Gutierrez: Das ruas sujas cariocas para o Oganpazan – Entrevista com um nome fundamental no rap nacional, discografia, caminhada e pandemia
Gutierrez é um rapper carioca com mais de década no corre, pessoa da melhor qualidade, voz característica e que lançou recentemente o single “Quando Eu não ‘Tiver”.
Batemos um papo com esse representante da cena rap do errejota, e que se você ainda não conhece está moscando.
Gutierrez, tá de volta!!!
Dudu (Oganpazan) – Salve meu mano, quanto tempo!!! E aí, tudo em paz? Me conta como está sendo essa fase de pandemia, quarentena e essas merdas todas ai pra você? Rio de Janeiro está quase entrando em colapso… Como têm sido as coisas?
Gutierrez – Porra… Mó doideira… A gente via tanto essas merdas em filmes e acabamos dentro de um. Tenho saído só pra ir no mercado. Muita gente parece não entender a gravidade (boa parte por culpa do presidente genocida e irresponsável que temos, que vive dando péssimos exemplos). Essa era das Fake News piora ainda mais as coisas… A ignorância tem matado mais do que nunca. Os números são bem maiores do que os divulgados. Precisamos nos proteger para também protegermos os outros. Temos muito o que fazer aqui na Terra ainda.
Dudu (Oganpazan) – Recentemente você lançou a faixa “Quando Eu Não ‘Tiver”. A faixa estava programada para ser lançada nessa data, ou rolou um ajuste por conta da quarentena? Fale um pouco dela. Produção, processo de gravação e composição.
Gutierrez – Eu tinha esse refrão e o instrumental há algum tempo. Um pouco antes da pandemia eu comecei a escrever os versos. Por alguns motivos, não tenho me dedicado tanto quanto eu poderia, então quando estourou esse bagulho do vírus, eu ainda estava escrevendo e não teve como essa situação não influenciar algumas linhas. Gravo minha voz em casa, então não tive problemas quanto a isso. Mas a situação não influenciou só algumas linhas, como também a forma como o refrão foi pra rua. Ele teria a participação de uma cantora, mas a quarentena me fez cantá-lo sozinho. Tava há 8 meses sem lançar nada, essa era a próxima música, não sabia até quando eu teria que esperar e até hoje não sabemos quando isso tudo vai acabar…
Dudu (Oganpazan) – Eu saco seu trampo desde a primeira metade da década de 2000. Lembro bem que a primeira música que chegou a meu conhecimento foi “Fallujah”, grudando aquela porra de “Geooooorge”, enfim me pegou legal e logo quis conhecer mais coisas sua. De “Esse é Meu Reino” (2004) até 2020 o que mudou e o que se manteve em sua carreira?
Gutierrez – O “Esse é Meu Reino” foi meu primeiro disco. Eu sabia que precisava me apresentar pras pessoas com algo marcante. Me tranquei durante um tempo, fiz umas 30 músicas e escolhi 12. Todas escritas, produzidas e gravadas por mim (mesmo sem saber nada técnico). Deu certo.
Tinham uns caras na minha área que me chamavam de George por causa da “Fallujah”, haha.
Minha vida é dividida entre antes e depois desse disco. O que mudou é que naturalmente as músicas, quando são reais, acompanham as fases do artista e comigo não foi diferente. De lá pra cá, lancei mais 3 trabalhos (1 mixtape e 2 EP’s) e todos são espelhos do meu momento.
Dudu (Oganpazan) – Apesar de ter um carinho grande por “Esse é meu Reino”, até hoje acho que seu melhor trampo foi “Corpo Fechado”. Damien Seth arrebentando na produça, várias participações fodas, as faixas bem selecionadas, você pra frentão, direto, sujo, um verdadeiro retrato das ruas cariocas.
Fale um pouco dessa Mixtape.
Gutierrez – Essa mixtape foi feita de forma bem diferente dos outros trabalhos. Estávamos realmente reunidos em estúdio, com tudo acontecendo “ao vivão”.
Nessa época, morava Eu, Damien e Marechal. Essa energia fez toda a diferença. Muitas letras eu escrevi me trancando no estúdio da casa enquanto o Damien trabalhava em outro estúdio (em outro bairro) e o Marechal tava pela rua resolvendo os bagulho dele.
Eu escrevia em cima de todos os beats que eu encontrava no computador do Damien. Eles voltavam, eu mostrava o que tinha criado e a gente finalizava as músicas. Trabalhar com o Damien era um sonho antigo e foi incrível ver isso acontecer.
As participações foram pessoas que iam nos visitar e acabavam dentro das músicas, entre uns baseados e uns cafés. Tudo fluiu de forma muito natural.
Dudu (Oganpazan) – Depois de “Corpo Fechado” você lançou diversos singles, antes de lançar o próximo EP. Destaco dentre esses “Rezas” e “Madrugada Louca”. Total sujeira, do jeito que gostamos.
Comente um pouco sobre esses singles.
Gutierrez – “Corpo Fechado” me trouxe muitos shows, viagens e muito lazer em geral. Me perdi um pouco com isso tudo e não consegui mais me organizar com foco. Me mudei pra outro lugar e já não tinha mais aquele processo em conjunto que rolava antes. Ainda assim fiz junto com o Damien as músicas “Agora Chora”, “Rezas” e “Primeiro Dia” (a primeira em parceria com o produtor caboverdiano Golbeats, a segunda com produção minha e a terceira com produção 100% do Damien). Lancei todas as 3 como singles.
