New Directions: os novos caminhos de Jack DeJohnette

Jack DeJohnette é o músico com mais gravações na ECM. Em alguns desses projetos, o baterista dialoga com a espacialidade musical no Jazz.

A ECM Records (Edition Of Contemporary Music), traduzida para o português como “edição de música contemporânea”, conta com um catálogo de centenas de gravações, contemplando o que o trompetista americano Wadada Leo Smith chamou de “música contemporânea improvisada”.

Wadada, que já gravou discos antológicos pela ECM – como o clássico “Divine Love”, lançado em 1978 – foi o responsável por nomear a sigla deste que se transformou num dos maiores selos da história da música.

ECM Records – Edition Of Contemporary Music

São mais de 50 anos de história que seguem prolífico até hoje, desde que a iniciativa do produtor alemão Manfred Eicher – ao lado de notáveis como o engenheiro de som norueguês, Jan Erik Kongshaug, corresponsável por cunhar a estética do selo – criou uma nova perspectiva de produção musical.

A abordagem da ECM para produzir música é amplamente influenciada pela música clássica, um traço inexorável dessa produção, pois a essência da ideia de Manfred era produzir Jazz e outras formas de expressão, sempre pensando na música de concerto como mote criativo para a captação do registro.

Essa ideia tangibiliza novas possibilidades, tanto em termos de trabalho no estúdio, quanto fora dele. Influenciado pelas cordas que ecoam nas maiores salas da Europa, Manfred deu o mesmo fino trato da produção erudita para o Jazz e o resultado é tão rico que acaba estimulando um novo tipo de escuta.

A ECM faz o ouvinte ganhar consciência do silêncio e do espaço – pensando no pacote completo de cada lançamento (imagem e som) – que borra a fronteira dos sentidos, principalmente quando toma contato com o forte apelo imagético de cada lançamento do selo.

Dessa forma Manfred transforma o ato de escutar música numa verdadeira experiência, conectando outros estímulos e trazendo uma nova percepção musical, com esse lugar de escuta da música clássica, mas com a mesma visão para produzir orquestras ou projeto de Free Jazz, por exemplo.

A ideia é oferecer uma escuta limpa, com o mínimo de edição possível. Valoriza-se o som dos instrumentos e sua relação com o espaço. Com uma captação precisa, cada disco recebe uma roupagem que aos poucos vai ficando cada vez mais familiar para o ouvinte, conforme mais discos do selo rodam na vitrola.

Jack DeJohnette – New Directions

Um disco que serve como plano de fundo para ilustrar o papel da espacialidade sonora nas gravações, é o único trabalho de estúdio do projeto intitulado “New Directions” – grupo fomentado pelo baterista Jack DeJohnette – com LP debutante, gravado e lançado em 1978.

Ao lado de outros nomes importantes para a discografia da ECM, como Lester Bowie (trompetista do Art Ensemble Of Chicago), o baixista porto riquenho Eddie Gómez –  que tocou ao lado de músicos como Bill Evans) – e o guitarrista John Abercrombie (que também toca bandolim nessa sessão), Jack DeJohnette construiu uma arquitetura musical que mostra como a ECM promove relação com o espaço, pensando não só no cômodo onde a gravação será executada, mas também no pilar de escuta, pois essa visão que mexe com a profundidade é um traço indelével para concretizar não só a abordagem sonora do selo, mas também sua identidade.

 

Line Up:

Lester Bowie (trompete)

John Abercrombie (guitarra/bandolim)

Jack DeJohnette (bateria/piano/)

Eddie Gómez (baixo)

 

new directions
Capa: Roberto Masotti

 

Track List:

“Bayou Fever”

“Where or Wayne”

“Dream Stalker”

“One Handed Woman”

“Silver Hollow”

 

Nesse ponto, é importante valorizar a dinâmica como elemento essencial. Na primeira faixa (“Bayou Fever”), a bateria e a guitarra que começam a compor a ambiência, antes da entrada do baixo e do trompete. De forma ascendente, todos os elementos se apresentam no som e o tema se desenvolve, mas o interessante é como o papel dos instrumentos muda conforme o arranjo é tocado.

A guitarra – com leves pitadas psicodélicas – remete ao trabalho de Jimi Hendrix e constrói a ambiência da faixa, conforme a bateria vai ganhando protagonismo com linhas mais pungentes. Jack DeJohnette delimita o espaço, a guitarra preenche e o baixo agrega densidade com os graves, enquanto Lester Bowie abusa de notas mais longas e a guitarra explora ecos e camadas com uso de efeitos marcantes pra a história do catálogo, como o reverb, por exemplo.

A forma como os instrumentos vão trocando de posição é o que aguça a percepção do espaço. O baixo de Eddie Gómez é de grande importância nessa faixa, pois ele conduz a espinha dorsal da composição, dando sustentação para que as ideias de Abercrombie e Bowie, tenham possibilidades diversas para ocupar o desocupar o espaço.

