O Black Alien do passado continua mudando o futuro, ano do Macaco ao vivo: nos dando o flow necessário para seguirmos resistindo
Ver o Black Alien no auge é uma dádiva. Observar sua nada linear caminhada rumo ao sucesso foi um conto épico com passagens que até mesmo quem viveu pode desacreditar. Aos 48 anos de idade, Gustavo voltou, venceu a si mesmo e reabriu a caixa de Pandora.
Foram quase 11 anos entre o lançamento do “Babylon By Gus – Vol. I: o ano do macaco” – liberado em 2004 – e sua sequencia, com o volume II: “no princípio era o verbo“, já em 2015. Nesse retorno em primeiro ato, Black voltou repleto de participações especiais e utilizou a longa tour do disco pra voltar à velha forma.
Quatro anos depois – já em 2019 – arrebatou a crítica com seu terceiro disco de estúdio – “Abaixo de Zero Hello Hell” – e dai pra frente acho que é isso, o meliante não precisa provar nada pra ninguém, só que nem por isso ele pendurou o caderno de rimas.
É uma história muito bonita e que inclusive o Oganpazan contou com detalhes quando resenhou o “Hello Hell” e entrevistou o Mister Black ano passado. E com um discasso desse nível debaixo do braço, 2020 prometia muito para o carioca, ainda mais depois de ganhar o prêmio de melhor disco do ano das mãos da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte).
Pra aproveitar o embalo, o mestre de cerimônia marcou uma tour que, assim como todas as outras, precisou ser cancelada em função da pandemia do novo Coronavírus. Mas é justamente quando ninguém espera nada do Bombeiro da Babilônia que ele aperta o REC e vai buscar o MIC. Promovendo o seu menor intervalo da carreira – entre a gravação de um disco e outro – Gustavo de Nikiti lançou “Babylon By Gus Vol. I – o ano do macaco (ao vivo)“, o primeiro registro live da sua carreira, lançado no dia 30 de junho.
Track List:
“Mister Niterói”
“Caminhos do Destino”
“Babylon By Gus”
“U-informe”
“Como Eu Te Quero”
“Umaextrapunkprumextrafunk”
“Estilo do Gueto”
“Primeiro de Dezembro”
“Na Segunda Vinda”
“Perícia na Delícia”
“América 21”
“From Hell do Céu”
Num momento onda a nação brasileira é assolada pelo Coronavírus, o conteúdo desse disco é de extrema valia. Ouvir a pulsação da plateia do Circo Voador é toda a glicose que nós precisamos pra seguir com a cabeça erguida, dia após. Mesmo sem Ministro da Saúde. Mesmo sem Presidente e num governo que parece estar emulando um eterno estado de sítio desde seu início.
Liberado pela Extrafunk Extrapunk – em parceria com a Altafonte – o play é primoroso. Gravado no dia 23 de novembro de 2018, numa performance no mínimo inspirada, Gustavo manda o ano do macaco na íntegra e mostra a força incandescente de um repertório que está eternizado na história do Hip-Hop nacional.
E é bonito ver como o criador desse universo expansivo não fecha as portas para o Gustavo do ano do macaco, este sim com os bolsos cheio de pino – diga-se de passagem. É uma cabeça muito diferente do consciente rapper que há mais de 25 anos leva palavras de esperança e sabedoria pra geral, sem distinção de CEP, cor ou credo. Basta plugar os fones.
É nóis por nóis, sempre foi e não é de hoje, mas nos últimos meses ficou claro que o buraco é mais embaixo e são lançamentos como esse que nos ajudam a suportar esse momento. Falo da saúde mental mesmo, teve muita gente que só levantou da cama no dia 30 de junho por que estava ouvindo esse disco.
Eu fui um desses corpos que se sentiu energizado por essa gravação e precisava dizer. Vale ressaltar que o trampo também foi filmado e que o show completo já está disponível em sua totalidade, fatiado em takes, logo ali, no Youtube. São pouco mais de 44 minutos de Ragga Muffin enfumaçado, então vai sem afobação, respira e dá um-dois no Kunk pra sentir o baque.
A coragem de quem conhece a força de seu próprio espírito. Inabalável desde o começo, antes de ser o Mr. Niterói personificado. Quem não entra “Caminhos do Destino” cantando: 1900 e 2004, Babylon By Gus Vol. I: o ano do macaco, Mister Black”, simplesmente não viveu.
A galera já ouriçada com a intro no beat de “Babylon By Gus”… E a pressão da lírica bereta em U-informe? Tem Lovesong – pra provar que vagabundo também ama – em “Como eu Te Quero” e aquele dosa de Raprockandrollpsicodeliahardcoreragga, assim que os graves de “umaextrapunkprumextrafunk” tocam as caixas.
Viajamos pra 96 com “Estilo do Gueto” e sentimos o gosta da malandragem rumo à ascendência social no crime, bem ali, ao som da pólvora de “Primeiro de Dezembro”. É muito flow, muita ideia, inglês, português e um mar de referências que se conectam como um hub de hiperlinks.
Sempre metralhando, mas absolutamente prudente, Black parece até ganhar fôlego extra quando entoa “Na Segunda Vinda”. Sedutor em “Perícia na Delícia” e tão direto quanto um soco na ponta do queixo nas camadas fumês de “América 21”, Gustavo, Black, Mister Black, Niterói ou Gustavo de Nikiti se confundem entre si, num insular ecossistema de heterônimos da rima.
Um poeta apaixonado e sensível à escrita se confunde com um rebelde em busca de justiça. É morro, mas também é asfalto. É essa dualidade que cativa o ouvinte e nos faz despertar. É saber que o porta voz acredita no que diz que arrepia. É o rude boy, mas é o nosso super heroi também.
Foi isso que me fez levantar da cama hoje.
Muito obrigado, Gustavo. A Babilônia respira, agora, mais aliviada com esse disco.
Bora irmão, Jah Jah chamou.
-O Black Alien do passado continua mudando o futuro
Por Guilherme Espir
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