Fiz “Inimigos Não Respiram” com o Marechal (em parceria com o produtor Mikimba) e lancei como single também. Depois reuni essas 4 com mais 1 e lancei o EP “Selvagem”.
Já a “Madrugada Louca” foi uma música que fiz com os produtores da Reeo Mix (Rafik, do projeto Isso Que é Som de Rap e o Grego, que hoje é da 1Kilo) e tocou muito nas noites.
Dudu (Oganpazan) – Então depois de um tempo você resolve lançar o EP “Selvagem” (2016) e depois “Predestinado” (2019). Qual o motivo de escolher esse formato de EP’s? Acha que as pessoas, no geral, não têm mais saco para ouvir um álbum?
Gutierrez – O principal motivo é o fato de eu não ter a estrutura da época da “Corpo Fechado”. No meio do processo do “Selvagem” eu já tava em uma correria 100% independente. Lançar música com qualidade envolve muitos processos, então passei a lançar todas elas como singles e depois reunia 5 com o mesmo conceito em um EP.
É um processo mais viável. Se não fosse dessa forma, não conseguiria continuar minha discografia. Isso acabou coincidindo com essa realidade atual dos ouvintes (ainda bem). As pessoas hoje têm muito conteúdo nas mãos (dentro de uma telinha “touch”). Ver/ouvir/ler várias coisas ao mesmo tempo é o novo jeito de viver.
Dudu (Oganpazan) – Voltemos um pouco pro início de tudo. Como foi que iniciou sua caminhada no rap? O que lhe influenciou e quais nomes pode destacar que foram importantes para que você continuasse até hoje lançando bons sons?
Gutierrez – Eu escrevo música desde quando eu tinha uns 13 anos. Ritmos variados. Quando ouvi “Usuário” do Planet Hemp e “Raio X Brasil” do Racionais, isso me influenciou pra caralho. Na mesma época também descobri os gringos 2Pac, Bone Thugs, Nas, Ghostface Killah, DMX… Aí minhas composições viraram 100% Rap. Fui praticando e tentando aprimorar.
Pessoas como DJ Tamenpi e MC Marechal (conheci ambos na época do Zoeira) foram muito importantes pra que eu me tornasse um artista de verdade.
A música título do EP “Predestinado” conta melhor essa história. Hoje, mesmo com pequenos hiatos, continuo na missão de aumentar minha discografia. Essa porra é minha vida.
Dudu (Oganpazan) – E shows? Antes da quarentena estava rolando de fechar datas no Rio e em outros estados?
Gutierrez – Sinceramente, tô há muito tempo sem fazer shows (por diversos motivos). Tinha planos pra voltar esse ano e aí aconteceu o “filme” que estamos vendo aí… Mas espero que tudo isso acabe logo, para que no futuro próximo eu possa encontrar de novo geral que se identifica e acompanha meu trabalho em shows pelo Brasil.
Dudu (Oganpazan) – Faz um certo tempo que não vem a Salvador, lembro das suas passagens por aqui, sempre bem legais. Você lembra desses rolês?
Gutierrez – Sempre tive um grande carinho por Salvador. É uma das cidades que eu mais visitei e todas as vezes que fui foram inesquecíveis. Boas companhias, cultura muito rica, aquele clima de praia (que eu gosto muito), cena independente forte, etc. O fato da minha vó (D.E.P.) ser baiana faz eu me sentir mais em casa ainda.
Dudu (Oganpazan) – Qual a demora de colar pra cá novamente?
Gutierrez – Tenho certeza que vou voltar quando acabar essa loucura toda. Aguardem o show novo.
Dudu (Oganpazan) – Quais suas influências no rap e o que tem ouvido atualmente no seu fone?
Gutierrez – Minhas influências são: Mano Brown, Marcelo D2, MC Marechal, MV Bill, Black Alien, Nas, 2Pac, Jay-Z, Big L, DMX, Lil Wayne, etc.
Atualmente ouço os de sempre (anos 90 e 2000) e os novos como BK, Djonga, Baco, Ret, Orochi, Xamã, Amiri, Sidoka, Meno Tody, etc. Dos gringos, Kendrick Lamar, Drake, Meek Mill, SAINt JHN, YNW Melly, Travis Scott, Future, Young Thug, Casanova, 6ix9ine, etc.
Dudu (Oganpazan) – Deixa um recado final para os leitores e leitoras do nosso site.
Gutierrez – Um salve pra geral que tá lendo essa entrevista. Vida longa ao OGANPAZAN e que todos nós possamos sobreviver a essa pandemia e a esse governo de merda. Esse é o momento mais propício pra reflexão do que tivemos até aqui. Precisamos evoluir cada vez mais e continuar fazendo a diferença pros nossos. Paz!
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Esse gutierrez é um mestre na concepção da palavra. Suas rimas são bem elaboradas e tive o privilégio de assinar o beat da faixa “Corre muito sinistro”. 1º audiovisual do cara e tive essa honra. vida longa e que possa fazer muitos shows por aí. o que precisar estarei aqui.