Mirim, um Poeta Bandido da ZN de Hellcife 

Mirim, um Poeta Bandido da ZN de Hellcife, numa caminhada intensa de superação e de desenvolvimento de sua arte e de sua vida no real hip-hop

A Zona Norte de Recife é uma potência cultural e uma região da cidade que gera constantemente expoentes musicais dentro do estado de Pernambuco. De coletivos artísticos, grupos de frevo, poderosas quadrilhas juninas, escola de samba, orquestras, equipes famosas de passinho dos maloka, e entre centenas de outras manifestações culturais e sociais, o rap também não fica de fora. A ZN é palco de diversos talentos do hip hop, sendo um solo fértil em que brotam MCs, e um deles é Mirim (20), morador de Maranguape 1, subúrbio de Recife, e tem sido por lá que o artista tem feito da sua quebrada o seu reino. 

Sim, pra falar de Mirim é necessário falar da sua zona. Quem o conhece e acompanha seu trabalho, percebe que ele criou uma relação de identificação com o local que é quase inerente ouvir seu nome e não se lembrar de onde ele mora, aliás, por muito tempo usou como nome artístico “Mirim ZN”.  Constante nas suas letras e videoclipes, a sua quebrada se tornou uma espécie de cartão postal, literalmente, que faz com quem o ouça possa entender o ambiente de onde ele vem. Algo que fica claro na forma como ele o narra em seus sons.   

Em 2016, depois de postar a primeira faixa de trabalho intitulada “Dose de ódio” no YouTube, lançou o seu primeiro EP chamado “Poeta Bandido”. A origem do nome é a dupla imagem que ele tem onde reside: “Para uns, um cara que curte arte e vive de música, para outros sou marginal. “Poeta Bandido’ veio para mostrar como eu sou alguém que vivo em contato com a criminalidade, pois não tem como não ter quando se é morador de algumas áreas, mas que também sou alguém que faço arte” revela. A verdade é que Mirim é um pouco dos dois, ou muito dos dois, e isso é contado por ele mesmo em suas músicas.  

O primeiro compacto é uma espécie, como a maioria dos seus trabalhos, de tentar se resumir, dar o recado e mostrar diferenciadas facetas líricas. Flerta com o trap, e tem letras que vão de narrativas da vida humilde cotidiana a punchs apimentadas com alusões sexuais, dando um gostinho daquilo que viria ser o estilo assinado pelo lado compositor de Mirim. Com quatro faixas, pouco mais de 10 minutos e acumulando quase 9 mil visualizações, o EP, que foi produzido por ele próprio, rendeu ao artista várias apresentações durante um bom período, começando a pichar seu nome pela região metropolitana de Recife como uma das promessas do underground local. 

Que o lado poeta de Mirim já era comprovado, isso ninguém tinha dúvida, só faltava o lado bandido, e assim foi: no mesmo ano, em 2016, ele foi preso, enquadrado no Art 33 do Código Penal e passou 1 mês e 15 dias recluso. Aqui ficava notória uma predestinação que muitos dos que vivem em áreas pobres são vítimas, e isso viria a se cumprir. A cultura do crime que tanto apostava nele, mesmo que ainda não tivesse ligação direta anteriormente, se efetua com a sua prisão, do até então menor de idade, o que foi encarada com pouca estranheza para quem desacreditava, e o pior é que não parou por aí…

Em 2018 (já sendo maior de idade) Mirim é detido duas vezes, uma conforme o Art 157 e outra pelo Art 147, no primeiro caso sendo liberado em audiência de custódia após pagamento de fiança, e logo depois, sendo internado durante três meses numa clínica de reabilitação por dependência química. 

Há essa altura do campeonato, eu imaginava uma situação triste que poderia levar desesperança para Mirim, sua família, amigos e todos que estavam assistindo o transcorrer da história. Mas a real é que, pelo menos por parte dele, não havia a vontade de jogar a toalha. “Eu sempre pensei em música, sempre ouvi muita música, e por incrível que pareça, eu sempre continuei escrevendo. O tempo que passei internado eu não tinha acesso a internet, então só pensava na minha própria vida, nas coisas que me levaram até aquele ponto e o que faria quando saísse. Então pensei: vou gravar meus sons e talvez minha história seja interessante para quem nunca passou perto disso!” conta.

Até que em 2019 conseguiu sua tábua de salvação e dias mais seguros chegaram entrando na produtora “OSVANDALOS”, após pouco tempo lançou duas faixas, sendo elas “Correria” e “Castelo”, essa última, sua faixa de maior alcance. Após os lançamentos começou seu processo de criação daquele que seria seu segundo EP chamado de “Poeta Bandido – Vol 2” que foi lançado em janeiro de 2020, e aqui sim Mirim crava seu nome no que todos apenas especulavam: potencial para virar o jogo. O que levou o artista a receber cada vez mais convites para shows e apresentações em geral.

Dessa vez Mirim não entregou a cara, o rosto ou a aparência, entregou o interior, a história da infância, a ausência da mãe, as primeiras vezes que transou com as meninas (essas mais velhas), a política dentro da favela de não perdoar quem vacila. Particularmente, afirmo que esse segundo volume é melhor que o primeiro. Ele é cru, tenso, real, e é melhor também em questões sonoras, apresentando produções melhores trabalhadas. 

Tive a impressão (que logo foi confirmada pelo próprio artista) que esse trabalho era a sua versão do que ele mesmo viveu, saindo por sua própria boca já que se encontrava num cenário em que todos tinham suas próprias versões para opinar sobre o destino de quem ainda nem tinha desabafado sobre tudo que passou, foi um trampo sobre trazer o problema na visão de quem realmente o viveu e consequentemente contaria melhor a realidade. Basicamente cumprir o ofício de ser poeta, mais uma vez, após ter encarnado o ser bandido. 

Foi sobre bater de frente com o problema que houve o questionamento de se ainda há o contato com algum tipo de ato ilícito. “Não tem como me distanciar de algo que é presente onde eu moro. Eu conheço cada um, eu cresci nesse meio, faço o possível para não me envolver mais”. – E quando é que vai ficar totalmente livre disso? perguntei, e a resposta foi: “No dia que a minha arte pagar a pensão das minhas duas filhas”.

-Mirim, um Poeta Bandido da ZN de Hellcife

Por Soffio