4 Cavidades, 1 Coração (2003), muito mais que um Split, a reunião da Lumpen, Viver Mata, Afraid of Life e Node (Nothing to Declare)
Esse Split poderia facilmente receber apenas uma nota no Baú Dududu quando eu me deparar com ele nas visitas que faço a meus discos, e com certeza isso será feito. Porém, não estamos falando de um simples Split CD, “4 Cavidades, 1 Coração” é nada mais, nada menos, que o melhor Split CD já lançado no Nordeste, e como Nordeste é meu país, por tabela o melhor Split já lançado no país.
Lançado em 2003 pelo selo Estopim Records, ou seja a 17 anos atrás, o Split Cd reuniu 03 bandas soteropolitanas e 01 banda de Blumenau/SC em 24 faixas do melhor do hardcore em suas diferentes faces.
De pronto você sentia a diferença daquele Split pela capa. Era uma capa de papelão em uma arte tão delicada elaborada por Jonas Pacheco, eu não sei como é o nome daquela técnica, mas parecia que o bagulho tinha sido feito em carvão saca? Um primor! Eu guardo com carinho minha cópia para que o tempo não desgaste tanto.
Outro ponto positivo é que parecia que você estava comprando 04 EP’s, ao invés de um Split. O encarte vinha nessa pegada, separado em 04 partes, onde ali você poderia ver as letras e contatos de cada banda. De fato, se cada banda quisesse lançar por si um EP seriam 04 EP’s de altíssimo nível, que bom que decidiram reunir tudo em um único lançamento, pois essa união que faz esse disco ser tão relevante e maravilhoso.
Por conta dessa divisão do disco, vou tratar aqui nesse texto cada banda em separado:
Viver Mata – A melhor banda do mundo.
Fabiano Passos não poderia ter organizado de forma melhor esse Split, desde a seleção das bandas até a forma como foram separadas no disco. Ele simplesmente se inicia com a melhor banda do mundo, o que prende o ouvinte e faz com que queira descobrir todas as 24 faixas do álbum.
Viver Mata foi uma banda de curta carreira, composta por: Mariana (bateria), oriunda da banda Dirty Dolls; Gustavo (Baixo); Marcelo Adam (Guitarra), que tocou em diversas bandas da cena hardcore local, atualmente na Aphorism; Jubaleo (Guitarra), também teve passagem por diversas bandas locais, inclusive a clássica Dever de Classe, onde segurou na bateria e Paulo Meireles (vocal), atualmente vocal da Aphorism, mas também com um largo currículo de bandas fodas.
Sem sombra de dúvidas com essas pessoas se reuniram elas não tinham ideia da dimensão do trabalho foda que iriam nos deixar de legado. Sim, acho que até sabiam do grande potencial da banda, mas nem de longe poderiam imaginar que essas 06 músicas seriam as melhores coisas musicadas no universo.
O disco começa com a faixa que se tornaria o hit da banda, “Flores e Sangue”, seguindo por “O último recital”, “360=0”, “Prejulgando o silêncio”, “Soluços” e “Fadiga”, com letras de vocábulo rebuscado, carregadas de sentimentos e de riffs e melodias que harmonizam de forma bela com cada palavra vomitada, como se tirasse um peso do coração, por Paulo.
Viver Mata é de uma intensidade tão única que já se passam 17 anos que essas faixas foram lançadas e, ainda hoje, quando eu ouço “360=0” ou “Prejulgando o silêncio”, ainda rola o aperto no coração, o nó na garganta e olhos marejados. Sim, agora estou escrevendo, ouvindo e me sentindo assim. Esse poder que torna a Viver Mata a melhor coisa que você vai ouvir, ler e se emocionar.
A discografia da banda se resume a essa seis faixas, também não foi uma banda de muitos shows, nunca saiu do Estado, foi aquele diamante bruto jamais lapidado, que ficou guardadinho em nossa tão bela cena hardcore.
Marcelo Adam, agora, nos fez o favor de disponibilizar essas faixas e as demais do Split no novo mundo, onde as pessoas ouvem músicas assim, através de aplicativos. Obrigado por isso, agora as pessoas poderão descobrir que passaram toda uma vida ouvindo coisas que não chegam aos pés dessas seis músicas da Viver Mata.
Lumpen – Um compilado de coisas boas.
A Lumpen era uma banda nova quando do lançamento do 4 Cavidades. Sucessora das bandas Sem Acordo e Ideafix, a Lumpen apresenta-se nesse Split com um pouco dessa herança de bandas anteriores.
Se no disco “Para sua segurança, você está sendo filmado. Sorria”, a Sem Acordo estava “Sob os caminhos da incerteza”, a Lumpen vinha “Sobre o caminho das incertezas”, mas sem abandonar músicas marcantes de outrora, como “A Fome”, também regravada. Outra versão feita pela Lumpen foi da faixa “Minha vida em minhas mãos”, da banda Scooter Brigade, a qual Fabiano Passos e Robson “Veio” faziam parte.
A Lumpen nessa gravação foi composta por João Paulo (Bateria), atualmente baterista da Zuhri; Lucas Galvão (Baixo); Fabiano Passos (Guitarra), atualmente responsável ao lado de Marcelo Adam pelo Estúdio Rosa e também membro da Rosa Idiota; Robson “Fofinho” (vocal), que além da Lumpen fez parte da Adcional e Mais Treta, muito conhecido na cena underground por seu excelente trampo de tatuagem; e Robson “Veio” (Vocal), que além de ter passado por diversas bandas da cena hardcore, também é peça chave na cena rap local.
