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Rejoice – a canonização de Tony Allen & Hugh Masekela

Rejoice – a canonização de Tony Allen & Hugh Masekela, mas também uma celebração de dois dos grandes da música africana!

Demorou 10 anos, mas saiu. Esse foi o tempo de incubação de “Rejoice”, disco colaborativo entre 2 dos maiores alicerces da música negra em todos os tempos. Lançado no dia 20 de março de 2020 – via World Circuit – o projeto do Hugh Masekela com o Tony Allen é sem dúvida um dos grandes lançamentos do ano e, mesmo sem esse objetivo, é ainda mais marcante por ser o último registro em vida do Tony Allen, mago negro que saiu deste plano em abril de 2020.

O Hugh Masekela – vale lembrar – mudou de dimensão em janeiro de 2018. Esse acontecimento foi o estopim para que Tony vasculhasse seus arquivos gravados em Londres. Foi em seu Q.G., enfurnado em pilhas com dezenas de fitas recheadas de material inédito jamais lançado, que a chama de “Rejoice (2020)” foi reacendida.

Sempre ativo, pesquisando, à procura do próximo groove, Tony seguiu. Já com o material dessa sessão em mãos, o nigeriano pensou em como dar forma para a história que foi contada e eternizada nas fitas. Juntos, Tony e Hugh gravaram algo que percorre grande parte das nuances envolvendo o ritmo no contexto da música africana.

 

Allen é made in Nigéria. Foi um dos arquitetos do Afrobeat… Definiu sua estética e relevância. Hugh, por outro lado, nasceu numa quebrada mais longe. Na África do Sul, o futuro trompetista groovava de um jeito diferente. Seguia a escola mbaqanga e suas ramificações com raiz na música zulu, além de outras variações. Em comum eles tinham a África na palma da mão e um conhecimento sobre os regionalismos que sempre foi algo intrínseco à arte de ambos.

O Tony sempre associou suas referências musicais aos seus trabalhos, com o objetivo de promover o legado histórico não só de Lagos, mas de toda a Nigéria, à partir da valorização do Afrobeat e sua importância história. O Hugh fazia a mesma coisa, mas com a diferença regional e dos subgêneros que lapidaram a estética da música na África do Sul, além de contribuir com sua visão Jazzística em meio a todas essas referências.

Pra fazer tudo isso funcionar musicalmente, principalmente em termos de interação, eis que surge o Jazz como linguagem comum entre ambos. Como o projeto foi gravado há 10 anos atrás, Tony precisou atualizar o contexto do som. Pra isso, chamou alguns dos maiores meliantes da contemporânea cena Jazz de Londres. Foi com o Joe Armon Jones (Nubya Garcia/Ezra Collective) nos teclados, Mutale Chashi (baixista do Kokoroko), além do saxofonista Steve Williamson (Chris McGregor), que ele apertou um F5 nas demos e atualizou o batuque.

Track List:
Robbers, Thugs and Muggers (O’Galajani)
Agbada Bougou
Coconut Jam
Never (Lagos Never Gonna Be The Same)
Slow Bones
Jabulani (Rejoice, Here Comes Tony)
Obama Shuffle Strut Blues
We’ve Landed

Foi com essa gangue que o baterista chegou no estúdio e fechou o disco ao lado do Nick Gold (Buena Vista Social Club, Oumou Sangaré, Ali Farka Touré). Foi um grande tributo e ao mesmo tempo é uma celebração.

Eles resgataram uma sessão de 2010 – gravada em apenas 2 dias em Londres – com todo o material dos takes originais sendo pensado – em termos de composição – sem que nada fosse de fato escrito, tudo na hora: plug and play. Essa espontaneidade e o caráter orgânico dos detalhes que circundam a rica audição de “Rejoice (2020)” acaba sendo a tônica do disco, principalmente em termos de dinâmica.

A abordagem do Tony é sentar no cockpit da bateria e promover a condução. A linguagem Jazz do Hugh acaba trazendo todo o acabamento melódico e harmônico, mas o que torna o disco irresistível é a forma como Tony preenche os espaços e é influenciada pela linguagem de Hugh e vice versa.

 

Essa troca, essa intersecção, é isso que faz de “Rejoice” uma gravação especialíssima. É apertar play e sentir a aura. Espiritual desde a abertura, com”Robbers, Thugs and Muggers (O’ Galajani), reparem na forma como até o vocal vira um elemento rítmico em função da fonética. O baixo acústico do Mutale Chashi é deveras marcante durante toda a gravação.

Um trabalho quase que 100% instrumental, “Rejoice” oferece muitas possibilidades. Em “Agbada Bougou”, a dobrada do sax com o trompete e a acentuação categórica de Tony ditam o ritmo. Em “Coconut Jam”, Masekela ilustra um cabuloso groove de Tony com insulares visões ao trompete. Sempre repleto de feeling, leve, limpo e intenso, suas linhas parecem pincelar uma tela, enquanto a cozinha surge com todas as respostas na ponta das baquetas.

E o frescor do som é extremamente cativante. Os teclados de Joe Armon Jones harmonizando “Never (Lagos Never Gonna Be The Same)”, trazem uma vibração belíssima ao som. O pocket que o Tony manda na bateria é digno de entortar uma viga e conforme o caldeirão de ritmos esquenta, a dupla parece se descolar do restante do grupo. Musicalmente parece que ambos flutuam, enquanto prestam tributo ao brilhante Fela Kuti.

O Jazz fez muito bem para esse disco. O acabamento é muito bonito. E é imerso nesse rico tear instrumental, que Hugh sempre se rebela e surge com pungentes incursões, como na marcante “Slow Bones”, seu mea culpa em “Rejoice”.

Mas é em “Jabulani” que a panela de pressão atinge outro nível. O baixo, bateria e trompete já aparecem num boogie imediato depois do play. A marcação do som e o retorno dos vocais trazem um clima quase etílico, enquanto a bateria parece acompanhar o Jazz Messengers.

E é no gogó instrumental que a dupla fecha a conta. É com o Blues mais nigeriano que você vai ouvir em 2020 (“Obama Shuffle Strut Blues”) que Masekela e Chris McGregor encaminham o fim do disco com um belíssimo entrelaçar metálico. A interação de ambos é muito marcante e blinda o som dos metais em conjunto com grande solidez durante toda a gravação.

O tema derradeiro deixa isso claro. “We’ve Landed” é capaz de sintetizar o conceito. É uma parede de som intransponível, sendo levantada e derrubada, take após take. Com a malandragem de 2 monstros sagrados que conhecem cada trecho do campo, Tony e Hugh cozinham na plenitude do domínio musical, enquanto a cena de Londres se desdobra – com louvor para acompanhar.

São pouco menos de 40 minutos de som, lindamente distribuídos em 8 gemas. O disco é tão verdadeiro que chega a ser inspirador. É a essência de 2 grandes eremitas do som, que peregrinaram o globo terrestre resistindo e lutando e por sua própria verdade.

É digno de aplaudir depois que acaba.

-Rejoice – a canonização de Tony Allen & Hugh Masekela

Por Guilherme Espir 

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