Derrube O Muro “Ganguerage Hits” reúne o que há de mais explosivo dessa banda que não deixa pedra sobre pedra!
O muro como uma metáfora opressora.
Derrube O Muro é muito mais que o nome de uma banda, é um conceito. Sabemos que conceitos são elaborados para nos permitir enxergar o mundo que nos cerca a partir de outras perspectivas. Portanto, o conceito é uma das ferramentas que nos ajudam a derrubar os muros construídos pelas instituições sociais para nos aprisionar.
Em suma, há muitas formas de se estar aprisionado e as prisões mais eficazes são invisíveis. Quando nascemos muros já foram levantados, as celas já estão prontas à nossa espera.
São celas cujos muros são construídos pela família, pela comunidade, pelos amigos do bairro, pela escola, pelo patrão, pela universidade, pela tv, pelas mídias sociais. Estes muros sobem ao nosso redor através da manipulação do nosso pensamento. Logo, são as instituições sociais fazem isso, dentre as quais está a família. Portanto, são nossos pais os primeiros a cumprir essa função de “pedreiros” ideológicos. A fazem de modo tão eficaz porque não sabem que servem a um manipulador maior, cujas mãos, também invisíveis, puxam os cordões que os colocam em atividade.
Dessa forma, para colocar esses muros abaixo precisamos de agentes externos que, tal qual Morpheu, nos despertem para a realidade aprisionada na qual vivemos. Simultaneamente, a ideologia das elites econômica e política, os muros levantados pelas instituições sociais, precisa ser atacada, o que só é possível estabelecendo novas relações sociais. Ou seja, entrando em contato com modos de viver e pensar contrários a esta ideologia oficial, que está muito bem sedimentada nas estruturas da sociedade na qual vivemos.
Gêneros artísticos como o hardcore cumprem essa função de atacar sistematicamente os mecanismos de controle social. Dentre os quais está a ideologia das classes dominantes. Deste modo, precisamos entender que o hardcore não pode se dar ao luxo de falar de outro tema que não seja a crítica à dominação e exploração das classes populares. Isso porque não podemos baixar a guarda. Já estamos sendo surrados com elas levantadas. Portanto, o hardcore deve se manter engajado, cumprindo sua natureza originária que é revolucionária, no sentido mais visceral do termo.
Afinal o hardcore é um estilo de vida, está muito além de ser um gênero musical. Definitivamente não se trata de um som pra se ouvir de forma contemplativa. Músicas do hardcore tem que ser ouvidas pra inflamar os instintos, fazer ferver o sangue. Enfim, fazer perceber que se você nasceu no seio de uma família assalariada, você nasceu sob o julgo de um sistema elaborado para explorar sua força vital.
Justamente por ser um estilo de vida, o hardcore constrói um outro modelo de existência. Mostra que novos valores podem ser construídos, valores que potencializam sua existência. Desse modo, estes valores permitem que você se junte a outros, que assim como você, desejam viver de uma forma diferente daquela que fora planejada para você.
O caráter nômade e comunitário de uma banda de hardcore
Quem conhece a Derrube o Muro e conhece sua trajetória sabe que não se trata de uma banda no sentido tradicional do termo. Tanto que não é possível aqui elencar uma formação da banda. Isso ocorre pelo fato de ser uma banda em constante movimento. é uma banda nômade. Desse modo, podemos usar duas imagens pra definir a Derrube o Muro. O primeiro é o da caravana uma instituição dos povos nômades. A outra é a crew ou banca ou bonde ou mesmo família, termos usados para definir grupos de hip hop, por abrigarem inúmeros componentes e diferentes estilos do gênero.
Desse modo, a Derrube O Muro comporta ambos os conceitos. Em torno da banda giram muitas outras. Justamente por serem nômades, os membros da banda sempre estiveram “viajando” para diferentes “regiões”. Assim sendo, estabeleciam interações com outras pessoas, parte de outros seguimentos. Logo surgiam outras bandas. Orelha Seca, Antiporcos, Ivan Motosserra, Aplastar, Rosa Idiota, estão entre as bandas criadas pelos nômades que fizeram parte da Derrube o Muro.
Em síntese, a Derrube o Muro nos mostra uma compreensão ampla do que seja o hardcore. Dessa maneira, o estende a todas as esferas da sociedade. Vemos a partir da experiência da banda, o hardcore como um tipo de existência, uma vez que abrange inúmeras dimensões da vida em sociedade. Temos a dimensão artística, estética, política, social, humanista, cultura, etc. Somos colocados diante de uma compreensão que articula as relações, que constrói uma cena social para além da música. Mas no qual a música é um dentre os elementos que a compõem.
Quando esses caras se juntam e formam uma banda chamada Derrube O Muro, estão fazendo muito mais do que compor músicas pra fazer a galera se divertir. Claro, as músicas servem a este propósito também. Não há transformação sem diversão, já nos ensina o filósofo das ruas. Antes de mais nada os caras estão passando uma mensagem de que é necessário demolir os muros que nos aprisionam. De acordo com o que está presente nas letras e na sonoridade agressiva da banda. Nesse sentido, as músicas servem para nos munir dos elementos necessários pra iniciar esse processo de demolição.