Essas pessoas além de terem regravado as faixas acima citadas, lançaram nesse Split as músicas “Coisas”, “Zonas de Processamento para Exportação” e “Despertando”. A Lumpen foi a banda da cena hardcore local com maior influência na cena de outros estados, sendo assim uma das mais relevantes bandas de nossa cena, tanto pelo teor político de suas letras, como pela postura contundente.
Se o hardcore por vezes estava muito burguês e embranquecido, com preocupações mínimas, a Lumpen surgia para pintar ele de preto e puxar para razão, que é o hardcore com viés político. O surgimento da Lumpen para o mundo está no “4 Cavidades, 1 Coração”.
Afraid of Life – Desconhecidos, porém bons pra caralho.
Acho que a maioria das pessoas que adquiriram o Split quando do seu lançamento o fez por alguma das 03 bandas locais, ou por todas elas. Ganhamos um brinde.
Fabiano, de forma inteligente, trouxe uma banda de fora da cidade para participar desse Split, o que nos proporcionou conhecer algo novo de outra cena. Apareciam aqui os meninos do hardcore de Blumenau.
Com Gabriel (Bateria), Roberto (Baixo); Jimi (Guitarra) e Luis Fernando (vocal), um cara que já passou por diversas bandas, tais como Nunca Inverno e atualmente no Time and Distance, o Afraid of Life botava as caras em terras baianas, desembarcando aqui em forma de música com seus 06 sons.
“Intro/Corvos e Serpentes” abrem a participação dos caras, seguidas de “Vermelho”, “Drama”, Âncoras e Perspectivas”, “Inertes Corações” e finalizando com “As únicas paisagens”. A face apresentada pela Afraid of Life é carregada de melodias, com um baixo marcante e também com sentimentos a flor da pele, essa é uma característica desse Split, tem muito sentimento e muita verdade em cada uma das bandas.
Com Sing Alongs pra dar e vender, a banda deixa transparente a influência de bandas hardcore oldschool, o que gera uma mescla bem interessante entre a parte mais melódica com a fúria do hardcore velha escola.
Destaco, desde sempre, que a melhor música é “Inerte Corações”, essa pode colocar no repeat. Sem esquecer de passar para próxima banda, que fecha com chave de diamante esse Split.
Importante: Não confundir com a banda Straight Edge gringa homônima.
NODE (Nothing to Declare) – Quem não teve uma camisa da NODE bom sujeito não é.
“Yahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh….”
Assim começa a participação da NODE, uma banda responsável por levar os tipos mais estranhos de pessoas para seus shows. Os caras conseguiram levar do melódico ao headbanger, passando pelos braus, maconheiros, Straight Edge’s, a porra toda curtia NODE. Mas como os caras conseguiram tamanha proeza?
Primeiro, a banda era boa pra caralho!!!! Depois, a NODE fazia um hardcore rápido, com influências de metal, mas sem ser aquele metalcore chato e nojento. Dava pra catar ficha, mas também rolava de degladiar gostoso, dar umas pogadas e até mesmo fazer um circle pit maroto. E por fim, os caras eram bem articulados, pessoas boas mesmo de se parar para trocar ideia. Tudo isso fazia com que todo mundo curtisse a NODE, e por consequência vestisse a camisa da banda literalmente, sobretudo para passear no Iguatemi às quartas feiras ou no Aeroclube aos sábados.
A banda era formada por Robertinho (Vocal), que vinha da Dix, banda já conhecida no cenário daquela época. Robertinho também fez parte das bandas Contenda e Hoje Você Morre; Caio (Guitarra), um tipo metaleiro de cabelão, mas com um amor de ursinho carinhoso, não à toa tocou no grupo OsNotabaxa; e os irmãos Gagli’s, Rodrigo (Bateria) e Rogério (Baixo), que atualmente fazem parte da Ivan Motosserra, mas já tocaram nas mais diversas bandas do underground soteropolitano.
A discografia da NODE também se resumiu a esse lançamento, dizem por ai que há indícios de uma gravação que nunca saiu, se eu metermão eu poco nas redes sem ideia. Mas fato é, foram 05 clássicos lançados, com direito a um cover de uma das melhores bandas Straight Edge do Brasil: Point of no Return, inclusive a banda finaliza o disco com essa justa homenagem, onde executaram a música “Resposta a Sangue e Fogo”. Verdade seja dita, ouvir “Resposta a Sangue e Fogo” pela NODE sempre foi mais legal que ouvir pelo Point.
Outro ponto interessante, pelo menos no meu disco é que veio com uma falha. Na música “Deus, Pátria e Família”, no meio dela, corta para o cover do Scooter Brigade, da Lumpen. Deve ser por causa de minha ultraconvicção straight edge. XXX
A banda ainda lançou no 4 Cavidades as músicas “Nada a Declarar”, “Ressaca da Ambição”, “Dor, Terror e Violência” e “Não caia nesse mundo”.
Com essas palavras eu tentei passar um pouco da relevância que o 4 Cavidades, 1 Coração (2003) e dessas bandas para o hardcore nacional, ou pelo menos para o hardcore do nosso país, o Nordeste. Se vocês jamais ouviram falar delas, pare um pouco do seu precioso tempo e ouça. Isso aqui é parte da história de nossa cena, merece total atenção.
-4 Cavidades, 1 Coração (2003), muito mais que um Split
Por Dudu
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