MV Bill lançou Voando Baixo no dia 30 abril e mostra que o olhar do rapper carioca permanece aguçado quanto à condição social do nosso país.
Por Danilo Barcelos
“MV Bill está em casa”. Uma frase comum nos discos do rapper carioca desde Traficando informações, de 1999. É assim que poderíamos definir o último disco de MV Bill, Voando Baixo, disponível desde o dia 30 de abril nas plataformas digitais. O “Titio Bill” está em casa, e está aqui para passar a visão.
É importante frisar que MV Bill está em casa. Não há retorno para aquele que nunca saiu. E é isso que está a todo momento sendo repetido no disco: Bill é daqui, sempre esteve aqui, de olho no mundo, no Brasil, na Cidade de Deus, ouvindo e trazendo as vozes dos que o rodeiam – como as falas de “Essência” (MV Bill, DJ Caique) –, abrindo os olhos de quem está acordando agora, como ele diz em “Bocejo” (MV Bill, DJ Caique). Mas traz de volta um som que não está assim tão comum no Rap nos últimos dias: uma batida mais limpa, na maior parte trabalhada por DJ Caique (que produz o disco), com beats mais lentos. É uma base e um microfone, e o MV Bill de sempre, criticando o Brasil, batendo em Bolsonaro abertamente, criticando a merda em que estamos atolados.
“Esgrima” (MV Bill, Dj Caique), primeira música do disco, repete o papel que a música “Introdução” tem em Traficando informações. Torna a apresentar MV Bill para quem ainda não o conhecia, em especial quem chegou há pouco tempo e já se acha no centro da cena. Bill é apresentado por falas de pessoas com vozes facilmente reconhecíveis (que não falarei para não dar spoiler), e segue por “Bocejo”(MV Bill, Dj Caique), dizendo que a luta ainda não está ganha, que é cedo ainda para dizer que a favela venceu, que a vaidade está partindo o movimento pelo qual lutou desde sempre como nos alerta em “Nossa Lei” (MV Bill, Kmila Cdd, Stefanie, Dj Caique). De que não é tempo de comemorar, mas de voltar às bases para poder seguir.
Ele nunca foi embora e se já o engoliram, “bon appétit”. Está acordado e de cabeça erguida, com uma rima rara e aguda, mostrando a quem chegou que o Rap sempre soube que nem tudo é festa e nem tudo é ganho. Que muito do que hoje acontece já foi dito por ele antes. Lembra que um governo pode por tudo a perder e declara de que lado ele está: “nós também não gostamos de vocês”, contrário ao lado dos dopados de cloroquina que matam milhões. Ataca o mito, suas metas que matam. Relembra a todos os que passaram pelo mundo do Rap na música final, com duplo nome: “Muito obrigado (Rip)”(MV Bill, Dj Caique).
Preocupado com o retorno as bases, o disco volta a uma estética comum dos discos de Rap dos anos de 1990. Lembra muito seu primeiro trabalho, mas também lembra o Rap daquele tempo, em que se fazia muito estrago com apenas uma base e muita rima. Sem pirotecnia, sem ostentação, sem equalizações mirabolantes. Um disco voltado ao mínimo: o que está acontecendo aqui, como quem voa baixo para ver de perto o que se passa ainda nas favelas, no Brasil, no mundo. Afinal, “Teve gente que nunca dormiu”, e tem aqueles que estão “acordando agora”.
Está atento ao mundo também, mas chega sem arrogância, chama a atenção, mas “sem querer desmerecer”, porque “humildade é a chave”. Chega na moral, com a moral do “Titio”, como diz a voz da criança que abre “Nóiz Mermo” (MV Bill, ADL, Dj Caique) e tantas outras músicas. Lembra da importância de rever a conduta, está conectado com a favela, ainda mais atento ao cenário de morte e do desaparecimento, da criminalidade e do assassinato de pretos e pobres que nunca parou. Ao mesmo tempo, traz de volta essa base rítmica, esse jeito mais simples e potente do Rap.
O disco é muito atual. Trabalha os diálogos dos apaixonados, o áudio de whatsapp que bloqueia o cara quando a mulher termina tudo. Olha o Brasil de hoje e é de hoje que ele está falando. O passado é só para lembrar a quem chega que quando se muita visibilidade é bom desconfiar. De que é preciso ter lado e é preciso manter a luta. De que a união deve ser aquilo que dá força, não a vaidade que separa. Fala de cancelamento, de linchamento virtual, de racismo, de militarismo, de violência. O disco traz as pautas de todos os dias, apresentadas e lidas nos jornais, com uma clareza rara de quem quer mostrar, dando uma aula de como se faz um bom Rap.
Por tudo isso, o disco já chega abalando tudo, com uma importância enorme. É um manifesto, mas é também uma chamada na sala para conversar e dizer que o caminho não é bem por onde ele anda seguindo. É preciso estar atento. Diz isso porque ele sabe da briga há muito tempo. Nessas falas, mistura uma apresentação de si, da sua trajetória e do Rap, faz homenagem aos que trilharam o caminho e dá porrada para caramba no atual quadro do Brasil. Alerta que o movimento, se dividido, enfraquece. Chama os novos rappers na responsabilidade, diz por onde passa a luta. Mostra que o Rap ainda fala de amor e de desilusão – “Sintonia Real (MV Bill, Filiph Neo, Dj Caique); Última Forma (MV Bill, DJ Caique); No Calor da Emoção (MV Bill, Marrom, DJ Caique) – mas fala de política, de sociedade, da favela. É um disco urgente, importante e que mostra que os grandes artistas estão vivos e prontos para luta. O disco saiu dia 30 de abril e faz muito barulho usando pouca coisa. Faz um estrago com um microfone e o beat mais lento. Vai à essência do Rap, é importante e necessário, urgente e atual. É MV Bill no seu melhor momento num trabalho que deve ser festejado e difundido. Um olhar para o hoje como poucos são capazes de fazer.