Lançada recentemente, a coletânea Nordeste Em Chamas mapeia a produção musical do underground nordestino.
Parece bobagem falar em memória como algo fundamental para uma cena sociocultural. Isso porque o senso comum compreende a memória como algo estático. Assim, faz parecer que as três dimensões temporais, quais sejam, passado, presente e futuro são fixas dentro da temporalidade.
Bem como se não tivessem relação entre si e não produzissem transformações nos recortes temporais pelos quais a história se forma. Basta olhar atentamente para as relações entre passado, presente e futuro, para percebermos que existe uma dinamicidade. Ou seja, significa, portanto, que a memória é dinâmica e não estática, tal qual supõe o senso comum.
De tal modo, quando acionamos uma memória no presente, somos remetidos ao passado, porém, fazendo projeções para o futuro. Mas para que ocorra esse movimento, faz-se necessário haver um ponto de partida, um registro, uma memória.
Vejam bem. Pelo fato de não termos museus que mostrem o que foi a ditadura militar brasileira. Pela falta de memoriais das vítimas dos generais. Assim como pela falta de placas que indiquem locais onde pessoas foram torturadas e mortas por lutarem pelo fim da ditadura militar. Pela falta de estímulo à produção audiovisual sobre os anos de chumbo, dentre outros importantes registros que cumpram a função de memoria histórica e cultural do período de vigência da ditadura.
Isto é, significa que não temos uma memória consolidada sobre o que foi o período em que o Brasil viveu sob o julgo dos militares. Como resultado disso estamos vendo manifestações pedindo intervenção militar, volta do AI5, fim do STF. Ttudo endossado por discursos que defendem ter sido o período ditatorial brasileiro como um período de prosperidade e justiça.
Desse modo, faz-se urgente e fundamental criar registros do que é o tempo presente pra que no momento em que este se tornar passado sirva como referencial pras próximas gerações. Pra que possam entender o legado transmitido pela geração anterior. Mas também, para que possam ter uma base referencial para realizar seu próprio legado.
Precisamos que haja uma memória cultural, ou seja, precisamos que haja um acervo de produções que cumpram a função de serem lembranças objetivas. As quais possam ser armazenadas, para serem transmitidas e incorporadas pelas próximas gerações.
A cena underground nordestina ganhou uma desses registros. Trata-se da coletânea Nordeste Em Chamas, uma cartografia da música que faz parte da cena undergound nordestina. São 101 músicas de 101 bandas que representam todos os 9 estados que compõem o Nordeste do Brasil. O material foi muito bem elaborado. A arte da capa representa muito bem o espírito combativo do underground nordestino e deixa bem claro nosso posicionamento quanto ao governo fascista do Bozo.
Assim como na contracapa temos os estados nordestinos representados pelos seus mapas caracterizados com suas respectivas bandeiras. Passando aqui a ideia de uma cartografia musical do nosso underground. Na parte interna do encarte temos o setlist da coletânea muito bem organizado. Nele as bandas e suas faixas estão reunidas por estados. O interior do álbum também traz os emblemas das bandas.
Destaque pra banda Jacau de Itabuna. Isso porque a curadoria e lançamento da coletânea foram feitos por Jone Luis, um dos integrantes da banda. Nordeste Em Chamas é um importante registro da cena underground nordestina. Vale a pena repetir. Além de ser, claro, um levantamento da produção musical do underground do Nordeste. Mostrando toda sua diversidade e pujança.O álbum se apresenta como a memória material da música underground do Nordeste.
Da mesma forma não podemos deixar de divulgar o trampo de produtor cultural que o Jone desempenha lá pelo sul da Bahia. Jone já consolidou alguns eventos como o Underground Cast Da Tocaia; Protest! Garagem; Rock de Rua, Rock Na Roça; Beira In Hell; Rock Centro De Cultura; Rock Na Concha e Bardo Under.
Espero não ter esquecido de nenhum. Nordeste Em Chamas saiu pelo selo Tocaia, criado e administrado pelo Jone. Esta disponível na plataforma de streaming que recebe o nome do selo: Tocaia. Desde já ficamos na torcida para que mais registros como esse o sejam realizados e fortaleçam ainda mais a cena underground do Nordeste.