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Baco na Quarentena: desejo adolescente e um looping infinito!

Baco na Quarentena: desejo adolescente e um looping infinito! Um Ep com altos e baixos mas que tem o seu melhor momento com os convidados !!

 

Existem sempre diversas questões extra musicais que interferem em nossa percepção da musica. Isso é natural, mas nem sempre salutar. Critérios pessoais, fruto de uma subjetividade e de valores que a compõem, sejam eles éticos, políticos e ou estéticos, devem ser respeitados mas não são intocáveis. Baco Exu do Blues é um rapper que alcançou um status muito amplo na cultura, que foi catapultado ao topo e isso não é demérito algum. Trata-se de um artista que caminhou com sua música e seus companheiros até o topo mais alto que qualquer outro rapper nordestino já tenha alcançado. 

Essa caminhada possui caminhos tortuosos, talento, bons companheiros, investidores, o abraço “fraterno” de uma mídia branca que o escolheu como o ursinho carinhoso. Este ser  com o qual eles e elas dormem com a consciência tranquila de que abraçaram uma expressão genuína do rap inventivo no século XXI e suas misturas de referências negras e conhecimento acadêmico … E todas essas baboseiras que eles utilizam para justificar que o racismo está lá no fundinho e que o poder que eles possuem em nosso país define o que precisa ou não ser ouvido. Tive o prazer de lançar aqui no Oganpazan o EP do DDH (veja aqui) e depois seguimos de modo justo e expressando nossa satisfação, ao do caminho trilhado pelo artista em singles e no seu disco de estréia: ÉSU (2018) (leia aqui). Fizemos e continuamos a seguir de modo honesto o caminho de acompanhar aquela estrela em ascensão. 

Em 2019 ouvimos BLVESMAN (leia aqui), e publicamos uma crítica negativa sobre o segundo disco que ainda hoje nos parece bastante acertada. Acreditamos ter servido, de algum modo, para desmascarar o fake game montado por influencers e jornalistas, que pouco se aprofundam nas críticas por incapacidade, desonestidade ou por interesse/vivência. Serviu também para notar naquele momento, que o rapper tinha construído uma reputação de iconoclasta, de rapper sujo, que apresentava um frescor pouco visto  até aquele instante. Mas, na verdade sua lírica tinha se rendido ao jogo fácil. Buscava a repetição de clichês que tinham um endereço certo, fazendo referências explicitas, as quais realmente possui, mas que na verdade, só divide com uma maioria branca, que na maior parte das vezes, leu e não entendeu. Até possui dividendos a dividir nesse jogo – mais um – com o capital simbólico. 

Recentemente, publicamos uma resenha crítica do disco do rapper mineiro Djonga (leia aqui) chamando atenção para o quanto a fórmula que o artista vem desenvolvendo nos seus últimos trabalhos se exauriu. Alertamos para uma questão que nos parece muito interessante e necessária, que deve ser cada vez mais debatida, o papel da crítica. Necessitamos mais do que nunca de uma crítica musical que lide de modo honesto e que apresente os seus pressupostos diante do seu objeto de análise.

Vivemos uma época na qual, caso você não goste de alguém ou de algo, é possível através de uma tela de computador e contando com o anonimato, xingar ou fazer uma crítica negativa ou positiva, sem expôr quais pressupostos estão sendo usados. É comum, diante deste quadro, o fortalecimento da cultura hater, fazendo com que apontamentos sérios sejam vistos como recalque, ou vice versa.

