Notas do Underground em 6 EP’s do rap nacional (2020), uma selecta inclusiva de trabalhos que vocês precisam conhecer
Muitos trabalhos tem nos chegado, seja no contato direto via DM ou email, mas também através dos nossos diálogos no sindicato, grupo de blogueiros do rap no whatsapp. O rap não para, e o ano de 2020 mesmo com Pandemia de Covid-19, e as nossas imensas gargalhadas de desespero com os relinchos do asno de Brasília, tem apresentado trabalhos muito bons.
Na trincheira do underground temos muitos artistas no nosso país buscando desenvolver linguagens artísticas dentro do rap que vão além do que o hype valoriza, do que o gosto médio privilegia e sobretudo, do que o mercado eleva. De norte a sul do país o rap vai muito bem, para além da cortina de fumaça de trabalhos medianos ou mesmo ruins que encontram bastante espaço e elogios em alguns veículos. Preciso dizer que garimpar esses sons não é trabalho fácil, mas é a razão de ser desse espaço.
É interessante acompanhar o surgimento de novos artistas nos mais diversos rincões do país, descobrir outros que já possuem uma caminhada sólida em sua região ou cidade, e que segue na luta. Ir percebendo a diversidade de visões, de sonoridades, de qualidades técnicas é o essencial do nosso trabalho aqui. Pois com certeza é a função de quem se propõem a escrever sobre música rap no Brasil e no mundo de modo geral. Ter minimamente uma visão de conjunto do que tem sido produzido não apenas pelos consagrados, pelos hypados mas por todos que se inserem ou querem se inserir no “game” é fundamental.
Sendo assim, é no underground onde está a maior parte da produção nacional, é onde temos a maior diversidade do que pode o rap produzir em nossa cultura hip hop. E aqui trazemos alguns bons nomes para você conhecer, escutar e compartilhar.
Vamos de rataria…
Ares O Alef (BA)
A urgência desse EP é de algum modo o resultado dos “minutos do soldado” que o mano Ares o Alef vem acumulando em sua memória. Vindo do interior para a capital, esse mano conhece bem os meandros que em poucos segundos decidem uma vida. Ao mesmo tempo, é o fruto de uma caminhada sólida com o Underismo que agora começa – e vai se ampliar – a dar frutos individuais. Um grupo tão sólido não poderia absorver a quantidade de produções individuais que seus componentes ensejam, e as produções solo vão começar a aflorar agora em forma de EP’s.
Composto por 3 músicas e uma introdução, KANN é uma sequência muito bem feita, de questões que atravessam o MC e que ele botou pra fora agora com as produções de Nobru (o cara mais legal do grupo) que fez os beats. A fome do rato preto e as reflexões poéticas da madruga em ritmo e poesia para você ficar esperto no demônio racista reverso!
Weedle MC (MG)
O estado de Minas Gerais furou a bolha do eixo Rio-São Paulo e são muitos MCs que passaram a fazer parte do gosto do público do rap nacional. Então anotem aí, escutem as produções que vem da interior do estado, já falamos de alguns aqui no site, e hoje trazemos duas produções que emergem de Poços de Caldas. Weedle chegou naquele movimento que nós sempre privilegiamos, alguém compartilha e nós corremos pra ouvir. Esse alguém não foi qualquer um, foi o Rômulo Spurri que tem o excelente trampo com o Straditerra. Então já sabe né, tinha passado por uma curadoria antes de chegar em nós, o que falicita o trampo.
O jovem MC chegou com seu EP 21 (2020) de estréia e consegue se apresentar sem cansar o ouvinte, as produções do mano Formiga Music Factory dão uma variedade de sonoridades ao longo do EP que contém na lírica o preenchimento perfeito. As letras giram em torno de política, comentários sobre a luta no rap, gastações com os pela saco, e tudo isso com boa técnica. Escutem e fiquem ligados…
MasterMind (MG)
MasterMind também vem de Poços de Caldas, e traz um trampo muito interessante e reflexivo, também é uma indicação do Spurri, sem lobby, meramente observando sua timeline e depois pedindo informações sobre. A dupla Lil Zoio / Abrão035 participaram no EP Criação do Afeto (2020) que apresenta uma espécie de pequeno mundo que se constrói todo a partir do sentir. Tudo isso vem embrulhado em um audiovisual muito bem construído que nos dá o tom do que beat e letra nos apresenta, ajudando a audiência a não perder a atenção na mensagem. A junção entre ritmo e poesia aqui é algo interessantíssimo, pois rompe com os modos que estamos acostumados.