Demolir muros cujas estruturas estão muito bem alicerçadas exige grande quantidade de energia. Pra encontrá-la nada melhor que adrenalina, e uma boa dose de raiva direcionada ao alvo certo. Pra isso a sonoridade dos caras é eficaz. Ainda mais aliada às letras diretas e fortes. O que foi dito até aqui sobe a metáfora do muro, sobre o estilo de vida hardcore está muito bem expresso nas música da Derrube o Muro.
A banda através de suas músicas
A coletânea Ganguerage Hits compila as músicas que cobrem toda trajetória da banda e permitem conhecer nos detalhes a identidade da Derrube O Muro. A faixa que abre o álbum, Alegria da Escravidão / Vomitando parte do asco que sinto por você aborda a vida levada sob o enquadramento dos muros. Mostra a cruel condição de quem está imerso na realidade construída por seu opressor para seguir explorando, que chega a se satisfazer com essa “felicidade” que lhe é empurrada guela abaixo. Esfrega-se a realidade na cara do indivíduo que se encontra nessa condição pra que ele a encare de frente. Ficamos na torcida pra que surta o efeito esperado.
De olhos bem abertos e Inimigo Meu complementam essa crítica. Justamente por conterem o desvelamento da real condição em que nos encontramos, que exige posicionamento e ação, bem como por apontar os responsáveis por perpetuar nossa condição de explorados. Força e Poder leva isso mais a fundo ao colocar força e poder como instrumentos de dominação que subvertem nossa percepção acerca da realidade. Consequentemente fazendo com que nos comportemos de modo a perpetuar uma estrutura que nos oprime.
A faixa Velha Escola, Nova Escola é uma busca pela articulação das visões da cena a partir do encontro de diferentes gerações. Nada mais esperado que ocorrer conflitos entre membros de gerações diferentes seja qual for o contexto. Interessante, contudo, é haver o entendimento de que a compreensão diferente do que é a cena e como ela deve caminhar, não pode enfraquecê-la, pois no final das contas há um ponto em comum, mantê-la viva. Ainda mais por ela se apresenta como espaço de existência possível e alternativo àquele pré moldado para o qual as instituições nos induzem a adotar.
As faixas Ex Amigo e Amizade exploram esse universo, complementando a questão já presente em Velha Escola, Nova Escola. Sendo uma cena sociocultural que depende da coletividade, construída pela articulação conjunta das pessoas interessadas em que ela exista, a cena underground precisa que haja camaradagem. Portanto, faz-se necessário o afastamento daqueles indivíduos que não conseguem colocar seus interesses particulares em prol do interesse em comum.
Daí chegamos à faixa que inspirou o nome da banda, Derrube o muro que nos separa. A ideia passada pela letra é justamente a de que precisamos nos unir a fim de buscar a criação de condições melhores para viver em comunidade. Nesse sentido, o interesse do indivíduo não pode ser estabelecido em detrimento do interesse coletivo. Se você não está interessado em pegar a marreta pra derrubar os muros que nos aprisionam a partir da compreensão individualista do mundo, pule pra outro galho.
Há o alerta sobre comportamentos e atitudes que corrompem a resistência criada para combater a estrutura opressora. Vemos isso em O sonho do oprimido em ser o opressor. Essa é uma ideia “plantada” nas mentes de quem tem origem nas classes populares e que é um eficiente dispositivo de manutenção do sistema. Entender a realidade opressora como uma condição existencial “natural”, bastando seguir os mandamentos da meritocracia pra mudar sua posição no tabuleiro social.
Manobras como essas nos colocam como agentes, mesmo que indiretamente, da destruição. Ladeira Abaixo chama atenção para o fato de estamos rumo à extinção da raça humana, ao menos da parte dela que não terá condições estruturais de sobreviver em um planeta super aquecido, carente de recursos hídricos, bem como de recursos naturais de toda espécie.
Não podemos esquecer que só nós, oriundos das classes populares, seremos afetados, os membros das elites, das elites de verdade, não da classe média tradicional, ficarão de boa, lá do topo, nos olhando rolar ladeira abaixo e nos espatifando num chão insalubre e nocivo.
Ganguerage Hits reúne a produção autoral da Derrube o Muro ao longo de sua história, que ainda está sendo contada. Certamente, em algum momento mais adiante, haverão novas reuniões, que renderão shows e quem sabe, se tivermos sorte e os caras na vibe, músicas inéditas. Enquanto isso não rola vamos aumentar o som e dar o play nessa porra!!
A caravana/ banca/ família Derrube o muro são:
Bateristas: Jana, Joff, Diogo Gomes, Rodrigo Gagliano.
Baixo: Doriva, Vladmir, Gabriel Gomes.
Guitarra: Rodrigo Gagliano e Diego Pereira.
Vocais: Vladmir, Doriva e Dudu.
Formação dos shows de reunião:
Bateria: Adriano Pansera e Rodrigo Gagliano
Baixo: Gabriel Gomes e Diego Martins
Guitarra: Rodrigo Gagliano, Anibal Esteves e Monstrinho
Vocais: Doriva e Dudu
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