Num momento em que – a doxa – é privilegiada diante de conceitos ou e de ideias bem alicerçadas, cada qual pode sempre se refugiar na sua própria opinião, mas que essa não tenha embasamento algum. Esse empobrecimento do debate público é uma constante em nosso país, e podemos ver uma das razões de termos elegido um mestre das fake news

Em meio a essa quarentena enfrentada por todos nós, Baco Exu do Blues lançou mais um trabalho, o EP Não Tem Bacanal Durante a Quarentena (2020). Trata-se de um registro formado por 09 faixas, feito em três dias. Um antecedente, um trabalho que foi preparado em casa e lançado antes do já gravado Bacanal, disco que ao que nos parece já está pronto e já tinha sido anunciado para esse ano. O disco Bacanal conta com participações de nomes que vão de Ney Matogrosso até a revelação Urias. Produções desse nível necessitam de uma preparação e de um terreno que seja capaz de alcançar o público necessário e os shows são imperativos. Possuindo as condições necessárias e os meios para tal, Baco preparou esse aperitivo, esse pão com pão para parafrasear o maninho Boca de Zero Nove. 

Para a nossa tristeza Baco parece ir ladeira abaixo nessa quarentena no que tange a sua capacidade poética, dando prosseguimento a uma visão de si mesmo que beira a uma egolatria vazia de potência poética, que utiliza um status social como signo de periculosidade. A faixa de abertura, “Jovem Negro Rico”, é um exemplo disso. Existe uma diferença essencial entre quem cresceu em meio aos tiroteios e quem sempre sonhou com isso. Saber que ser um jovem negro rico é algo perigoso é uma dádiva de quantas pessoas em nossa sociedade? Longe de nós fazer qualquer que seja a apologia da precariedade, porém o que não deixamos de ver é que de um lado alguns dos nossos conseguem galgar postos e conseguir riqueza, porém a outra imensa fatia da população negra é quem realmente vive em meio de um tiroteio constante, sem a possibilidade de acordar.  




Chega a ser juvenil ter que explicar que o problema em nossa sociedade não é ter apenas alguns pretos ricos e que esse sucesso individual não torna ninguém um deus. O cerne da questão está no modo como é feita a distribuição de renda em nosso país. O problema se agrava pelo fato do rico, que sempre esteve bem, querer dar lição de moral ou de política sem elaborar isso bem, ou elaborar isso do seu ponto de vista de rico, portanto privilegiado.

O artista segue possuindo os melhores beatmakers à sua disposição, porém entrega linhas cada vez mais bobas ou que abordam falsos problemas. Ser o maior nordestino visibilidade no no rap nacional é apenas uma conquista pessoal. Mas para além do sucesso existe em quem vive o hip-hop nordestino a consciência de que não houve nenhuma revolução concreta, isso é fake news. Sua presença em grandes palcos, bem como a atitude de “puxar” alguns nomes de Salvador, é uma aposta empresarial sobretudo, empregadores não são bonzinhos por gerar empregos. Os artistas contratados pela 999 o foram para trabalhar, não como um favor. Uma coisa não tem a ver com a outra. 

Sempre esperamos que tudo dê certo para as pessoas, mas “acordar com o oral dela no Chile”, se considerar uma oferenda às divindades nos parece uma expressão megalômana para tão pouca entrega. Mas não é necessário e nem possível conflituar condições pessoais, a própria auto-imagem com a imagem que devemos ter desse artista. São questões díspares, mas que seguem servindo para uma vitimização que não faz sentido como resposta aos detratores e que funciona mal em termos de linhas. Há ainda algumas alusões ao fato de que querem que ele se martirize. Como assim? ficamos sem entender isso. A faixa Tudo Vai Dar Certo, tem a participação da cantora 1Lum3. 

A dupla de faixas Ela é Gostosa Pra Caralho e Preso em Casa Cheio de Tesão, traz o reforço das cantoras Maya e da Lelle, mas não ajuda muito, pois é apenas isso, mais do mesmo. Agora todos sabem que Baco é o maior transão do rap nacional e talvez seja necessário avaliarmos o quanto essa fixação adolescente por sexo tem feito mal a sua música. O rapper que gosta tanto de ler poderia aproveitar a quarentena para apreciar as obras do Marquês de Sade, do Henry Miller, D.H. Lawrence e aprender a dar outros encaminhamentos possíveis ao tema do sexo. Uma relação menos infantil com o desejo seria revigorante para a sua poética, pois essa lubricidade vazia deve encantar muito quem tem problemas com o sexo, adolescentes e afins…

Depois de alcançar o público branco através de uma fuga completa e absoluta de uma estética mais agressiva, daquilo que o próprio autor chamou de poética do escárnio. Depois de forjar uma imagem pública de ursinho carinhoso e ganhar atenção dessa parcela do público atual do rap, um grupo que não está pronto pra tomar uma perpétua e se reconhecerem como parte do problema. Lá vem uma crítica a esse público?

