Oganpazan
Destaque, Discos, Hip Hop Barril, Lançamentos, Música, Resenha

nabru segue como um passarinho urbano em flows, rimas e melodias de “Desenredo”!

nabru

foto por João Victor Medeiros

Disco da MC e cantora mineira nabru, “Desenredo” traz feats com Alra Alves, Matheus Coringa e Bonsai, um exercício poético levemente denso!

nabru na capa e contra capa, com arte da capa por Matheus Gusthavo e fotografias de João Victor Medeiros

“Sempre mais leve eu tô me vendo, e vem de dentro o que eu procuro memo” 

A mineira nabru estreou no mercado fonográfico em 2019 com o EP “Marquises e Jardins” e uma mixtape “Porque Prefiro Falar de Amor” que já apresentava uma jovem MC pronta, que naquele ano lhe apontaram como uma das grandes revelações do ano. De lá pra cá, nabru lançou mais 3 EP’s e um bootleg de sua apresentação no Marthe Festival, além de clipes, singles e participações. 

Ao longo destes anos e com estes trabalhos, nabru se tornou um dos nomes importantes do cenário rap underground nacional, com reconhecimento de seus pares, de público e crítica. Agora em seu disco de estreia, “Desenredo” reafirma toda essa qualidade já conhecida expandindo, em um album com 18 faixas (15 + 3 bônus track), o seu universo lírico, temático e sonoro-musical. 

-Leia sobre os outros trabalhos da nabru que tiveram cobertura do Oganpazan 

Para tal empreitada, nabru convocou produtores com quem já tinha trabalhado e outros com quem grava e lança pela primeira vez. Apresentando uma gama de beatmakers que são a fina flor do underground nacional, os construtores de sonoridades que não se rendem aos modismos. “Desenredo” é um disco de boombap under, com beats de cjr beatz, CIANO, SonoTWS, EricBeatz, Devaneio Beatz, gust, Fomori. O Gvtx assina a maior quantidade de beats do álbum e também a direção musical, a mix e a master do disco.

“Reparei que não uso espelhos e mesmo assim me olho muito/ Eu precisando me mudar e querendo mudar o mundo” Milagres (Parte II)   

Essa citação retirada da última música da mixtape da nabru pode ser tomada como um elo que liga a artista ao seu período atual. Mais a frente, na mesma música ela se questiona: “Mas se eu me mudasse, com certeza o mundo já se mudava né?/ Tudo que tem ao seu redor, sempre vai ser influenciável”. 

Estes versos, nos dão pistas de o quanto “Desenredo” é uma reflexão sobre a constituição da nabru enquanto mulher, preta, periférica, universitária e artista. Buscando deixar tudo isso compreensível tanto para ela, quanto para nós ouvintes, o conteúdo lírico e musical do disco vai retrabalhar e atualizar questões com uma intensidade outra, visceralmente densa.

A mudança geográfica da favela da Pedreira Prado Lopes em BH para as ruas frias de SP, e consequentemente o afastamento da família, acrescenta o distanciamento e a solidão necessários para essa reflexão. Que desenvolve uma poética nas construções dos versos perpassando temas que já lhe são caros, como sua espiritualidade, a saudade da família, a sua formação familiar e de rua, suas visões políticas. 

foto por João Victor Medeiros

Sobre a sua Minas Gerais, “Desenredo” que retirou seu título do poema de mesmo nome da mineira Adélia Prado, também possui um parente musical. Trata-se da canção do 33,3% mineiro Dori Caymmi em parceria de Paulo Cesar Pinheiro. nabru inscreve-se assim nessa corrente artística “quase” mística que fala sobre o amor e saudade de Minas, ao mesmo tempo que refletem sobre várias outras questões. 

No entanto, “Desenredo” nos parece marcar um lugar na vida de nabru, um momento em que a artista encontra diante de todas as dificuldades e privações, o sentimento onde a certeza do ofício se faz irredutível. nabru afirma isso tanto sobre o distanciamento dos seus e a certeza de estar no lugar certo, quanto na sua relação com a palavra e o tempo enquanto objeto poético, musical, emancipatório e também de cunho sagrado. 

A arte poética da nabru é um exemplo de que formação política sólida, erudição e vivência são fundamentais. No entanto, a sua erudição presente nas referências citadas ou emuladas nos seus trabalhos, não é um elitismo vazio e ou uma ostentação de capital simbólico, tudo está organicamente interligado. Daí o aspecto visceralmente denso de sua escrita e flow, ao longo das 15 faixas que compõem o disco. 

Dois exemplos disso – de sua erudição orgânica – se referem a citação ao crítico literário Antonio Candido e ao trecho extraído de uma entrevista da Clarice Lispector. Certamente, o grande crítico veria as proximidades estilísticas e temáticas presentes em nabru como uma renovação e uma continuação – como vagamente apontamos acima – de grandes artistas mineiros. Por outro lado, não nos parece tão óbvia a compreensão do trecho da escritora russa, radicada no Brasil, onde ela afirma: 

foto por João Victor Medeiros

“Eu não sou uma profissional, eu só escrevo quando eu quero. Eu sou uma amadora e faço questão de continuar a ser amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever, ou com o outro. Agora eu faço questão de não ser uma profissional, para manter minha liberdade”

O sample inserido no beat de forte cadência do SonoTWS, na música “Risco da Profissão”, após versos onde nabru reflete sobre poético e musical é uma verdadeira bordoada, em tempos onde a produção em massa toma conta do mercado. A urgência do beat encontra uma MC cuspindo barras sobre o “custo” existencial de produção das linhas para alguém que olha pra dentro como ponto de partida e chegada, sem deixar de considerar o entorno. 

