Sideral (2020) do Quarto Astral é um convite! Quarto disco do power trio pernambucano nos conduz a um pensamento sobre o futuro do planeta!
Antes de mais nada, viajar através do som, embarcar numa trip cósmica hardheavyprogpsyjazz. Este é o convite generoso que a banda pernambucana Quarto Astral tem a nos oferecer. Em seu quarto disco, o power trio de Jaboatão dos Guararapes, constrói uma plataforma de lançamento sônica. Intrincadamente trabalhada para que pensemos sobre os nossos destinos, enquanto indivíduos habitantes de um planeta rumo a destruição. Sideral (2020) sai pelos selos Abraxas Records e Câmbio Sonoro Rec.
Alem disso, acompanhar o desenvolvimento de artistas é um trabalho fantástico! Quem se dedica a produzir sentido sobre aquilo que ouve, ganha muito ao buscar perceber as trajetórias percorridas. Há exatamente 8 anos atrás os jovens pernambucanos lançavam o seu debut Árvore (2012). Imediatamente se mostravam naquela altura, competentes, criativamente agressivos e cônscios de para onde sua música deveria rumar. Em suma, o que podemos dizer inicialmente é que a passagem do tempo tem aprimorando e expandido os horizontes desses caras.
Todavia, o Quarto Astral tem traçado uma sólida trajetória. Principalmente se considerarmos que a banda se insere num mercado musical ingrato. Ainda mais com bandas de rock que produzem sons autorais e que seguem desenvolvendo a herança setentista. Alem do que o fazem seguindo por um ciclo onde a cada dia bandas revivals pipocam.
Os caras trabalharam o terreno por eles escolhido. Até porque, plantaram sementes e o que podemos ver em seu último lançamento é um fruto pleno e vistoso. Quem os acompanha ao longo dos últimos anos, claramente pode perceber o desenvolvimento e a ampliação paulatinamente conquistados pela banda. Assim como as influências recebidas, a consistente singularização cada vez mais radical do seu som e dos temas trabalhados.
Portanto, todo esse movimento é facilmente percebido na continuidade dos seus discos. A partir do lançamento de Quarto Astral na Quinta Dimensão (2014), que já estendia retrabalhando músicas do disco anterior. Podemos dizer que os caras literalmente foram decolando. Contudo, como ressaltamos acima,uma decolagem consciente e trabalhada. Processada pela invenção e pelo domínio crescente dos meios técnicos e artísticos nos quais se inseriram.
Acima de tudo, essa decolagem se traduz por uma sonoridade que amalgama mais e melhor elementos do hard, do heavy psych, do rock progressivo e nuances do jazz. Além disso, suas composições vem desenvolvendo temas interessantes. Temas que vão do questionamento radical das nossas formas de ser, desenvolvidas de modo autodestrutivo na contemporaneidade até as perguntas fundamentais sobre o ser. Como resultado,nesse último movimento, chega até questionamentos sobre o destino do nosso planeta e consequentemente sobre o nosso futuro enquanto espécie.
Todavia, essa caminhada é solidamente alicerçada. Podemos ir além e dizer que é técnica e filosoficamente bem estruturada. Chegando agora ao seu ponto máximo. Nesse sentido, este movimento parece nos ligar perfeitamente à sequência que une temática e musicalmente Fenda Uni-Verso (2016) a esse recém lançado Sideral (2020). Sem se apoiar em referências diretas, o Quarto Astral possui sonora e intelectualmente sua base na contracultural. Tal qual ela se manifestou de modo arrebatador nos anos 60 e 70 do século passado. Contudo, como queremos reafirmar aqui, sem produzir um caldo requentado.
Não há dúvida, esses caras adquiriram um primor técnico ao longo dos anos. Nunca se desvirtuaram para o virtuosismo. Ao contrário disso, o colocaram acertadamente na potência criativa em favor da música. Existe ainda a capacidade de virtuosamente atualizar possibilidades. Estas que estão pairando no virtual e que ganham na música do Quarto Astral o aconchego e o carinho necessário. Dessa forma, toda a herança da contracultura e do seu pensamento estão ali vitalmente presentes.
Esse traço presente em todos os seus discos, alcançou um ponto chave em Fenda Uni-Verso (2016). Obra que inclusive remetíamos, nos temas tratados ali na resenha, aos filósofos originários da Grécia Antiga.
Sim, é muita viagem caro leitor. Porém está muito longe, anos luz de distância da caricatura escrota que se tornou a imagem de roqueiros cabeludos tratando de temas desse nível. Bruno Brandão (baixo), Marcelo Rangel (voz e bateria) e Thiago Brandão (guitarra e voz), convidam a todos e todas a perceberem o quanto o rock – sem tintas ou nenhum verniz modernoso – pode ainda ser uma estrutura solidamente contestadora, reflexiva, agressiva e bonita. O clipe de Jornada, é um desses petardos que não deixam ninguém mais no mesmo lugar. Ainda mais após o primeiro contato, isso obviamente se essa pessoa já não estiver irremediavelmente embotada.
Além do mais, as 4 suítes que compõem Sideral (2020), constroem-se de uma forma irresistível! Diríamos que a construção fica numa fronteira entre o prog e o jazz. Numa linha borrada, preenchida por muita agressividade hard e eivada de psicodélicas paisagens que nos dão o tom da viagem. Um espaço desenvolvido sonoramente por esse combo incrível formado pela trindade guitarra, baixo e bateria. Preenchido pelas poesias de “fundo” na voz de Thiago.
A mixagem da voz por trás dos instrumentos, é um excelente recurso utilizado pelos caras. Além do que corrobora a ideia de um questionamento feito rumo ao espaço. Feito no vácuo de problemas que se repetirão em qualquer lugar do universo. Até onde a humanidade seja capaz de chegar. Esse aspecto é muito bem delineado pelos caras. Parece-nos muito próximo do que de melhor é produzido pela ficção científica, seja no cinema ou na literatura. Por assim dizer, é um aviso sobre quaisquer ilusões sobre futuros em novos planetas.
Dessa forma, toda a máquina destrutiva que possibilitará uma possível exploração de outros mundos universo a fora, levará, arrastará consigo uma constituição ético-política. A mesma que nos colocou na situação de em poucos séculos destruir irremediavelmente o nosso planeta. Portanto, esse é o pano de fundo discursivo presente em Sideral (2020). Desse modo, através dele, o Quarto Astral constrói sua música. Mantendo, todavia, a consciência planetária cônscia da história, do presente e das impossibilidades/necessidade de invenção para que haja um futuro.
Em suma, toda a força musical presente nesse disco vem dessa consciência. Desenvolvida ao longo desses anos, através do domínio criativo e técnico das caixas/gêneros musicais e de suas linguagens. Fazendo com isso do Quarto Astral uma ilha criativa, questionadora e produtora de uma paisagem sonora e conceitual realmente relevante. Se permita entrar nesse Quarto Astral e sentir tudo isso que Sideral tem a lhe oferecer.
-Sideral (2020) do Quarto Astral é um convite!
Por Danilo Cruz