New York Dolls, álbum de estreia desta banda novaiorquina, que encarna o espírito da sua geração, completou 50 anos em 2023.
Um fracasso comercial, mas uma potência estética
Outro álbum importante completou 50 anos em 2023, trata-se do álbum de estreia dos New York Dolls, batizado com o nome da banda e lançado em julho de 1973.
A gente costuma falar dos números de vendas dos álbuns dessa importância para atestar sua relevância e qualidade, mas não é o caso deste, e nem do segundo álbum da banda, o Too Much Too Soon, lançado em 19 74. Prova de que o sucesso comercial não é parâmetro de qualidade e importância de um álbum.
O primeiro álbum dos Dolls alcançou apenas a 116a posição da Billboard em seu ano de lançamento. Fracassaram comercialmente mesmo tendo seus shows, em palcos lendários do rock underground dos anos 60 e 70 como o Mercer Arts Center e o Max’s Kansas City sempre lotados.
Porém, este fato comprova a popularidade da banda, ao menos dentro daquele recorte social corroído pela total falta de perspectiva de futuro. Certamente entrar nos shows era mais barato do que comprar os álbuns. Ainda mais quando o público é composto majoritariamente de adolescentes da classe trabalhadora sem muitas perspectivas de lazer acessíveis à suas condições econômicas.
Felizmente os álbuns envelheceram bem. As bandas posteriores atribuíram aos Dolls a influência para formarem bandas e fazerem suas músicas. A banda e seus álbuns tiveram o reconhecimento merecido, mesmo muito tempo depois de já terem encerrado as atividades. Incompreendidos em seu tempo, hoje são considerados visionários e revolucionários. Vejam vocês a diferença que o tempo pode fazer na vida de alguém.
Toda uma geração de jovens da classe trabalhadora nova-iorquina daquele período , sem perspectiva nenhuma de alcançar o futuro dourado prometido pelo american way of life, ouviu os Dolls, tanto nos álbuns quanto ao vivo em seus shows.
O comportamento relapso, decadente e indiferente quanto às expectativas da sociedade para com eles, indicava o caminho pros jovens que acompanhavam a banda. Surgindo como aquela má influência que sua mãe tanto te pedia pra evitar.
O resultado foi o punk uns anos depois, porque entre estes jovens estavam Joe e Johnny Ramone, dentre outros jovens delinquentes daquela Nova York carcomida, decididos em formar uma banda e fazer sua própria música. Ao menos uma que eles tivessem condições mínimas de tocar.
A capa que expressa o espírito da sua geração
Imaginem o impacto dessa capa aí do álbum dos Dolls nos anos 70. Essa capa reflete o espírito daquela geração nova iorquina. Os New York Dolls eram representantes legítimos dessa geração. Sua música, sua arte, sua postura debochada, indiferente, sarcástica e decadente expressavam a maneira como aqueles jovens enxergavam o mundo que os cercavam.
Essa capa … pqp! É muito agressiva por expor o tipo de geração produzido por aquele modelo social falido representado pelo contexto histórico e social da Nova York setentista!
Os integrantes travestidos, o nome da banda escrito por um batom, que ganha destaque graças ao contraste com a foto em preto e branco, em que David Johansen, Johnny Thunders, Syl Silvain, Jerry Nolan e Arthur Kane estão totalmente à vontade e indiferentes ao mundo ao seu redor.
Destaque para a pose e a expressão de Arthur Kane, o primeiro da esquerda para direita. Vejam se isso não é a imagem da decadência, do deboche e do desdém cuspida e escarrada na cara da sociedade!!
O cigarro sambando no canto da boca, o braço escorado no braço do sofá numa tentativa de ter apoio para manter o copo em condições de uso, as pernas desalinhadas, a postura torta no sofá, a cabeça arqueada para baixo, o olhar vazio, direcionado para lugar nenhum … ali está projetada de forma escancarada a imagem do punk.
Glam sem glamour, mas com muita selvageria!
Em termos musicais temos um glam sem qualquer glamour, mas bem garageiro, mais intenso e selvagem! Muito disso se deve por conta da guitarra agressiva de Johnny Thunders, dos seus licks incisivos e cortantes, seus solos “desequilibrados”, meio que chapados, refletindo a natureza do guitarrista.
E embora, na época, alguns críticos tenham caído matando em cima da banda, atribuindo baixa qualidade técnica na execução dos instrumentos por seus integrantes, ouvindo o álbum de estreia dos Dolls, percebe-se que os caras sabiam muito bem o que faziam e executavam seus instrumentos de forma segura.
Acontece que a indústria fonográfica possuía uma preconcepção a respeito da forma profissional e técnica de se fazer música. Isso incluía uma determinada maneira, padronizada, de tocar os instrumentos, cantar, fazer os arranjos etc.
E as bandas daquela geração, os Dolls são o principal representante junto com os Stooges, buscavam sua própria abordagem musical. Não por um senso estético, por não poderem se dar a este luxo, mas pelas limitações impostas pelas condições sociais em que viviam.
Ter aulas de música custava caro, o jeito era desembolar o aprendizado da maneira que fosse possível e eles fizeram isso muito bem. A originalidade na música dos caras vinha daí.
Contudo, podemos listar outros elementos agregados aos arranjos das faixas de New York Dolls, como hard rock, rhythm and blues, mas claro, executados ao modo Dolls, com agressividade e certo desequilíbrio de personalidade.
O line up do álbum não tem nenhuma música ruim,nem mais ou menos, vou deixar meu lado fan falar um pouco. E começa com duas faixas que são primorosas e já dão logo a letra sobre qual o espírito da banda, explosivo e selvagem. Estou falando de Personality Crises, e Looking For A Kiss.
É gostoso demais botar o álbum pra tocar e ouvir o riff de guitarra, na pegada hardrock, sendo executado numa cadência de abertura e o teclado ter suas teclas percorridas, bem ao gosto de Little Richard e Jerry Le Lewis, e um grito primal de David Johansen sair do fundo da alma e completar essa introdução. Sem falar nos lychs de Jhonny Thunders ao longo da música enfatizando certas passagens e dando um colorido intenso a estes momentos da música.
Não vou comentar faixa por faixa, mas vale dizer que faixas como a própria “Personality Crisis”, “Trash”, “Bad Girl”, “Looking for a Kiss” e “Jet Boy” são consideradas por alguns como clássicos do rock, e o álbum é visto como um dos grandes discos de estreia da história do rock.
New York Dolls foi produzido por Todd Rundgren. Embora os números de venda tenham sido baixos, os números relacionados à gravação e produção impressionam. O álbum foi gravado em apenas oito dias, no estúdio Record Plant de Nova York. A mixagem foi ainda mais “cuidadosa”, não levou mais que a metade de um dia para ser concluída.
Esse desleixo com a banda foi proposital, o próprio Tod Rundgren tirava onda com a banda, chamando os caras de amadores. O que Rundgren chamava de amadorismo era na verdade autenticidade.
Era a visão engessada de olhos que só conseguem enxergar cifrões. A música dos Dolls conseguiu um grande feito de atestado da sua qualidade artística, não ser o tipo de música capaz de ser convertida em produto, em lucro pela indústria fonográfica.
A aura de perigo, imprudência, exagero e extravagância expressa na capa do álbum, na postura e comportamento da banda, não era uma jogada de marketing, nem uma construção a fim de promover a banda comercialmente. Os caras eram aquilo.
E não a toa tiveram o reconhecimento imediato da sua geração, que pouco depois usaram os New York Dolls e sua música para fazer uma nova revolução musical e comportamental.