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“Não pise na grama que a terra é santa”; Marcola Bituca fala sobre sua trajetória e próximos passos

“Não pise na grama que a terra é santa”; Marcola Bituca fala sobre sua trajetória e próximos passos após lançamento de OUFS

 

“Eu não tenho mais objetivos, porque não vejo a música como negócio, quero ganhar dinheiro e fazer shows, sim, mas fiz um compromisso com a Deusa, que é a música, e ela me dará o que eu mereço na ida e na volta”.

Os Últimos Filhos de Sião”, considerado pela mídia um dos melhores discos de rap do ano é, sem dúvidas, um divisor de águas na carreira de Marcola Bituca. O projeto fez o artista voar e ele não foi sozinho. Lançado em junho, ainda é destaque na cena do rap nacional. Com participações renomadas, como Caboclo de Cobre, Cristal, MCDO (Afrocidade) e Rincón Sapiência, OUFS traz como ideia principal a comunhão entre as pessoas.

Com esse propósito, Marcola foi à São Paulo e lançar o álbum no Estúdio Showlivre, acompanhado de sua banda, composta por Diego Monteiro (baixo), Heverton Didoné (percussão), Marcelo Santana (programação, synth e voz), Mirow Cavalcante (teclado e voz) e Yan Santana (programação, synth, guitarra e voz).

“Tocar com banda é um privilégio, um time incrível, pessoas incríveis, todos dando seu máximo! Sempre tive essas experiências com bandas, mas agora foi diferente, porque a banda acompanhou o show do Marcola Bituca e estão todos entendendo que é um trabalho religioso, vibrando, curtindo o processo. Isso acaba sendo mais importante que o próprio show, porque se o processo não é fluído e não traz ensinamentos, o objetivo é descartável”.

Ele considera sua participação no Showlivre como algo artisticamente importante, um grande passo na carreira e acredita que traz muita responsabilidade.

“Vejo como uma ferramenta também, ter o privilégio de levar esse verbo para o Brasil inteiro e com essa mensagem, eu só posso me sentir agraciado por isso. Espero poder conectar ainda mais pessoas, lançar mais músicas, aproveitar os processos desse trabalho, adquirir mais vivências para estar mais apto a falar para quem precisa e,  principalmente, me dizer as coisas que preciso”.

TRAJETÓRIA

“Acordar para vender café, sem tomar café. Irônico? Romântico? Eu não sei. Mas assim que é”. Esse é o verso inicial da faixa “Sinos de São José”, e me prendeu completamente, pensei na realidade de algumas pessoas que conheço e atiçou a minha curiosidade para conhecer e entender os caminhos que Marcola traçou para chegar onde está hoje. Ex-membro dos grupos Turma do Bairro e Ministério yAt, segue no projeto atual desde 2018. Abaixo, você adentra um pouco mais na história de João Marcos ou Marcola Bituca, homem preto, pai, ambulante e MC.

Oganpazan – Fale um pouco da sua trajetória na cena do Rap baiano, desde seus projetos solos, aos trampos com Turma do Bairro, Ministério yAt, entre outros.

Marcola Bituca – Comecei a rimar aos 15 anos, em um projeto na escola, mas só gravei meu primeiro álbum em 2015. Iniciei minha carreira solo sem nada definido em 2014 e foi nesse período que participei de uma tour com a Banda Sambatrônica e gravei a principal faixa do disco deles, à convite do João Jonga de Lima. Era um projeto grande, com músicos renomados, como DJ Mauro Telefunksoul e isso me deu uma noção de palco e show muito grande.

Lancei meu primeiro álbum de estúdio em 2015, com o grupo Turma do Bairro e em 2016 iniciei, de fato, minha carreira solo. O projeto Marcola só começou em 2018 e tem apenas dois anos acontecendo, ano passado lancei um álbum e três EPs, sendo um deles com a Turma do Bairro, em uma formação com Ramón Velázquez e Mari Buente e um EP do Ministério yAt, que foi quando comecei a vislumbrar um trabalho mais religioso.

