Sidiel Vieira e suas conexões jazzisticas desvendadas por Guilherme Espir.
O Jazz é um caminho sem volta. É uma cultura que emoldura as fortalezas do músico, sempre em busca do último suspiro da forma, do suor e da paixão pela linguagem. É um meandro de grande sensibilidade e que mais do que saber o que tocar, requer um fino trato no saber ouvir.
A percepção é um dos ponto chave e com isso, grandes projetos surgem à partir da vontade de fazer música, de interagir e experimentar. A vontade de tocar Jazz. Como num ímpeto sincopado e que desafia tempos quebrados em detrimentos de climas mais lentos e vertiginosos improvisos e convenções, o estilo vai muito bem (obrigado), graças ao profissionalismo e a visão de músicos como o baixista Sidiel Vieira.
Uma das referências do groove acústico e elétrico no circuito de Jazz brasileiro, Sidiel acompanha mestres como Hamilton de Holanda, além de conduzir sua carreira solo e alguns dos workshops mais concorridos do universo do contra baixo.
Ao lado de seu trio, o instrumentista conseguiu eternizar uma visão calcada em seus principais pilares musicais. Foi com Gabriel Gaiardo (piano) e Jonas Sansão (bateria), que o compositor mostrou a tranquilidade e a calma de quem sabe que está junto de grandes músicos, mas que além de tudo valoriza o encontro, a troca e o palco.
Foi no Itau Cultural – em show realizado no dia 14 de fevereiro – que Sidiel levou o repertório do disco “Traços Urbanos” (2017) e mostrou como apesar dos quase 3 anos desde sua gravação, que a cidade continua fazendo tração no Jazz.
Com influências que conseguem reverberar até na música universal, além de 2 comparsas extremamente talentosos, Sidiel conduziu o espetáculo de maneira magnífica. No piano, os insights oportunos de Gabriel Gaiardo foram a tônica do set, enquanto a bateria de Jonatas representou o porto seguro das ações do trio, fechando a sessão rítmica com uma leveza que beneficiou a interação de maneira elementar.
Foi um show cirúrgico onde os 3 músicos estavam preparados e bastante à vontade. É notável como tocar com um líder que valoriza as experiências do grupo deixa marcas indeléveis no som. Mesmo com uma essência e uma identidade, a cozinha do Sidiel é continuamente influenciada pelas ideias que ressoam no chamado Jazz moderno.
O que impressiona é sua capacidade de ouvir a música de dentro e sua vontade de entender como deixar o som mais interessante para o grupo. Foram 90 minutos de grande aprendizado, não só musical, mas humano, com um artista preocupado em abrir espaço pra galera que está chegando.
É honroso conversar com músicos que se preocupam com a continuidade do som. O Sidiel sabe que as coisas estão mudando. A produção, gestão de carreira e o próprio Jaazz estão caminhando para um novo caminho e enquanto a grande maioria se pergunta onde quer chegar, o Sidiel se questiona como ele vai conduzir. Não é só o ímpeto, é a vontade de desbravar, conhecer novos pontos de interação e aumentar o repertório em prol do som e a valorização de nossa própria cultura.
1) Você que o Jazz estimulo a música a ser versátil?
Nós não estamos falando da música, certo? Estamos falando da concepção sobre o que é o Jazz. Isso faz com que o músico seja mais preparado, musicalmente e instrumentisticamente talvez do que deixar o cara mais versátil.
É um estilo de vida, uma ideologia você se considerar um músico de Jazz. Acho que não é em todos os âmbitos que você se considera um músico de Jazz, do mesmo jeito que poucos músicos se consideram Jazzístas, entende?
2) Você já tocou com mestres como Cesar Camargo Mariano, por exemplo. Como essas experiências ajudavam você a fazer um som, pensando em mescla de estilos e no aspecto rítmico também.
Além deles serem uma referência no instrumento e ser uma referência minha, é interessante por que tocar com eles hoje é reviver uma época do meu aprendizado. Eu ouvia os caras pra aprender a tocar o instrumento e hoje toco com eles.
Deve ser uma realização muito grande.