Críticas são sempre bem vindas e em Humanos não Matam Deuses vemos um Baco com um senso de direção melhor, com linhas mais certeiras, sem repetir clichês e com mais acertos em suas críticas e nas imagens poéticas, é uma das boas faixas desse disco! Em alguns momentos ao longo das nove faixas Baco Exu do Blues nos mostra lampejos do MC que vimos em ESU e alguns dos seus singles, porém menos agressivo. Em O Sol Mais Quente  (talvez não seja coincidência que essa faixa seja com um beat do Nansy Silva) com a participação da Aisha, vemos essa trilha, onde o rapper traça críticas mais contundentes e melhor acorado à realidade, algumas linhas de mais incisão na questão do racismo, e a faixa se posiciona bem melhor do que ouvimos até aqui no EP, apesar de não empolgar. 

Agora vamos ao grande momento do disco: Dedo no cú e gritaria é um título de faixa que certamente não condiz com o conteúdo apresentado. A faixa reúne os artistas da 999 recentemente contratados, ou não tão recentemente assim, são eles Celo Dut, Vírus (aqui e aqui) e Young Piva. Estes são artistas que simplesmente entregam a melhor faixa do EP e que nos fazem pensar o que vai sair desses caras em discos próprios. Uma música apenas e os MCs conseguem mostrar o quanto a qualidade da firma está nesse disco pelo menos com eles, com tranquilidade e entrosados. A qualidade  desses rappers não nos surpreeende. Com exceção de Young Piva, único da firma que não conhecíamos em trabalho solo, os outros dois participantes, Celo Dut e Vírus, já acompanhávamos o trampo desde a Lápide Records. O beat, produção que ficou por conta de DKVPZ, é um absurdo de groove…

Parece-nos óbvio que um EP como Não Tem Bacanal Durante a Quarentena  (2020) esteja dialogando com o presente e os temas mais atuais. Em Tropa do Babu o rapper soteropolitano Dactes, um produtor e MC de muita qualidade e com uma caminhada por aqui, chega no feat com Baco mandando muito bem, assim como Baco, que manda bem num trap com reminiscências orientais no beat  (Nansy Silvvs) e nas letras.

O lance é que esses bons momentos do Baco ao longo das nove faixas não são o suficiente para ultrapassar o tanto de faixas ruins presentes nesse disco, e o fechamento com Amo Cardi B e Odeio Bozo é prova disso. Baco Exu do Blues arrota muitas vezes erudição, mas não consegue posicionar sua lírica de modo certeiro para fazer a contraposição proposta na mediocridade do título. Entre algumas linhas muito ruins, um refrão ruim, seguem alguns áudios de quem mais está sofrendo com o Corona vírus, ou seja há uma incapacidade de plasmar de modo contundente um momento tão importante e situações graves como as relatadas no áudio.  

Neste EP, Baco Exu do Blues consegue equilibrar momentos onde lembramos de acontecimentos bacanas de sua carreira através de músicas que estão aqui presentes com algo similar a época que sua arte era nova, e momentos onde os clichês mais vazios de sua últimas produções retornam.  Mas um disco muito abaixo do que Baco pode fazer, do que ele tem em mãos em termos de condições de produção, mas sobretudo estranho musicalmente falando.

Esperamos agora pra ouvir o Bacanal, e esperamos que seja algo muito superior ao que está sendo apresentado, para podermos gritar finalmente e com razão: Baco Vive!

-Baco na Quarentena: desejo adolescente e um looping infinito!

Por Danilo Cruz

 

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