Como dito em “Letramento (prod.Gvtx)”: “Eu aprendi a ler duas vez, a segunda olhando prédios”, nabru nos coloca a questão sobre como transformar as vivências de rua em poesia, sem perder a magia da lama das nossas vidas na quebrada. Sendo capaz de fazer com que esse objeto estético dure, sem se render aos esquemas mercadológicos. E aqui a referência a “Teresa Batista Cansada de Guerra” nome de uma música do EP Heartbeat retorna em outra chave. 

Quando falamos em expansão do universo lírico e temático é porque não acreditamos em evolução artística. Artistas não evoluem, se apropriam e dão outra direção ao material artístico através de sua poética em vias de uma construção estética nova a cada vez. É nesse sentido que nabru volta a personagem de Jorge Amado, nesse novo momento, não mais como a amante a espera do amado, mas curiosamente em cima de um beat do Gvtx, sob a dimensão de luta de uma mulher negra para fazer arte. 

A partilha desta luta encontra-se em “Consciente (Caneta e Papel)” no beat do EricBeatz com o feat Alra Alves – um dos nomes pelos quais eu espero um disco já faz um tempo. As duas MC’s dividem na track uma entrega de linhas refletindo sobre o papel coletivo da cultura Hip-Hop e muitas vezes as dores individuais. A celebração presente na faixa “Agradeço às Esquinas” é o tema partilhado por um “sentir diferente” das ruas ocupadas pela cultura Hip-Hop, é expresso para nós por Bonsai e nabru, em um beat jazzy do Devaneio Beatz.

-Leia sobre o último disco do Bonsai que recebeu uma resenha no Oganpazan 

Entre os diversos temas abordados ao longo de Desenredo, existe uma ideia da nabru que se coloca como uma MC que segue observando e poetizando os problemas dos nossos centros urbanos, sobre a perspectiva de uma mulher negra e periférica. A leveza de se encontrar em um momento de afirmação do seu compromisso com a poesia e a cultura marginal que lhe formou e uma posição ética de plena ciência do seu papel e do custo existencial disso, são essenciais para entender o seu disco. 

E tudo isso, pode muito bem ser resumido na faixa “Passarinho Urbano”, assim como nos três bônus track presentes no disco. Em um beat do Fomori (ex-Kid Grandmaster Flash) e do Gvtx, nabru rima em uma das grandes músicas do disco. Emblemática, nessa música nabru condensa os sentimentos de ameaça, de beleza, de violência, de luta, esperança, ódio, amor, onde ela pela potência da poesia sobrevoa as cidades e nos carregas nas asas de sua arte. 

foto por João Victor Medeiros

Poesia que também serve para expressar e controlar os humores, como em Lithium que conta com a participação do Matheus Coringa. Em clara referência ao Nirvana, a música que conta com a produção de EricBeatz, traz os dois MC’s em um clima melancólico mas que não quer ou pode ser traduzidos como tristeza. Como deixa claro o Matheus, não se trata de niilismo chato, mas de um sentimento de recolhimento e de serenidade diante das trocas que efetuamos na vida. 

-Leia aqui no site sobre outros trabalhos do Matheus Coringa que receberam cobertura do Oganpazan 

O disco se encerra apropriadamente na faixa 15 com a música “Cidade Encantada”, no beat do CIANO a MC descreve uma quase canção de amor à SP. Só é completamente de amor, porque ela não deixa de dar umas tiradas e esnoba as contradições de uma megalópole que não contempla espaço para as pessoas, que é anoréxica por não deglutir corretamente as pessoas que nela vivem e obviamente desigualmente patriarcal e racista, onde não é possível expressões individuais de amor feitas por mulheres negras. 

Se agarrando às “Asas do Desejo”, nabru toma impulso para uma beatificação que por enquanto a poesia tratou de lhe ofertar. Quanto ao futuro só deus dirá! As três faixas que são inseridas no disco como bônus track, sendo elas “Diamantes”, “Paz Terrível” e Flor da Estação”, neste último produção do gust com o Gvtx que assina os outros dois beats, o que dizer? 

No mínimo, que nabru tira uma onda com sonoridades mais pop. cantando perfeitamente e passeando pelo o autotune nos Trap R&B com uma desenvoltura impressionante para um boombapeira e chegando no House com um música que aqui já é hit!

Enfim, quando se falar em boombap underground no Brasil em 2024 e adiante, vai ter que citar a nabru, mas sobretudo, um disco prenhe de um futuro ainda em aberto. Estamos diante de uma jovem MC de 26 anos com um futuro imenso pela frente!  

-nabru segue como um passarinho urbano em flows, rimas e melodias de “Desenredo”!

Por Danilo Cruz 

Matérias Relacionadas

Dos bueiros do Recôncavo, para o mundo…

admin
7 anos ago

O que será que seus Ojos Rojos podem nos revelar?

Carlim
3 anos ago

“CHEGA MAIS JUNTINHO, QUE O BALÃO JÁ VAI SUBIR…”

Mateus Dourado
1 ano ago
Sair da versão mobile