É um trabalho de base muito importante, pois cria uma parede sonora que possibilita interações e improvisos de caráter mais intenso durante o desenrolar da faixa. Nesse contexto, Lester faz um trabalho com grande sensibilidade, principalmente em termos de preenchimento e possui liberdade para acrescentar suas ideias, sempre no vácuo das guitarras de John Abercrombie.

Numa formação enxuta, com bateria, baixo acústico, guitarra e trompete, o quarteto trabalha temas autorais, explorando a improvisação e as interações possibilitadas pelo diálogo Jazzístico.

Os temas longos são muito ricos, pois exaltam a capacidade criativa dos instrumentistas, no sentido de contar uma história em cada composição. Em “Where Or Wayne” – trocadilho com a figura icônica do saxofonista norte americano Wayne Shorter – o take surge com uma estrutura diferente, se comparado ao primeiro som, principalmente quando o papel do baixo e do trompete é levado em consideração. Nessa faixas, ambos lideram, e a guitarra de John que cumpre função de preenchimento, enquanto a bateria é responsável por dar forma para tudo que está acontecendo, sincopando os elementos no background.

É posso perceber – muito em função das nuances e clareza da captação – a movimentação dos instrumentos. É possível perceber um elemento no primeiro plano ou mais ao fundo, como acontece com a bateria nessa passagem citada. Essa perspectiva é o que justamente ajuda a demarcar a espacialidade sonora.

Esse toque sensível de aproximar e afastar os instrumentos agrega bastante ao processo de escuta, pois o ouvinte consegue ativar sua percepção para detalhes muito importantes da música, principalmente para perceber quando os instrumentos trocam de posição.

New Directions In Europe

new directions in europe

Essa banda ainda gravou outra sessão (“New Directions In Europe“), gravado em 1979 e lançado em 1980.

Nesse disco, o quarteto mostra como era o resultado dessa sessão ao vivo, tocando duas músicas presentes no trabalho de estúdio (“Where Or Wayne” e “Bayou Fever”), além de outras duas novas composições: “Salsa For Eddie G.” e “Multo Spiliagio”. São experiências diferentes, porém complementares e que servem para entender a natureza das experimentações que estavam acontecendo no período. Tanto ao vivo, quanto dentro do estúdio.

Sobre a gravação 

“New Directions” foi gravado em Oslo, Noruega, uma das localidades preferidas do criador da ECM Records. 

A sessão de estúdio, ainda conta com “Dream Stalker”, faixa que surge com uma abordagem de interlúdio, como se a música marcasse um momento de menor intensidade e mais contemplação, contrapondo os enérgicos embates das faixas anteriores.

Em “One Handed Woman” Eddie faz um trabalho muito interessante e a forma como o disco foi gravado possibilita outra experiência com a espacialidade musical da gravação. Jack está à todo momento com o som mais na frente, porém essa posição não desfavorece o espaço dos solistas e tampouco limita a condição de Eddie Gómez como mero acompanhamento.

Em alguns momentos da faixa, Goméz acompanha o baterista Jack DeJohnette, fechando a sessão rítmica, em outros sola e até serve como contraponto para as ideias que John Abercrombie e Lester oferecem nessa situação. A bateria está em primeiro plano o tempo todo e mesmo assim o ouvinte consegue prestar atenção nas nuances de cada passagem.

É como se essa visão de produção ajudasse o ouvinte a escutar as linhas com clareza, dando oportunidade para que o ouvinte consiga fazer as distinção dos elementos presentes no groove.

Esse jogo de luz e sombra com a configuração dos instrumentos nas faixas, possibilita que o ouvinte consiga prestar atenção nas linhas, mesmo que o elemento em questão não esteja liderando ou em primeiro.

O fato de Jack estar acompanhando não apaga seu protagonismo, não faz o ouvinte perder o tempo do som ou evidencia um resultado final que soe embolado nos fones de ouvido. Cada um dos elementos é plenamente audível durante toda a proposta, por isso cada mudança em termos de posicionamento – e interação com o espaço e até mesmo entre o grupo – é sentida, faixa após faixa.

A fluência dos músicos é notória. Apesar das diversas situações, todos parecem sempre ter uma resposta, um detalhe que viabiliza temas mais longos, uma característica marcante nessa edição. A influência do Blues na levada de “One Handed Woman” mostra a relevância dessa linguagem no acompanhamento do Jazz.

O último número (“Silver Hollow”), mantém essa escrita de faixas mais longas, porém oferece novas possibilidades, recriando a ambiência contemplativa da faixa “Dream Stalker”.

A música ocupa diversos espaços, delimita as distâncias e cria condições para que a interação entre músicos e respectivos instrumentos aconteça de forma livre, explorando a espacialidade musical e as formas das composições no Jazz. 

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