Saull OE é um Mc manaura na subida, no extremo das estradas…O rapper vem numa série potente de lançamentos em sua nova trajetória, conheça
Não interessa que muitos fingem não ver o que está vindo do norte em termos de rap, o fato inexorável é que cada dia aparece um novo valor oriundo daquelas bandas. O MC manauara Saull OE, se localizou na capital do estado do Amazonas pelas zonas sul/centro e foi por ali que começou em 2016 suas vivências pelo underground do rap. Temos insistido bastante no fato de que é no underground do rap nacional onde as forças criativas mais tem eclodido, seja nas produções musicais, seja nos audiovisuais.
Em sua caminhada inicial o rapper colou com o mano Ian Lecter e juntos formaram o grupo Arkaica e pelo que percebemos pelo disco de estréia do Ian e pelo que vemos agora nesse início de trampos maiores do Saull OE, foi um bom lugar. O grupo gerou para os Mcs shows pela cidade, e sobretudo uma vivência artística e existencial que reforçou neles um desejo criativo de não se encaixar em fórmulas. No caso de Saull a introspecção parece ser um signo maior de seu corre, após o final do grupo ele partiu para produções solo, mas também para estudar mixagem e produção musical e durante 2 anos não deu as caras.
Esse percurso deságua agora em dois lançamentos que merecem atenção redobrada de todos que se interessam por rap/hip-hop para além de cosplay de bandidão, de mchypes e variações iguais de uma pá de groselha que tem dado bastante diabetes. Em janeiro deste ano do Covid-19 o artista soltou o seu primeiro EP Extremo (2020), e é um trabalho que merece atenção. Merece atenção por ser uma estréia sólida, que traz 4 faixas explorando aquela introspecção que falávamos acima e que é talvez o exercício necessário de onde emerge a fina percepção daquilo que o circunda.
A história e os devires artísticos de um lugar como o Brasil são sempre ricos de conexões e possibilidades. Foi através do Victor Xamã que muitos dos mais atentos entre nós, perceberam o rap do norte. Mas, o que talvez muitos não tenham percebido, é que para surgir um Xamã, toda uma sociedade deve existir por trás, todo um ecossistema glorioso precisa ser o suporte, existe uma ancestralidade por trás de todo Xamã. Seja o Qua$imorto, seja o Ian Lecter e agora o Saull OE, os nomes aí são singularidades de um território, são aqui sim variações diferenciais, que partem de um mesmo lugar e se congregam ao redor de uma mesma cultura. E notem estamos falando apenas de Manaus.
Procurem saber do Cabanos mas enquanto isso, prestem atenção que em Extremos (2020) o rapper Saull OE, equilibra uma lírica que se filia à verve underground dos nomes citados acima, mas vai inserindo dentro das faixas uma pitada do que poderíamos chamar de gangsta, alguma influência do rap feito nos anos 90. Sua introspecção o faz um tanto quanto feroz nas observações sociais e até interpessoais: “cada cachorro que lamba sua caceta”. O que não significa que isso seja o ethos próprio do artista. É uma caminhada árdua, e hoje o MC está radicado em SP.
O EP traz uns produtores que já estão aí no under faz um tempinho, mas que os ouvidores de rap que não gostam de rap, não percebem, como é o caso do mano Herick OLX, o próprio Saull OLX assina duas produções, enquanto INSYT assina outra e rima junto nessa. É um EP ou como são 4 faixas, antigamente chamaríamos de compacto duplo, muito rico,apresentando as influências do MC com muita precisão.
Em sua lírica e em seu flow, o mano consegue produzir um amálgama que vai se filia a escola de inventores do rap nacional em figuras como Black Alien, Parteum e Sabotage. Extremos (2020) se configura assim como uma bom cartão de apresentação, pois escrito todo em Manaus, consegue plasmar muito bem os anseios, percepções e as ideias do mc antes de sua ida para SP, tudo isso numa apresentação bastante pessoal, própria e por isso mesmo original. A capa da bolachina é uma produção do nosso parceiro, do catioro Joaquim Macruz (@cinemavicio), que produziu um fragmento de São Paulo em pinhole.
Se Extremos(2020) foi lançado com o MC já residindo em São Paulo mas apresentando um material “feito” em Manaus, a microtape Estrada’s (2020) é já sua obra inaugural em SP. Quando falávamos que o underground é o lugar da criação por excelência no rap nacional não estávamos brincando e o audiovisual dessa microtape é uma prova a mais. Obra total do fragmento das riquezas que o MC tem a oferecer, aqui um trabalho coletivo com muitos autores que colados juntos, trazem um material impecável.
A lírica e o flow de Saul OE, desfilam em quadros, em enquadramentos, em fotografias do monstrinho Rômulo Spuri (Straditerra) ao som dos beats, da pista rítmica sonora dos produtores do Vale do Paraíba (SP) Rato e Alex Lazarini, do próprio Saull e do supracitado Insyt (Daniel Kennedy), expressão o que de melhor o rap/hip-hop pode oferecer. Uma São Paulo ingrata com tantos retirantes reunidos, mas lugar onde se vai para batalhar, e nesse sentido as artes, as téchnēs aqui aplicadas, as ideias expressas são já um momento à resistência e a potência política da criação. Um trabalho muito bonito e impactante.
Não vou mais falar nada, deixo vocês com os versos do próprio Saul OE, na faixa Subidas um single lançado um tempo atrás:
“às vezes é preciso jogar com tudo,
às vezes é preciso jogar com tudo,
tirar um pouco os pés desse mundo,
olhar tudo ao redor e questionar o teu uso”
-Saull OE é um Mc manaura na subida, no extremo das estradas…
Por Danilo Cruz
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