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27 nov 2024




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Free Abya Yala (2020) Brisa Flow um freestyle rebelde
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Free Abya Yala (2020) Brisa Flow um freestyle rebelde 

Free Abya Yala (2020) Brisa Flow um freestyle rebelde colocando o game em xeque, resgatando a verdadeira América Latina!

Há um combate no interior da cultura hip-hop que diz respeito a que tipo de espaço ela pretende construir e quais os caminhos para essa construção. O EP Free Abya Yala da MC e instrumentista BrisaFlow levanta algumas questões que tem início no próprio nome do trabalho. Se apropriando do que lhe é mais próprio e apropriado, sim porque aqui a também um resgate e um avanço. A mineira filha de chilenos produz e lança nesta sexta feira um extensão da brincadeira, um disco onde coloca o seu freestyle em bases de free jazz. E musicalmente, culturalmente isso é bastante novo no hip-hop nacional.

Essa terra viva, essa decolonização, essa madurez da artista, esse florescer das palavras em solo musical não poderia vir em melhor hora. BrisaFlow produziu 4 faixas onde ela incorpora e eleva sua arte, seu trabalho e sua obra numa direção inaudita, num momento de crise ela radicaliza em todos os termos. A trilha ancestral indígena é aqui colocada pra fora como arte do verso livre, do encaixe titubeante, aos poucos tateando no espaço sonoro criado pela banda, promovendo um novo encontro partindo de uma epistemologia outra. Sai de cena o Bronx e entra a língua Kuna, as milhares de línguas mortas e das vivas. 

Um caminho feito no caminhar de redescobrir-se, algo que a mineira latino-americana vem trilhando desde Newen (2016), passou pela Low-tape (2018) com a Bart e chegou esplendorosa em Selvagem Como o Vento (2018). Onde parece ter montado numa vassoura de bruxa e seguido o vento pela nossa esquecida – entre brasileiros – latino américa, indo além nessa ancestralidade encarnada. É sabido o quanto a nossa história tratou de apagar de nós quaisquer resquícios de identificação com os nossos vizinhos latinos, e nem com os aspectos afrodescentes em latino america, para não ficarmos no espectro indígena. 

Como uma sandinista – foram as mulheres que ganharam aquela revolução – BrisaFlow coloca em xeque o mercado e o público que se acostumou a lhe ouvir nos últimos trabalhos. Esse compacto duplo que serve como uma única trilha, talvez aí esteja a nossa única crítica desse trampo, o disquinho talvez não precisasse de intervalos e serem divididos em faixas, é um delicioso e insinuante passeio pelas ideias e pelas visões que a rapper tem maturado, e sobretudo vivido. Isso ela transforma em imagens que vão do amor e da alimentação, passando pelo sexo e a política, pelo caminhar de uma geografia poética que como dizíamos acima é uma nova epistemologia, ou se se quiser, baseia-se numa.

A luta é pela libertação de Abya Yala – por isso FREE ABYA YALA – e essa libertação, essa luta é o motor do trabalho de BrisaFlow que se desnuda aqui numa cachoeira sonora intermitente dentro do free jazz, de composições em ritmo de jam session. Para quem ouve ou produz música dentro de uma concepção enlatada – com o trio composto por Francisco Schuller no saxofone, Phil Santos Lima no baixo e o baterista Vitor Ciosaki, que se torna um quarteto com a performance radical da Brisa Flow – esse EP pode ser um antídoto ou o veneno. Como tudo que é natural, a dosagem e o conhecimento da aplicação é fundamental. “Para além do seu colecionismo, foda-se os planos, de traficar o nosso som”. 

Musicalmente o trio que toca no EP faz um território livre, aciona as peças e com muita desenvoltura produzem um groove sinuoso que vai se encontrando progresivamente e intensamente se conjugando. Brisa Flow escolheu uma galera cabrera pra colar nesse som porque em geral nós ouvimos uma banda fazendo grooves “ja pensado”, e nesse caso essa a função. O baixo, a bateria e o sax permanecem fazendo uma base, organizando tudo na cama sonora de elástico na base do risco e do diálogo, da rapeize se resolvendo na Jam!

Ao ouvir esse EP que tem uma força mais inaudita ainda por ter sido composta antes da crise do Covid-19, pode ser uma abertura ou um fechamento total. Principalmente agora que estamos em conflito com nós mesmos, desnudos na solidão, enfrentando – alguns – nossos próprios preconceitos. Ora, diversas de nossas crenças caíram e hoje ainda caem – salve Sergio Moro – diante de um colapso que é sanitário e de saúde mas que coloca na berlinda todo o sistema capitalista em suas formas consagradas de produção. E nesse sentido, Free Abya Yala (2020) faz uma forcinha a mais para questionar o sistema de produção artística!

Em que medida uma artista possui a condição de expulsar audiência, fãs, produtores, expropriadores e toda sorte de aproveitadores? O gesto artístico de Brisa Flow nesse EP é de revolução do som, de revolução da palavra, do pensamento e da comercialização… Isso talvez seja gangsta pra caralho, mas é sobretudo um revide que não vemos todo dia, é um revide da cultura hip-hop se apropriando do que nos é mais próprio, até a medula dos nossos antepassados. Revanche ao presente cada vez mais difícil de respirar numa indústria do rap nacional que não consegue se mover muito pra lugar nenhum, fora de padrões pré-estabelecidos. 

Talvez eu possa estar enganado, mas a disposição aqui aplicada pela artista mineira é a mesma que Medusa, Freestyle Fellowship, Gangstarr, De La Soul e The Roots, outrora tiveram. A idéia de que a cultura hip-hop não pode se reduzir ao mainstream da forma como está dada aqui no Brasil. A indústria cultural pode até valorizar em algum momento a contracultura mas apenas para mostrar o quanto está no comando daquilo que vai ser suceso. Nunca como abertura para possibilidades ou perspectivas que vão diretamente de encontro a ela. 

 A formação baixo, bateria e saxofone, é um gradiente a mais de intensidade em conjunção com o flow, com as ideias, com as rimas, soltas na liberdade tautológica do jazz. Se o seu corpo tá colonizado pelos passinhos, pela resposta imediata ao beat do trap de última hora, ou mesmo ao velho novo beat do boombap, se ele tá trancado nessa dicotomia, aqui tem uma boa linha de fuga. Brisa realmente quer algo vivo, fértil, radical em sua arte, e por isso, produziu um pequeno disco que coloca todo o game em jogo, que se equilibra no risco, que se assenta na aposta por uma outra arte, outra cultura, outra vida!

 

-Free Abya Yala (2020) Brisa Flow um freestyle rebelde

Por Danilo Cruz

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