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Mulher negra e LGBTQIA+, Iza Sabino em Glória (2020)

Dois discos em um ano, Iza Sabino soltou Glória com produção do Coyote Beatz e se firma como um dos grandes nomes da nova geração!

Iza Sabino Já está provado que a cena mineira do rap tem dado alguns dos frutos mais poderosos do hip-hop nacional nos últimos anos. A partir daí surgem os mais variados nomes que se destacam neste momento, passando por Clara Lima, Djonga, Sidoka, Chris MC, FBC e outros que formam um panteão de versatilidade de sons e rimas. É o caso de Iza Sabino.

Fruto da diversidade de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Iza Sabino não escapa à regra: a mulher no rap tem de fazer 2x mais e 2x melhor (felizmente para nós, fãs de rap, porque temos acesso a obras com outro nível de qualidade, e infelizmente, uma vez que é a confirmação de quanto a indústria é sexista e seletiva). 

Em 2014, a MC e beatmaker mineira já estava presente nas batalhas e já lutava contra a timidez muito típica dos mineiros. Dois anos depois, pôs a cara para gravar o seu primeiro som e, em 2017, juntou-se ao maravilhoso coletivo Original GE, construindo uma relação de amizade com os nomes eminentes acima referidos na cena mineira. Iza Sabino também faz parte do grupo Fenda, ao lado de Paige, Laura Sette, Mayi e DJ Kingdom. 

Agora, apresenta o seu primeiro álbum autoral, Glória (2020). O álbum, assinado por Coyote Beatz, foi construído a partir das experiências da artista como mulher negra e LGBTQIA+ numa sociedade racista e patriarcal. Já tinha escrito sobre ela noutras ocasiões e desta vez consegui trocar uma ideia e conhecer o caminho da Iza Sabino para a glória.

“Encontro-me todos os dias… Todos os dias aprendo algo diferente. Sou uma mulher de 22 anos. Adoro saber sobre a vida, sobre a música, tudo o que envolve arte sempre me interessou muito. Estou curiosa, sou muito calma e compreensiva. Glória para mim é alcançar um nível de felicidade e harmonia. Um estágio que te sentes bem, que te sintas realizado. Esta é a verdadeira Glória para mim: é procurar a luz, a solução das coisas, saber entender as coisas, ser melhor e aprender”, explica.

Ao ouvir o álbum, a primeira sensação é ouvir uma explosão real de um amigo que tem lidado com muito ao mesmo tempo. É sincero, é íntimo e muito mais, é corajoso expor esta vulnerabilidade, porque é isso que cria laços com as pessoas. Segundo Iza Sabino, o processo criativo deste álbum estava bem alinhado com o que ela vivia na altura: um turbilhão de coisas, como todos nós, que se intensificaram pela pandemia (e pela total falta de perspectivas sobre ela no Brasil).

“Quando se cria um álbum, é importante que se tenha uma história. Cada faixa é um processo e uma história. Acabei por fazer sons a dizer-me o que me estava a acontecer e isto estava a gerar esta história. Este álbum foi muito importante para mim porque era um diário, sabe? Coloquei no álbum tudo o que pensava, tudo o que refletia, todas as minhas dúvidas e tornou-se uma coisa muito pessoal. Acho que foi isso que o tornou tão sincero e foi por isso que todas as pessoas se identificaram com o que eu disse. Estou falando de relações abusivas, relações abertas, racismo. Estas são coisas que já passei que as pessoas se identificaram. Pus ideias frescas. As coisas estavam a acontecer e eu tenho estado a escrever e a fazer os rastos. Este processo foi uma válvula de escape. Por mais que passasse por situações difíceis, transformá-las em música e ver que era um trabalho bonito era como: pelo menos algo destes assuntos por que passei valeu a pena”, conta Iza. 

A timidez é visível no modo de falar de Iza Sabino. Olhos expressivos e voz macia de menina contribuem para isso, mas as coisas mudam muito quando ela tem um microfone na mão. A timidez dá lugar ao empoderamento e ao desejo de ver as coisas mudarem. 

“Sou muito tímida para falar sobre a minha vida, dar a minha opinião e até me perco um pouco às vezes para falar com as pessoas. Mas quando chega a hora de escrever e cantar, sou muito mais aberta e forte. Falo muito, deixo de lado as ideias e sei como colocar muito bem aquilo de que quero falar de forma objetiva”, explica o MC. 

O álbum perpassa muitos temas sociais e políticos e um deles é a relação afetiva entre duas mulheres. Ocupar este espaço é fundamental no rap, que ainda é um movimento muito sexista. Porém, muitas pessoas têm tornado visível a existência destas pessoas. Clara Lima, por exemplo, pauta essa questão, mas mesmo assim, continua a ser um assunto que não é tratado com o devido respeito. E, claro, isto reflete-se na forma como as faixas são produzidas. 