O MasterMind criou em seu EP de estreia um produto que nos leva necessariamente a meditar sobre o trampo e as ideias. Seja, pelos interlúdios de falas colocados ao longo dos 12 minutos e pouco, seja pela sonoridade apresentada que demanda atenção nas letras. Os caras vão de aspectos individuais de uma postura ética diante da realidade até às possibilidades politicas que sua arte se propôem. Vale muito a pena conhecer!
D4crvz (RJ)
O MC D4crvz vem produzindo em alto nível, vem construindo uma sólida obra que faz questão de se posicionar numa estética underground inventiva. Em lágrimas negras, canção gravada de modo sublime por Gal Costa, tem um verso que nos marcou bastante: “belezas são coisas acesas por dentro, tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento”. Não seria absurdo algum dizer que esse EP é um aprofundamento, ou que ele toma como ponto de partida a clássica composição de Jorge Mautner. E essa atualização não é apenas pelo excelente beat do cansado, e a citação na música que abre O Astronauta (2020). O EP que dá prosseguimento a excelente mixtape O Menino Gabriel (2019) e ao EP em parceria com o Leo Franciozi de nome ELO (2020), trabalha num registro de manter a chama acesa.
Apagando ou contendo os baldes d’água fria que por todos os lados querem apagar a chama do criativo. Astronauta, Arquivo e Vírus formam um tríptico rimados com uma leseira que arrasta as palavras, imprime um sintaxe própria e resiste às modas e seu ciclo tedioso. Pra ouvir de olhinhos fechados dando um trago no cigarro após o café!
Mamuti (SP)
Já era pra ter escrito sobre o EP do Mamuti faz uma cota, pré-quarentena tive acesso e lembro bem de descer a ladeira da Água Brusca para iniciar o terceiro turno de aulas, e ouvindo essas quatro faixas, pensei: Isso é rap de gente grande. Curioso que nesse momento, eu tô meio que vivendo a segunda faixa “Eu Tô Bem”, quarentenado cuidando da saúde com a preta num quarto, ouvindo música e escrevendo. Mas a faixa que me fez pensar que esse mano fazia rap de gente grande foi “Rotina”, track que vai de encontro aos rap de menino que rima lean, ice, kush, bi, e tem uma visão de mundo que certamente não passa no teste de levantar às 5 da matina pra trampar.
Os beats do EP são do mano Lucas Beatmaker, e no trap que fecha a bolachinha temos uma espécie de continuação da faixa anterior. Em “Domingo”, a rotina que é abordada é “dos falsos nessa parada”, Mamuti conjuga com muita qualidade humor ácido e uma visão do hip-hop que tá lotada de ideias agravantes. Tanto que colocou nas faixas do youtube a intérprete de libras Grace Albuquerque, produzindo uma parada inédita na cena. O EP é o primeiro lançamento do selo N011z agora vou escutar o disco do mano, ZeroOnze (2011)
Dactes, Sico, Yan Cloud Faustino Beats (BA)
Não sou uma pessoa que tem amplo conhecimento em tendências escolas e perspectivas da cena trap, nem no Brasil e nem nos EUA. Mas como disse acima, não simpatizo muito com o trap que só fala de lean, ice, kush, tenho armas e etc… Quando quero saber um pouco mais sobre o tema, consulto Gaijin e ou Dimak, eles são os consultores de trap, drill e grime oficiais do Oganpazan. Mas tomarei a liberdade de dizer que o EP de estréia da Bonke Music, selo que reúne uma banca pesada de Salcity, é um trampo raro dentro da cena nacional. Pelo menos, euzinho nunca ouvi nada parecido. desculpem se eu tiver errado teachers.
Reunindo Faustino Beats, Dactes, Yan Cloud e Sico, a primeira coisa que chama atenção é a elegância como os caras colocaram as vozes e a produção de primeira do mano Dactes. As composições em sua maioria falam de relacionamentos, mas também do corre dos caras, e olha que corre e talento esses caras tem. Todos com exceção de Faustino já figuraram nas nossas páginas, e que bom que se reuniram. Esse “Pacto” que agora os caras firmaram, chega redondo demais, e esse EP de estreia da Bonke Music, mostra o quanto esses manos estão muito bem posicionados no jogo.
-Notas do Underground em 6 EP’s do rap nacional (2020)
Por Danilo Cruz
Os grafites que ilustram a matéria são do imortal Scank
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