Oganpazan – Sendo homem preto, pai, artista, como tem sido lidar com a pandemia e lançar um disco no meio dela? O que você tem feito para se manter de pé?

Marcola Bituca – É estranho dizer isso, mas esse é um dos momentos mais importantes da minha carreira e o mais importante da minha vida! Acho que quando vislumbrei aquilo que os homens temem, que é o desconhecido, abracei e perdi o medo. Eu me vejo completamente despido em frente às situações e consigo tirar aprendizados dela.

Lancei um disco que pede comunhão em verdade e em espírito as pessoas, justamente no momento que elas estão trancadas em suas casas, não foi proposital, mas a mensagem teve mais força porque em um momento como esse a gente lembra que no fim só temos uns aos outros e todo resto irá passar. Eu vivo dias iguais, e busco minha melhora. Expressar minha essência, uma vida de renúncia e de obra, me sinto agraciado por essa mensagem, atingir pessoas de todos os cantos. Eu sou Pai, eu sou filho, eu sou nós porque somos todos.

Oganpazan – Em uma live com o editor do Oganpazan, Danilo Cruz, você falou sobre seus corres, inclusive, sobre o trabalho de ambulante. De que forma isso impacta na sua construção como pessoa? 

Marcola Bituca – Acho que sempre fui ambulante e nunca deixarei de ser, porque fazer música também é a arte de vender algo a alguém, isso está presente em tudo que aprendi no dia a dia: comunicação, improviso, adversidades e traz também a invisibilidade, o sub ser diante os olhos sociais. Acho que minha mensagem religiosa ganha mais força por isso, não sou um rapaz falando somente dos meus problemas, estou falando que estou passando por eles e seguindo em frente com sabedoria.

OS ÚLTIMOS FILHOS DE SIÃO

Oganpazan –  O que te trouxe inspiração para criar esse disco?

Marcola Bituca – Os últimos filhos de Sião é um trabalho que tem no seu Orí um cunho multi religioso, onde eu quis apresentar um pouco da filosofia da Fé Bahá’í através das músicas, contar minhas experiências e falar sobre esse novo mundo que se apresenta, não é um trabalho direcionado a bandeiras, grupos, cartazes, arquétipos, somente a pessoas, entregar o santo verbo as pessoas e o real sentido de amor, enquanto entendimento. É um disco de comunhão, lembrar que temos mais em comum do que o contrário. Todos somos filhos, é isso que eu acredito e isso que busco.

Oganpazan – Seu disco traz algumas participações, como chegou até elas, como surgiu o convite?

Marcola Bituca – As participações foram todas bem naturais, o Rincón conhecia meu trabalho por causa da faixa “Semop”, e a gente já tinha combinado de gravar, mas nunca dava certo, devido a rotina dele e outras 1000 coisas, o próprio processo do disco atesta muito o sobrenatural que eu me refiro.

Tentei gravar com Rincón Sapiência e não dava certo, isso me gerou até certa frustração, quando me vi nas práticas da Fé Bahá’í e entendendo que tudo era ferramenta e nada era objetivo, as coisas aconteceram independente da minha vontade. Um dia o ele me ligou dizendo que iria gravar um clipe com Attoxxa, uma semana antes do carnaval deste ano e disse que teria um tempo pra gravar. Ele chegou em Salvador, fui buscar ele no hotel onde estava hospedado, a gente foi pro estúdio e fluiu natural e sem esforço. Fiquei pensativo sobre isso, como alguns milagres aconteceram.

O Macedo Afrocidade é meu amigo há mais de 10 anos, e aconteceu no melhor momento da minha vida, é um parceiro, um cara que eu admiro bastante, foi bem natural também.

