Oganpazan
Discos, Resenha

Necro faz tremer até os ossos de quem ouve suas músicas!

Psicodelia, Lovecraft, cultos a seres de outras dimensões, tudo isso está nas referências que fazem o som da banda alagoana Necro! 

O nome Necro é uma abreviação de Necronomicon. Pra quem não sabe esse é o título de um livro citado constantemente nos contos do mestre da literatura fantástica/terror/ficção científica H.P. Lovecraft.  

A grande sacada de Lovecraft está em lançar uma aura de mistério sobre a existência do Necronomicon. A referência a esta bíblia antediluviana que traz a palavra mítica do deus Cthulhu imprime às histórias um misto de terror e celebração religiosa pagã. O tom dos contos é bem documental e passam a impressão de se tratarem de relatos reais. Não a toa existem por aí muitas teorias sobre a existência do Necronomicon baseadas nos trechos dos escritos de Lovecraft, que se não são verdadeiras, ao menos rendem excelentes materiais especulativos. Donald Tyson escreveu uma versão do Necronomicon baseado nos escritos de Lovecraft. Em seu Necronomicon, Tyson expõe detalhadamente a mitologia de Cthulhu reforçando ainda mais a natureza “real” das narrativas de Lovecraft. 

A outra face do som da Necro está no que me parece ser sua principal influência musical, a banda responsável por inserir o terror e a magia negra no som do rock´n roll. Estou falando do Black Sabbath. Toda simbologia do Sabbath gira em torno de ritos pagãos, sempre presentes nas letras de suas músicas. O uso constante do trítono que gera uma tensão pesadíssima na música, fazendo com que as notas tocadas nesse formato produzam no ouvinte uma sensação diferente, também são marcas registradas da música dos pais do metal! O efeito causado era tão forte que a Igreja Católica durante a Idade Média proibiu seu uso e passou a se referir ao trítono como o som do diabo. Duvido que não tenha vindo à cabeça de vocês trechos de músicas do Black Sabbath em que a guitarra do Tony Iommi faz soar a nota do capeta com toda sua fúria. Com toda essa simbologia foi só o trabalho dos setores reacionários e incautos da sociedade juntar lé com cré. Rapidamente O Black Sabbath e posteriormente o heavy metal, passaram a ser vistos como verdadeiros cultos ao Sete Peles. 

Os alagoanos da Necro uniram esses dois ingredientes para temperar sua estética sonora e trazer o terror para o rock brasileiro. O álbum objeto de nossa resenha, Necro, foi lançado em 2014. Antes a banda havia lançado Queen of Death em 2012. Necro abre os trabalhos com Noite e Dia notadamente marcada pela influência dos riffis característicos do Black Sabbath que em momentos dão lugar a melodias e harmonias psicodélicas. A letra aborda o caráter efêmero da existência, sem contudo cair no lugar comum cuja tônica seria aproveitá-la intensamente. Somos apresentados a imagens de forças contrárias se digladiando para gerar novas experiências ou vivências. Percebe-se a presença de uma forte propensão à constituição individual de cada existência sob responsabilidade do próprio indivíduo, que só pode ser alcançado através da fuga das receitas que nos são apresentadas constantemente.

O barco segue com Dark Rendemption levada num embalo mais pesado intercalando excelentes riffs de metal num timbre seco da guitarra. Pra coisa ficar ainda mais interessante tem a voz de Lilian Lessa cujo timbre é suave, mas o impacto causado pelo modo dela cantar faz estrago equivalente a um soco do Mike Tyson. O timbre da voz da Lilian casa bem com o tema abordado pela letra que entra de cabeça na temática obscurantista. No título está implícita a mensagem da letra, que aponta na direção de se redimir através da escuridão. A estrofe inicial descreve a atmosfera de um ritual pagão e seus efeitos sobre o espírito. Somos colocados diante de uma visão de mundo ligada à satisfação primitiva dos instintos. O horizonte que se apresenta não irradia luz, pois o sol já se pôs e no firmamento o vermelho é a cor que se reflete nas retinas. 

Creatures of Swamp tem um riff bastante mórbido. Mais uma vez os vocais da Lilian surgem agora num lamento profundo saído das profundezas lamacentas do brejo. Chama atenção o que se esconde por traz da letra, que pode ser compreendida como uma metáfora para um esfera de existência alternativa, completamente fora do que é socialmente aceito. O pântano, ou brejo (pra usarmos uma palavra mais condizente a nosso vocabulário), é o habitat social marginal onde vivem criaturas que não encontram nos nichos sociais oficiais as condições necessárias à sua sobrevivência. Para estas criaturas, todos os caminhos levam ao brejo. O mais importante, as criaturas do brejo estão cagando e andando pra isso. 

Grito conserva a força dos riffs metálicos mas se desdobra mais cadenciadamente. Na introdução um pequeno coro em sintonia com os acordes abertos de um teclado são o anúncio do clima sombrio que encontraremos na música.  Os vocais ficam por conta do baixista Pedrinho e a Lilian dessa vez tem a responsabilidade de fazer os vocais de apoio. Quem não gritaria imerso na escuridão, tendo que tatear em busca de um caminho ou um sentido pra vida. Fica bem marcada a busca pela luz, a cabeça que se inclina para ver acima do canavial a orientação do sol. As letras de Necro criam imagens fortes e conseguem se manifestar dentro do que é próprio da linguagem poética, ou seja, produzir sentido sem ter que explicar. 

A psicodelia surge quando o sol se esconde em 17 Horas. Lilian Lessa retorna aos vocais e mostra que sua voz se expressa muito bem em melodias mais encorpadas, com maiores exigências interpretativas. Os riffs de guitarra deixam a cena e dão lugar ao dedilhado do violão de aço. O baixo assume o primeiro plano e em arpejos bem cheios vai passeando pela música. Entra uma música mais tranquila, cantada num tom suave quase exigindo que o ouvinte dê uma de Odisseu e se amarre ao mastro do navio para não cair na armadilha das sereias, faz surgir um momento de agradável surpresa. Preste atenção à letra de 17 Horas, concordam que se trata de uma canção de amor? Trata-se de uma canção de amor nos moldes da Necro! 

Mente Profana é a estação final de nossa viagem. O peso volta ao controle e vem para marcar a ferro quente a presença definitiva da Necro no cenário rocker brasileiro. Vamos aguardar os desdobramentos que terão os próximos capítulos na caminhada da banda pelas sendas musicais brasileiras e internacionais. Até lá fiquemos com na companhia desse álbum, companhia perfeita na penumbra, mas também ao sol, afinal estamos nos trópicos!  

Nota:  

Ficha Técnica:

A Necro é:

Lillian Lessa: Guitarra, violão, moog e voz
Pedrinho: Baixo, violão, Mellotron e voz
Thiago Alef: Bateria e percussão

Participação: Diogo Oliveira nos vocais em “Mente Profana”

Arte por: Cristiano Suarez
Gravado no Pedrada entre janeiro e março de 2014
Mixado por Dácio Messias

Necro by Necro sounds

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