claro no disco, principalmente em temas como “Mashita”, “God Willing” e “Me Up”, por exemplo. Mostra facetas que nem seus vídeos ao vivo foram capazes de revelar. Foi um trabalho marcante no calendário e que desarmou os críticos quanto a uma possível sequência.
“It’s My Time”
“Serene”
“Jamilla”
Era de fato muito difícil prever o que Mansur faria. Porém, passados pouco menos de 2 anos, o jovem prodígio retorna com um EP. O formato é mais curto, é verdade, porém o resultado é extremamente atual e revela um artesão em busca de sua própria linguagem.
“Tesuto”, lançado dia 09 de julho – via Soulelection Records – aparece com um novo dialeto imerso no idioma sonoro. Ele segue tocando baixo e guitarra – assim como em “Shiroi” – para construir as bases das propostas, porém, dessa vez, dialoga menos com o Trap.
Em seu lugar, surge um bouquet experimental. Os sons aparecem num contexto ambiente, onde sua guitarra atua como o condutor dos climas. São apenas 3 sons, mas Mansur definitivamente consegue captar o ouvinte em menos de 15 minutos. Sempre minucioso e dessa vez com um estilo econômico, ele valoriza cada nota, principalmente as que deixa de tocar.
Com influência asiática na roupagem – um traço forte de sua essência – “Tesuto” é um registro bastante completo. Esse termo significa teste em japonês e o conceito foi trazer esses sons como um tributo às dificuldades que nós passamos, pensando nos obstáculos como testes. É uma linha mais contemplativa, porém deveras delicada e sutil. Seus ouvidos buscam por cada detalhe.
Na abertura em “It’s My Time”, os arpejos do início escondem o contraponto do baixo, frente aos ácidos licks. A climatização e a batida coexistindo harmonicamente nesse contexto de forma tão orgânica é quase terapêutica. Quando não parece que pode melhorar, Brown sola e mostra sua inteligência para utilizar loops no groove.
Ascendente, “Serene” mostra o tato do guitarrista na hora de montar as batidas. Observe como ele vai acrescentando elementos ao som… É envolvente. Toques de Space Rock temperam o projeto, conforme a guitarra acalma as angústias do seu âmago, num quase poético tilintar de bends.
O silêncio encerra esse ato e ressurge como uma fênix no curto, porém belíssimo encerramento desse capítulo. “Jamilla” harmoniza os elementos como se fosse um sinth. O guitarrista se despede iluminado por ter vencido um novo teste e o ouvinte agradece, energizado e dessa vez com uma nova trilha pra seguir no batente e manter a cabeça não só erguida, mas no lugar.
As músicas falam com o ouvinte. Falaram comigo…
Foi difícil externalizar a ideia e nós ainda estamos conversando. Esse cidadão é especial.
-Mansur Brown e o seu lado experimental em Tesuto (2020)
Por Guilherme Espir
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