Nabru, Thaís Aguiar, Jaya & Isis Orbelli Lançamentos 2019, mulheres que chegaram com EP’s e discos muito bons com qualidade musical e luta!!
Essa matéria é uma prática comum aqui no nosso site, onde buscamos desde sempre visibilizar e reconhecer o valor do trabalho de mulheres nos mais diversos gêneros musicais. Sua razão de ser é a mesma de todas as outras matérias que fazemos: reconhecimento da imensa qualidade musical dos trabalhos. No entanto, sabemos da importância de combatermos o machismo em suas estruturais expressões na nossa sociedade, também.
Assim, junto ao mês de março que se institui como o mês das mulheres, lançamos uma série de matérias que carregam a hashtag #Marconaobasta! Pois sabemos que a luta das mulheres é todo dia, em todas as áreas de suas vidas na nossa sociedade, e nos solidarizamos com a causa.
Trazemos aqui quatro mulheres, que fazem do RAP/R&B e da cultura hip hop suas armas de luta política e social e de expressão estética. Todas lançaram seus trabalhos agora nesse começo de ano, e sabemos o quanto é difícil para mulheres conseguirem gravar, lançar e alcançarem mídias e divulgação de seus trabalhos. O machismo de diversos agentes da cultura, dificuldades financeiras, falta de reconhecimento para fazerem seus trabalhos pelos palcos, homens que se aproximam querendo “vantagem” pelas ajudas financeiras e etc, são apenas algumas das dificuldades que as minas encontram.
Precisamos resaltar que os trabalhos das maravilhosas Nabru, Thaís Aguiar, Jaya e Isis Orbelli, mereciam resenhas mais aprofundadas, pois seus discos/eps são realmente muito bons. Essas diferentes artistas, abrem 2019 com excelentes trabalhos, trazendo cada uma suas singularidades, seus diferentes matizes que nos mostram como a paleta de cores que as mulheres têm a nos ofertar nas artes é infinita. Vamos lá:
Jaya – Não Foi Tempo Perdido (2019)
O disco da Jaya foi lançado no final de fevereiro e é a coroação de um processo curioso que culminou nessa estréia poderosa, que você pode conferir em Não Foi Tempo Perdido (2019). Para conseguir lançar uma obra que já de saída nos mostra um estilo próprio muito seguro e assentado em muito talento, uma verdadeira epopeia: encontros, desencontros, fim de amores e mudanças geográficas concorreram para que o álbum se concretizasse.
Um disco cheio que certamente quanto mais ouvimos mas percebemos o quanto o machismo inviabiliza trabalhos geniais de mulheres. Aqui estamos diante de um dos melhores do ano até agora. Com uma produção impecável, participações que agigantam o trabalho, e principalmente o imenso talento da Jaya.
Musicalmente diversa e inventiva, Jaya nos oferta um disco que está na pista com suas singularidades subjetivas e ao mesmo tempo apontando direções muito interessantes. A produção do disco ficou por conta de Rodrigo Zin e Bface (na maioria dos beats) mas também Jxtacincx , CAFEBEATZ e Shaolin Drunk e é um show à parte, com beats apresentando ao ouvinte sonoridades novas e diversificadas que coadunam com a versatilidade da lírica dessa baiana radicada em terras do Sul.
Variações sobre o tema do amor, sexo, paixão atravessam o disco de um modo irresistível e fazendo dessas variações “o” atrativo. Pois, ao fazer esse movimento a artista consegue mostrar a força de sua lírica e de suas ideias, performando com muita qualidade no flow e no canto, alguns aspectos dessas questões que não precisam se resumir a relacionamentos humanos. Exemplo disso é a excelente música que também nomeia o disco, “Não foi tempo perdido”, onde a mc parece antropormofizar o rap, mas não, ela apenas constroi a música escrevendo para um amor não humano. A linda capa do disco é trabalho da artista/ativista Beatriz Lago e o disco sai pela gravadora/selo Suite Music.
Isis Orbelli – Oscilação dos tons vol. 1 Vermelho Cru (2019) EP
Três músicas que farão você se dar conta de que uma voz poderosa está entre nós, puxando esse EP para as sutilezas melódicas e o canto sedutor do R&B. Isis Orbelli chega com bastante qualidade musical e maturidade ao seu segundo EP Oscilação dos Tons: Vermelho Cru (2019) explorando tonalidades da paixão em forma de música.
