Fernando Kep lançou o seu Vade Mecum (2020) do Hip-Hop, uma mixtape cheia de participações, produtores e muita coerência!
A cultura Hip-Hop se engrandece com trabalhos como a Mixtape Vade Mecum (2020), um trabalho muito bem pensado e sobretudo executado com total proficiência pelo Fernando Kep e uma pá grande de colaboradores. Ao longo de 16 faixas o MC de Macaé interior do estado do Rio de Janeiro, utiliza toda a sua capacidade de jurisprudenciar o que para muitos serve como dogma. Em tempos onde surgem mc’s que se limitam e militam em gêneros específicos ele propõe o seu Vade Mecum do hip hop no século XXI.
Versátil, o rapper rima com bastante qualidade em beats de grime, de trap, no boombap e aborda diversos temas, produzindo uma mixtape que tem toda a carinha de disco. Isso porque apresenta um trampo que se sustenta fortemente no conceito proposto, esse “vem comigo” que o título carrega na sua forma latina, é observado em um duplo sentido. Ao seguirmos o Fernando Kep em sua aventura musical somos levados a perceber como o hip hop feito no interior do Rio de Janeiro está cada vez mais forte, e ao mesmo tempo como há diversas possibilidades de abordagem das “leis” que formam os códigos por vezes separados de modo dogmático.
Toda cultura por vezes engessa a percepção dos indivíduos que a compõem no sentido de entenderem o que é parte dela ou não, assim se instalam os tribunais que julgam o que pode ou não ser entendido como parte da cultura. Sendo assim, mesmo numa cultura dinâmica como o hip-hop por vezes veremos alguns julgarem que o grime, ou o drill, ou ainda o trap não seriam real hip-hop. Ora, numa cultura que tem no sample talvez sua principal base epistêmica, não seriam os beats o determinante principal para que algo seja ou não entendido como parte da cultura.
Fernando Kep possui uma história, uma atuação firme em sua cidade em coletivos, na organização de batalhas de rima, e mesmo sem essas informações, ouvir o seu Vade Mecum (2020) nos dá a entender que estamos diante de um MC e de um rapper muito real. Já se perguntava há alguns anos: “Rappers Reais será que existe isso?”, mas mesmo passados tantos anos, muitos não aprenderam que a verdade de um rapper, de um MC dentro da cultura hip-hop só pode ser definido pelas ideias e pela atuação. Não pelas roupas, ou muito menos pelas batidas. Planet Hemp rules!
Liberdade criativa, originalidade nas ideias, capacidade crítica, flow nervoso, percepção política em dia com pautas importantes, atualização rítmica formam o seu copilado de códigos penais que formam o hip hop. Ao mergulhar fundo em si mesmo, Fernando Kep nos oferta o transcendental que a arte almeja, entendendo que a inspiração é fundamental mas que é o esforço do trabalho, da labuta é que define o que é um verdadeiro profissional em sua área. Lançado dois anos após o EP Chama Raul (2018) é fácil perceber o quanto o trabalho atual é o reflexo de suas práticas dentro da cultura e de sua caminhada que agora se fortalece com uma mixtape pesada.
As faixas versam sobre uma série de temas como dito acima, e nos serve também para percebermos que estamos diante de um artista muito centrado, consciente da “missão” que o hip-hop se deu. Levar conhecimento, diversão e proporcionar a união de todas as minorias, a percepção político-revolucionária de uma sociedade dividida racial, social e por gêneros. Ao mesmo tempo, ao contrário de muitos que propagam luta e reforçam atitudes mesquinhas e ou reacionárias, Fernando Kep deixa claro que tudo o que é por ele expresso em Vade Mecum é primeiramente um papo para si mesmo, como na emblemática: Papo Pra Mim Mesmo feat Hudde. Também na forte “Carreira Solo”, com o beat cadenciado do Felipe INKI e participação da Lelis, o artista traça um ethos fundamental para se entender como um ser humano que dispensa a falsa empolgação da carreira artística proporciona e que pode enganar quanto ao seu papel nesse meio.
Em “Amplitude” e em “Dúvidas” feat Amanda Amado, o papo é sobre amor e sobre relacionamento, assim como precisamos estar bem para nos relacionar com nossos objetos de desejo. “Ranço (cheio de ódio)” é pau no gato, ou melhor no fascista mor que enverga a faixa presidencial e no seu guru astrólogo, junto ao mano Joca, a faixa é uma das mais potentes, com um sample em referência ao Racionais MC’s. A braba Juju Rude é a convidada para bagaçar em “Só Fica” no beat do INKI, onde os dois dissertam sobre a dificuldade de produzir rap no Brasil, mas que vale para todos que vem das nossas periferias e se querem produtores de arte.
A delícia dos paraísos artificiais e as leis da rua são o tema em Beck Bom Rola numa pedrada de beat do Druk Beatz que amassou com um grime nervoso, onde o Kep não desperdiça linhas e mete um flow original. Assim como na parceria com o Drewan, na gangueira Clean, é de arrepiar e de apreciar quando os manos chegam naquele modelo “real rua”. A mixtape possui muitas camadas, mas o que as une é a força das vivências e a saúdavel absorção de referências díspares, nas produções de vários nomes como Druk Beatz, Felipe Inki, DNA, BBKingSL e Difunto Beats. E nas participações que colam e ao mesmo tempo enriquecem as faixas, além das citadas acima: Faguera, KR , Douglas DMT.
O rapper Fernando Kep reuniu uma tropa e os fez funcionar como um coletivo, produzindo dessa forma uma Mixtape que funciona de cabo a rabo, impulsionando o ouvinte a experimentar diversos sentimentos e a perceber um mix de ideias musicais muito fortes. Faz uns meses que estamos acompanhando uma parte da feitura deste trabalho e a emergência da peste que assola o mundo ofusca um pouco o lançamento desse trabalho. Estamos todos obsediados por uma gama imensa de informações que tangem nossas vidas ou nossas mortes.
A importância de Vade Mecum (2020) primeira mixtape do Fernando Kep ganha por ter sido feito antes da emergência do Covid-19, pois transparece além das qualidades musicais supracitadas, um pensamento ético, político, afetivo e social que nos é útil hoje também em meio a toda essa crise. Fernando Kep é um dos nomes que merecem atenção e que nos fortalece nesse momento tão delicado, é de hoje mas é também para sempre! A arte dura, para além…
-Fernando Kep lançou o seu Vade Mecum (2020) do Hip-Hop
Por Danilo Cruz
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