Oganpazan
Destaque, Discos, Resenha, Sem categoria

Neto Kbção Nos Trás Várias Queixas Em Seu Disco!

Ritmado e groovado Neto Kbção estreia em seu primeiro disco com muita propriedade ao relatar as várias queixas que a periferia tem pra fazer

 

Adoro ouvir música caminhando pela cidade – estou me repetindo – mas é verdade, observando o movimento, caminhando entre as pessoas, ou no busão percebendo as paisagens, pensando na vida. E o primeiro ponto que percebi nesse disco do Neto Kbção é como ele fincou suas letras numa pegada Funk-Soul. Caminhando e ouvindo as canções, você é levado necessariamente a bater cabeça com esse disco. E depois de escutá-lo inteiro bater cabeça para o mano. Muitos anos de militância na cena hip hop, e as participações em grupos levaram o rapper a conseguir produzir um disco com um conceito muito bem acabado. Todas as letras giram em torno da mesma perspectiva que é o título do disco: Várias Queixas (2016). Maloqueiragem poética sagaz para denunciar todos os problemas que afligem nossas quebradas.

E aquela pegada funk a que eu me referia acima, se reflete na sonoridade do disco mas também no encadeamento poético que Neto Kbção encaixa nos grooves. As poesias que vão destilando as várias queixas seguem pausadamente e ritmadamente – quase que de forma didática – nos apresentando a realidade das favelas. Com uma voz rouca e trabalhando em tons médios, Neto segue firmão do inicio ao fim. Ao mesmo tempo que consegue também iluminar as condutas esperadas pelo sistema ele também oferece-nos quais as posturas capazes de desviar e resistir aos males ofertados.

Contando com 14 faixas (entre interlúdios e canções) Várias Queixas é um disco relativamente curto, mas não menos impactante em seus 33:42. Pois sua sonoridade bem acabada e o conceito que perpassa a todas as músicas traz-nos um relato muito bem acabado artisticamente. É possível sentir o peso da caminhada e das ideias apresentadas, com uma verdade muito presente em cada música, algo que somente a boa arte é capaz de alcançar e transmitir. 

O disco que tem a produção do próprio Neto e do Di Beats conta também com várias participações muito bem inseridas no projeto. A canção título Várias Queixas traz a participação fundamental de Andrezinho. Enumerando com radicalidade os problemas que nos cercam na maioria dos cantos de nossas cidades. Crime, falta de solidariedade, repressão policial, traições, alienação parental, encarceramento em massa. São apenas algumas das queixas que ao longo do álbum serão apresentadas.

Já em O Pesadelo, o mc narra a triste história que muitos dos nossos meninos na periferia protagonizam. A falta de oportunidade, a empolgação pelo crime e o poder incipiente que é oferecido facilmente por aqueles que ali próximos, terminam sendo o espelho para uma juventude carente de outros modelos. A faixa conta com a participação de Leo Soulza e sua bela voz no arranjo R&B do refrão. 

Interlúdio interessante, O Despertar com a voz de Jéssica Scarcella leva-nos junto com o personagem, como num convite irresistível a curtinha e romântica Perco a Direção. Onde o rapper nos fala da musa que o enfeitiça se tornando um grande desejo do alter-ego do artista. Eu Tive Que Subir, narra o ambiente hostil da favela e a nossa fauna, numa construção poética que se diferencia bastante das letras mais narradas. Aqui o Mc mostra toda a sua potência ao construir as rimas com palavras aparentemente soltas, sem conectores e poucas frases completas. E no entanto consegue construir uma visão muito forte da favela e de seus problemas assim como das formas de se conseguir vencê-los. Recorrendo ao samples do Tim Maia Racional, mostrando como é necessário o enfrentamento destes problemas e a vivência nesses ambientes para a superação. 

Falávamos mais acima sobre as posturas necessárias para fugir das armadilhas do sistema e Corre Enquanto é Tempo, vai nesse sentido. Fugir aqui nesse caso é um ato revolucionário, a negação dos convites para prazeres fáceis, a busca pelos caminhos mais dolorosos termina sendo a formação dos que realmente são vida loka. A violência policial e a vida bandida, uma constante nas quebradas aparece como tema em No Baculejo com a participação de Frenética.

Uma linha de baixo que corrobora e muito nosso argumento sobre a pegada funky do disco, Eles Querem Meu Erro, é a trilha para caminharmos pela vida com aquela malandragem que salva. O refrão canta: “Então não deixe fugir do controle, eles querem seu erro só“, um pensamento capaz de nos dar um norte. A luta para que nossos irmãos incorporem a ideia que Neto Kbção cita: Eu Sou Aquele Preto Que Não Pode Errar (todos reconhecem a referência né?). Uma das melhores faixas do disco em nossa opinião, conta com a participação nas rimas de Kaizen Rap.

Em Todos os Olhos Em Mim II o rapper Mr. Jack faz uma introdução bacana que vai encontrar a complementaridade na música seguinte: Todos os olhos em Mim. Neto Kbção faz uma bela reflexão sobre sua própria caminhada no rap, tendo uma voz sinistra como a má-consciência ou Inimigo, a depender das crenças ou ausência delas. A voz representa aquela dúvida que faz muitos titubearem ou serem vencidos no rumo da busca de melhorias coletivas, ao mesmo tempo que galgam uma carreira artística. Mas o mano Kbção segue firmão, talvez principalmente por ser capaz de pensar o que o esperava fora da militância dentro da cultura hip hop.

A última faixa do disco, Retaliação (Vila Moisés) é uma colagem com as falas de moradores da Vila Moisés no bairro do Cabula, Salvador BA. Que foi mais uma quebrada a ter uma operação covarde da Policia Militar baiana, fazendo tombar 13 corpos que foram brutalmente executados.

Um encerramento muito simbólico de um disco que não desvia o discurso da combatividade em momento algum aliando-se a um sonoridade funky old school. Inspiração na velha guarda para falar de problemas constantes, num disco novo e que mostra como é possível se inspirar na escola pioneira sem estar ultrapassado. Neto Kbção estreia em disco solo, como veterano da cena hip hop que é, com muita qualidade, força e atitude, 4P.

Baixe gratuitamente o disco no site muito bacana do Neto Kbção, clicando aqui.

Nota:             

Saca só esse clipe feito em 2014 de uma das músicas presentes no disco!

 

Matérias Relacionadas

Bella Kahun e o seu universo interior em Crua (2020)

Danilo
4 anos ago

Mukambu lança disco de estreia “Do Gueto ao Kilombo”, Reggae Roots e Caminhos Abertos

Redação Oganpzan
3 meses ago

Crust or Die Fest: um festival pela resistência

Carlim
5 anos ago
Sair da versão mobile