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28 nov 2024




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True Religion: A verdade libertadora em Yung Buda
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True Religion: A verdade libertadora em Yung Buda 

True Religion não é história, não é doutrina, não é ciência, não é seita, é anti religião, é anti fundamentalismo.

Desde o momento em que as nações cristãs europeias se embrenharam pelas vastidões oceânicas levando a fé na cruz até os territórios que iam dominando por meio da pólvora e da lâmina, A Verdade passou a ser uma obsessão humana. Essa compreensão unívoca da verdade, aplainadora e violenta,  destrói todas as outras verdades, todos os outros credos, todas as outras divindades e representações sacras da existência.

A Verdade estabelece o uno e destrói o diverso, estabelece um padrão existencial ao qual todxs devem se enquadrar ou simplesmente deixar de existir. Tratando dessa questão, fica difícil não lembrar da fala do Bozonazi em 2018, quando atacou o estado laico e as religiões não cristãs dizendo que vivemos num estado cristão e que as minorias devem se curvar à maioria, que aquelas devem se adequar ou então desaparecer?! Olha aí A Verdade destruindo o diverso. 

No romance Sidarta, de autoria do escritor alemão Herman Hesse, há uma passagem em que o personagem principal, Sidarta, encontra seu xará Sidarta Gautama, o jovem Buda. Sidarta aproveita a oportunidade para perguntar ao Buda sobre O Verdadeiro caminho da existência. O jovem Buda diz que cada qual deve encontrar a sua própria verdade, aquela encontrada por ele, Buda, só fazia sentido, ou seja, só era verdade para ele próprio.

A importante lição do Buda nesse episódio consiste em mostrar que cada qual deve buscar seu próprio caminho, que cada vida possui a sua verdade, o seu propósito, cabendo a cada um construir a sua própria existência. O Buda mostrou a Sidarta a infinita multiplicidade imanente à existência. Indiretamente, também, mostrou os problemas inerentes à univocidade da existência, caso todos sigam pelo mesmo caminho em busca Da Verdade. Essa alternativa exige auto sacrifício, violentar-se a si mesmo e posteriormente violentar o outro. 

Ouvir True Religion foi o meu encontro com o jovem Buda, tal qual ocorrera com Sidarta. Pela primeira vez um álbum de trap me arrebatou. Pela primeira vez passei dias ouvindo um álbum de trap compulsivamente. Isso me levou a perceber todas as possibilidades criadoras desse gênero, bem como as sutilezas inerentes ao trap que passaram batidas em outros álbuns do gênero os quais escutei anteriormente. 

Comecei a ouvir rap na segunda metade dos anos noventa, portanto, os elementos constituintes do boom bap inconscientemente são buscados por meus ouvidos quando ouço rap. A falta do uso do sampler sempre levou minha percepção a identificar uma lacuna, a qual precisava ser preenchida. Não deixei de ouvir trap por causa disso, uma vez que sempre estive ciente do problema estar em mim e não no gênero. O fato de haver toda uma geração extremamente criativa de beatmakers e MCs criando novas sonoridades era evidência bastante de que eu deveria continuar ouvindo trap.

Eis que ouço a faixa Sem Sinal, aquele foi o momento em que algo foi acionado em minha mente. O fator necessário para mudar minha percepção sobre o trap e dar uma reviravolta radical sobre a minha compreensão do estilo. Eu já conhecia o som do Yung Buda, li uma matéria do Danilo Cruz aqui mesmo no Oganpazan a respeito da mixtape Musicas Para Drift Vol. II. Motivou o bastante para ouvir este trampo do cara, gostei, mas ficou nisso.

Sem Sinal foi o momento divisor de águas! Após ouvir essa faixa, passei pro restante do álbum True Religion,  que escutei inúmeras vezes durante duas semanas. Fui conferir os outros trampos do cara e de alguma forma aquilo passou a fazer sentido pra mim, foi como se minha percepção sobre aquele tipo de som tivesse sido reorganizada. Talvez você agora esteja se perguntando o que há de especial nessa música capaz de ter essa força transformadora. Falo pra você: o sampler da música de fundo da fase aquática de Donkey Kong Country 2

Espero não parecer querer transmitir a impressão de defender o uso de samplers no trap como sendo a contribuição do Yung Buda pro estilo, longe disso. A intensão é mostrar de que maneira o contato com o modo particular desse artista compor as músicas que fazem parte de True Religion afetaram a mim, permitindo uma abertura perceptiva para apreciar com maior atenção os detalhes do trampo do cara. Gerou o vínculo necessário entre ouvinte e música, que leva a degustar o som, adentrar a obra e dela ter uma compreensão clara, para então ter condições de analisá-la, erigindo uma interpretação da mesma. 

Trata-se de uma experiência subjetiva, o encontro com uma verdade, com um modo específico de apreciar e compreender uma obra de arte. É nesse sentido, que True Religion se apresenta com uma obra libertadora, é nesse sentido que se trata da verdade libertadora em e não de Yung Buda. Ouvir sua obra leva à muitos caminhos, promove a diversidade perceptiva da música do rapper. Isso é libertador!

As matérias primas usadas para compor seu som encontram-se em territórios que se entrelaçam a partir dos interesses pessoais de YB. Sua cartografia se compõem pelos diversos animes, jogos eletrônicos, filmes e músicas. As letras das músicas são construídas a partir do vocabulário inerente a tais categorias, a princípio, de entretenimento. YB utiliza conceitos e palavras presentes em animes, usados para se comunicar nos chats de jogos online, para retratar suas vivências, emoções e ideias. O uso destes recursos linguísticos próprios destes nichos ligados às gerações formadas da segunda metade dos anos 90 pra cá, dão um caráter narrativo muito rico em metáforas e figuras linguísticas, tornando as rimas de YB extremamente saborosas, além de informativas.

Estamos falando de usar conceitos pertencentes ao universo dos jogos online, de animes clássicos como Dragon Ball e Naruto para relatar conflitos pessoais, narrar acontecimentos, sentimentos, enfim, todo material necessário para compor seus versos. Isso permite não apenas estabelecer um link direto com a geração atual e aficionados por animes e jogos eletrônicos, mas aciona a imaginação, trabalhando de maneira fértil as subjetividades que afeta. Trata-se de um estímulo ao pathos, abrir a subjetividade para novas imagens, percepções, pois são os afetos que recebem toda a carga presente nos versos. Nesse sentido, YB não é apenas um rapper, mas também um poeta.

Minha intenção era escrever sobre cada uma das faixas, porém não esperava chegar até aqui com o texto desse tamanho. Talvez role um texto para cumprir esse desejo. De momento fica registrado meu deslumbramento com essa obra, cujas características que lhe são inerentes possuem potencial suficiente para marcar a história do rap nacional. 

 

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