“Tudo foi produzido de uma forma muito leve. Queria produzir todas as faixas, porque em cada uma delas fiz um flow diferente, tive uma ideia diferente, uma métrica diferente, variei as minhas vozes para que cada um sentisse esta experiência. As 4 canções sobre esta questão no álbum eram para a mesma pessoa, para que possa ver como tudo andava e como cada hora era um problema diferente para se falar. Tinham picos e mais picos, alguns momentos mais otimistas e outros estáveis nesta relação. Foi difícil para mim escrever. Foi uma explosão. Em todas as faixas sobre relacionamento mostrei as minhas ideias e deixei o público decidir quem estava certo e quem estava errado na história”, explica Iza. 

Desde o lançamento do BEST DUO, Iza chamou a atenção de várias e várias pessoas para a capacidade de interpretar, criar personagens e vozes dentro de uma canção. Às vezes até pensamos que há participações na música, mas não. É apenas talento, de qualquer forma. Iza explica que foi durante a criação do BEST DUO ao lado de FBC que percebeu o que podia fazer com a sua voz e toda esta versatilidade.

“Desencadeei muitos outros caminhos depois disso. Agora posso rimar em qualquer tipo de batida, de qualquer tipo de gênero. Posso fazer uma música com uma voz mais alta ou fazer uma canção, não sei, da maneira que acho que se encaixa dentro da batida. No BEST DUO tive tantas variações de voz, dei vida a várias personagens diferentes e pude ter uma visão mais ampla musicalmente, sabe?”, conta. 

Como disse no início deste texto, o nível de qualidade das mulheres neste ambiente é sempre maior. Normal nunca é suficiente quando se trata de mulheres no hip-hop. Em BEST DUO, por exemplo, a MC até teve o seu nome apagado em alguns canais que repostaram os sons. Outras vezes, foi dada como participação, apesar de também ser autora e produtora. Seguindo esta linha, as participações no álbum Glória também chamam a atenção não só pela qualidade, mas por serem extremamente consistentes com tudo o que Iza prega nos seus sons: poder e independência. Tasha e Tracie e Bivolt são mulheres fortes, talentosas e independentes na gestão da música, bem como Iza. 

“Sempre acompanhei o trabalho da Bivolt, sempre gostei muito do trabalho e da forma como ela se expressa. Com este álbum, surgiu a oportunidade e achei a cara dela participar da música. Ela é super expressiva, muito louca no bom sentido, tem aquele jeitão original dela, por isso foi a escolha perfeita para interpretar a “tóxica” na música “Imaginei”, hahahaha. O tom de voz dela nos faz entender bem isso. Ela ouviu a guia antes, adorou a ideia de ser a aberração da música e mandou ver. Tasha e Tracie, por outro lado, estou com elas desde quando eram DJs e sempre admirei a originalidade delas e como elas se expressam. São muito brutais, não se importam com o que os outros vão pensar, e isso fez muito sentido na música Pretas na Rua. Abraçaram a ideia, fizeram a letra acontecer e eu adorei o resultado”, conta. 

Não se pode negá-lo: uma boa parte do público do rap é tão acomodada e pouco habituada que quando vêem uma história sobre mulheres, nem sequer têm a curiosidade de abrir e ler, o que dirá partilhar e ajudar a impulsionar as mulheres. A desculpa é sempre a mesma: “Não conheço muitas mulheres que rimam”.

No entanto, hoje em dia é muito fácil de descobrir e ter acesso a mulheres que têm produzido batidas, audiovisuais, rimas e quase sempre, com um nível técnico superior ao de muitos MCs lá fora. Pois, a cobrança é duplicada, assim como a qualidade, e a maioria das mulheres estão plenamente cientes disso. A questão é, como mudar este cenário, então? 

“Trocando uma ideia com as mulheres da Fenda, chegamos à conclusão de que esta pergunta deveria ser feita para os caras. “O que devem fazer para reduzir esta lacuna, já que sabem melhor do que ninguém que os trabalhos feitos por mulheres são invisíveis?”. Fazem o seu caminho sem se preocuparem com isso. Sabendo a força que têm, se juntassem tudo para realmente olhar e ajudar as minas seria totalmente diferente. A luta é diária, sabe? É algo que temos de continuar a falar todos os dias, insistir, perguntar. O mais importante de tudo é que peguemos e façamos nós mesmas. Nunca depender de alguém para nada. É criar a sua independência e crescer num movimento de mulheres. É algo que tento fazer dentro do rap: mostrar que posso, mostrar que sou e que também posso estar entre os melhores”, diz Iza.

E certamente já está, Iza. Parece que a glória chegou de vez para a MC. Ouça Glória: 

-Mulher negra e LGBTQIA+, Iza Sabino em Glória (2020)

Por Gabriela Santos 

 

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