Seu alcance vocal, sua segurança no empostar sua voz, a beleza madura das letras presentes nesse seu segundo trabalho, pode lhes confundir, e talvez você acredite estar diante de uma cantora com bastante estrada.
Não é o caso, Isis Orbelli, do alto dos seus 18 anos, tem pelo visto, um futuro imenso pela frente. Principalmente por não tomar os caminhos mais faceis que o R&B tem pra oferecer quando devidamente diluído para o rápido consumo.
Utilizando os beats do norte americano Burbank nas duas primeiras faixas, onde o R&B faz a linha condutora onde Isis desfila sua magnifica voz, clareando a confusão dos tons oscilantes da paixão, de um amor que lhe incita a escrita e o canto. O EP que conta com três faixas, finaliza com um beat do Unchainedpac, pra cima num excelente exemplo funk, onde a cantora cita Cartola, e encerra o disquinho resistindo (“Você não verá minha luz apagada“).
Com a direção musical de Negus, o EP foi dividido em uma outra parte que sairá no segundo semestre desse ano. Fiquem atentos a esse imenso talento, que consegue em três faixas pintar com sua voz diversas ideias e afetos da paixão.
Thaís Aguiar – Carta Natal (2019)
Um disco que aborda questões muito fortes da luta feminina com uma serenidade que vai se constituindo para o ouvinte no transcorrer de uma faixa a outra, que nos apresenta uma sonoridade é mais calma em contraste com a força das mensagens e a urgência das pautas.
Carta Natal (2019), da carioca Thaís Aguiar é uma estréia muito interessante, e com muita qualidade conceitual, que nos transparece através das produções em conjunção com sua poética. Tomando como base a astrologia, assunto do qual sou ignorante, o fato é que ao longo das dozes faixas, a rapper de Mauá, consegue nos oferecer uma excelente trilha espiritual.
Sinais, ideias, um flow seguro e variado, que serão capazes de guiar o ouvinte por essa Nova Era que se anuncia. Partindo da sua percepção física e de seus pensamentos desenvolvidos através de uma forte alteridade, Thaís Aguiar consegue dialogar através da linguagem musical que desenvolve com ideias cósmicas, não apenas politicas e éticas.
Um trabalho muito firme em todos os aspectos, que contou com produções de Pedro Simples, Babidi e Nego Iego. A captação ficou por conta do próprio Pedro Simples nos estúdios Link 207 e Masmorra. A master é obra da Beto Malfatti(Jardim Zaira Records), participação da Maizika que também fez a produção executiva.
Nabru – Marquises e Jardins (2019) EP
Apenas vinte anos e pouco tempo fazendo rap, mas escrevendo, observando e absorvendo o mundo ao seu redor desde a mais tenra infância, a mineira Nabru lançou um EP muito foda. Sua percepção de mundo é aqui transformada em ritmo e poesia de modo a deixar inequívoco para a audiência que estamos diante de um fato novo que precisa ser bem cuidado.
Marquises e Jardins (2019) é a sua estreia com um ep que deveria fazer todos os amantes do boombap se ajoelharem e fazerem uma oração mirando essa janela acima da marquise onde a poeta consegue observar diversos aspectos do cotidiano e de sua formação estrutural.
Assim, estariam cumprindo uma devoção não somente a essa nova flor que emerge aos poucos no jardim do rap nacional, como prestariam um serviço ao underground e às pautas fundamentais que compõem a luta do real hip hop. Nabru rima suave, num tom docemente chapado, o que vai aos poucos chamando nossa atenção para a força da poesia e do quanto ela carrega de luta resistente.
Do amor, da ganja que clareia a mente, da educação que falha em escurecer nossas subjetividades, de sua família, da quebrada e suas tensões, de tudo isso e muito mais, ela rima poética e ritmicamente com bastante criatividade. Contando com participações de Lessa Gustavo e Teo, que colam na primeira faixa. Sobre as marquises, seja abaixo nos rolés pelas ruas, seja se colocando acima delas para perceber transcendentalmente os problemas, o fato novo é que um novo jardim subjetivo floresceu no rap nacional. Resta-nos cuidar dele, e observa-lo contemplativamente.
Produções de Kid Grandmaster Flash, Fatgroovy, Gust, Lvks, Pxtvto Hevd e Corvo (os dois da Nihil). A mix e a master ficou por conta de Davzera (Nauzea Records), e as artes por Myrella Amorin e Nabru.