O Caboclo de Cobre conheci recentemente e nos tornamos amigos. Participei do batizado indígena dele, que foi celebrado pelo nosso amigo, Cacique Idyarury. É um ser multireligioso, me proporciona aprendizados incríveis, aprendizados ancestrais, a minha busca por essa alma eterna. Esse disco, em todos os pontos, foi colaborativo, fazendo valer ainda mais a mensagem.

E por fim, a Cristal, minha amiga, uma menina que gosto de coração. Sou amigo do produtor dela também, há mais de 10 anos, o MDN já produziu meus discos, faixas e singles, viajamos juntos e ele me mostrou uma música dela, antes mesmo de sair nas plataformas, eu já tinha feito conexão com a Cris e a gente passou a ter uma relação de irmãos. Ela disse que não se sentia bem para gravar o disco, e eu mandei uma mensagem de força. De certa forma, ela se motivou a gravar e foi incrível. Sou muito grato pelas pessoas que fizeram parte desse álbum, um sentido de rede verdadeiro de pessoas, só com o coração no projeto.

SOMOS TODOS FILHOS

Oganpazan – Nas letras, é perceptível que você tem um grande respeito pela sua ancestralidade, pelas forças superiores, digamos assim. Como isso é aplicado na sua vida, no que você acredita?

Marcola Bituca – Tudo o que faço depois da minha morte material, no dia 10 de novembro de 2019, é traduzir essa mensagem no dia a dia. Encarnar esse verbo poderoso, através da caridade, dos bons pensamentos, da doação a mim e de quem cerca, de auto perdão, de renúncia, o verbo se fez vida em mim porque deixei de falar o que queria e agradecer pelo que eu tenho, se tornou nós e todo dia essa rede aumenta, educar no exemplo.

Eu sempre falo que é preciso manifestar a fé no olho do furacão, de que é possível tirar lições positivas na adversidade o tempo todo, esse é meu principal recado, é que a música é meramente uma ferramenta, precisamos dar exemplo nas nossas pequenas ações, quando não tem ninguém vendo. Não adianta nada me colocar como alguém espiritualizado, ser otário com um morador de rua ou tratar mal minha filha, não compreender minha mãe, de nada vale a mensagem sem as ações.

PLANOS PARA O FUTURO

Colhendo os frutos de muito trabalho, Marcola ainda tem muitas novidades para o segundo semestre de 2020. Contou, com exclusividade, que pretende lançar sua loja com a arte que acompanha o processo de seu primeiro livro, Bluemagic. Segundo ele, é basicamente o roteiro para um mangá.

“Baseado nisso, farei um remix da faixa Oceano (nome homônimo à loja). Será minha principal fonte de renda neste momento, paralelo a música. Vamos vender camisas e moletons, livro digital e quadros feitos de forma ecológica, tudo pelo insta da Cafua do Morcego. As peças serão baseadas em traços de desenhos, figuras religiosas, animações e moda de rua”.

O lançamento desse projeto será no dia 21 de setembro. O livro traz a história de Hoxi, um garoto, e “sua relação humana com o divino espírito, através do contato com a natureza e suas variáveis”. “É uma história de guerra contínua para evolução humana. Por enquanto manterei a versão digital, até ter certeza que dá para fazer a versão física em uma qualidade bacana. Serão 10 capítulos e 50 páginas, contando o início da vida e as lutas de Hoxi”, explica.

MENSAGEM AOS FÃS

“Agradeço a todos que estão acompanhando esse trabalho, o Marcola não é nada sem vocês e eu sou só um dos muitos filhos de Sião, Deus fala aos pares, então, a mensagem só tem sentido porque alcança quem deve alcançar, muito obrigado e glórias ao altíssimo, muita luz na vida de vocês, aprendam com o processo, que é mais importante do que o fim”, finaliza.

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-“Não pise na grama que a terra é santa”; Marcola Bituca fala sobre sua trajetória e próximos passos 

Por Laísa Gabriela aka Gabehs

 

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