Absurdamente. Disso eu não tenho dúvida. Na verdade a gente só ganha tocando com esses caras, sejam em qualquer aspecto, no instrumentístico ou na vida mesmo. A vivência e a experiência que eles tem com a música e com as pessoas que eles são… Eu comentei isso com o Hamilton de Holanda uma vez, que tocar ao lado dele era um grande aprendizado e ele disse que a gente não sabia de nada e que ele aprendia muito tocando com a gente.
O respeito pela música, de ouvir, valorizar a troca… Não deixa de ser uma troca. Hoje no trio eu sou 10 anos mais velho que o Gaiardo (piano) e o Jonatas (bateria) e eu aprendo demais com eles. Essa informação, independente da idade, colaborado e contribui para o músico que eu já sou hoje e para o músico que eu vou virar.
3) Pensando com foco na música instrumental, qual você acha que é a dificuldade de se aproximar do grande público, pensando na falta do elemento cantado?
Sabe o que eu acho legal da música instrumental? Ela faz você se sensibilizar e você escuta música de outra forma. Querendo ou não nós utilizamos elementos que nos fazem pensar sem a caixinha da poesia, entende?
Você em diz em termos de estrutura fixa, refrão e etc?
Isso, eu posso estar conversando com você, enquanto escuto um som com vocal, mas se fosse instrumental eu não consigo prestar atenção se eu estiver falando com você. Eu tenho que ouvir e acho que a música instrumental nunca foi música pra massa.
Você precisa ter afinidade, independente de ser músico ou não. São pessoas que apreciam esse tipo de música.
E que acabam pesquisando também
Com certeza, é um público que procura esse tipo de som. Eu não acho que a música instrumental seja elitizada.
existe essa segregação né, de dividir o cantado do instrumental.
Sim, é o primeiro erro, eu acho que dificulta e muito a relação das pessoas com o som e o acesso. É muito comum separar as coisas por que as vezes por que as vezes é uma pesquisa específica daquele músico, pensando não em composição, mas em timbre também, por exemplo.
Mas independente disso, eu não posso fazer com que o público promova essa separação. Não, precisa ser algo natural e a única coisa que muda é a maneira como você assimila.
4) Hoje você vai tocar baixo acústico, mas como seu referencial no elétrico acaba complementando sua técnica?
Em termos de técnica muda muito, pois os instrumentos são completamente diferentes.
O baixo acústico antes tinha um papel muito de acompanhamento, por isso pensei nisso.
Sim, na verdade a história do contra baixo, pensando até no Brasil, tem relação com isso. A função do baixo, independente de ser elétrico ou acústico… O baixo acústico apareceu primeiro e é legal pensar a função do baixo na música.
Eu não acredito que ele foi mudando suas características, até por que hoje você tem solistas. Eu acredito que ele foi ampliando e por que mais que você encontre um solista, ele também é condutor. É questão de afinidade, mas eu tenho vários amigos baixistas que se passarem uma noite sem fazer solo, ele se sente bem fazendo só aquilo.
A ampliação do instrumento com essa gama de possibilidades e a construção do instrumento mudou muito. Hoje você tem baixo elétrico com 6 cordas, baixistas fazendo funções… O horizonte se amplia, mas sem perder a essência da condução
5) Pra fechar, como você vê essa nova geração do Jazz no brasil e qual é o principal traço dela na sua opinião?
Acho que hoje existe muito mais informação. Se você quiser fazer uma pesquisa de música indiana… Isso 30 anos atrás você precisaria ir até a índia. Eu fico feliz e ao mesmo tempo assustado por que essa galera aparece com uma bagagem de informação enorme.
É importante tomar cuidado, até por que, como todo jovem, eles querem usar todas essas referências juntas e acabam parecendo meio afobados, mas o que eu vejo bastante e o que me deixa feliz, é observar que os músicos estão pensando primeiramente em ser músicos melhores. É uma galera jovem que toca super bem, ao lado de professores que informam essa galera e eu chamo pessoas pra tocar, justamente por que tive essa oportunidade.
Eu me sinto feliz em fazer isso e o que me deixa feliz é que eu vejo músicos que eu adoro fazendo a mesma coisa. O Christian McBride faz isso, o Avishai Cohen… Eles querem dar oportunidade para que a nova geração mostre a música, é uma forma de dar continuidade e continuar rodando no circuito.
-As interações Jazzísticas de Sidiel Vieira
Por Guilherme Espir
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