Mucuta Blues ou Tony Tornado Comete o Funk em Santo André – Porque um espetáculo musical pode carregar história, politica e memórias pessoais
Por Marcelo Mendez
Fotos: Maristela Raineri
Mucuta…
Essa história toda começa em algum momento de 1984, em um tempo que eu vivia o luxo de ser menino, em conluio com as delicias de começar a ter as primeiras descobertas em tudo na vida. Com a música não seria diferente.
No Parque Novo Oratório, há poucos quilômetros do lendário Club House, tinha o amigo Mucuta. Jovem, ali pela casa dos 25 anos, Negro, garboso, elegante, sempre muito bem vestido com suas camisas Pierre Cardin de gola padre, seus sapatos efusivamente lustrados e seu cabelo black bem grande e muito estiloso.
Mucuta tinha muita paciência comigo. Na época eu vivia na casa dele ouvindo seus discos, assistindo os novos passos de break que ele ensaiava, tudo isso em tardes regadas por batidas de amendoim e pinga com pipper no caso dele, e no meu, quisuco de saquinho sabor laranja.
Numa dessas ele me mandou a seguinte:
“Marcelo, vou te apresentar um cara, você que ta gostando ae do James Brown, vou te mostrar o nosso James Brown.” – E pegou um disco, cuja capa havia um cara enorme.
“E quem é esse, Mucuta?”
“Esse é Tony Tornado, Marcelo. Se liga…”
Me liguei. Desde então, Tony Tornado está na minha vida. Sábado último, esteve em outras vidas também. O Soulman veio para Santo André se apresentar no SESC daqui. E aqui, vamos contar a história desse show e mais outras mumunhas.
Podes crer amizade…
Um Tornado que Varreu o Club House
No caminho para o encontro com Maristela Raineri, fotógrafa, companheira de pauta, embarquei no trólebus sentido Santo André, com um certo vagar, a mente envolta em pensamentos esparsos. Coisas perdidas e umas elucubrações frouxas habitavam minha mente até o momento em que o coletivo passou em frente ao prédio onde funcionava o Club House.
Como que por estalo mágico, despertei quando vi o lugar.
Mucuta, que me apresentou Tony Tornado e mais outras pedradas da black music, adorava ir la. Munido de seu sapato duas cores e sua camisa Pierre Cardin, o amigo arrepiava nas domingueiras de funk e samba rock. Até que teve um dia que ele não pode mais dançar.
Numas de horror da correria que se faz, ele levou a pior e partiu, já faz um tempo. Decerto ficaria triste se visse o que rolou com o Club House.
Não é mais o lendário salão de danças, que outrora foi o berço da Cena Black do Abc. Alguma igreja por la funciona nos dias de hoje. Em frente, umas poucas pessoas se apertavam em ternos desconfortáveis e vestidos zelosos para o possível culto que talvez fosse acontecer em breve. Uma melancolia baixou em mim.
Acompanhado pelo Mucuta, foi lá naquele lugar, no ano da graça de 1987 que vi pela primeira vez Tony Tornado em ação. Uma noite quente de fevereiro, umas semanas antes do carnaval daquele ano, a Rua Oratório parou, o Club House encheu e Tony Tornado cometeu o Funk em passos flamejantes, auxiliado por uma banda afiadíssima. Passou…
São 30 anos, que separam aquela noite de 1987 e essa de 2017. Um senhor tempo bom, que Thaíde cantou dizendo que não volta nunca mais.
Todavia, naquele sábado, voltou sim…
A Lenda que Canta e Dança o Funk
Era 20h07min da noite, quando a banda Funkessencia começou a tocar os primeiros acordes.
As luzes do teatro do SESC foram reduzidas, a saudação de Lincoln Tornado é feita ao público e então vem a apresentação que todos esperavam.
“Senhoras e senhores, com vocês, Tony Tornado”
E acompanhado de um spot de luz que clareou o mais belo dos sorrisos, Tony Tornado vem para o show. E muitas outras coisas vêm com ele.
Junto do Soul Brother, toda uma história, uma trajetória, uma lenda está ali, diante de uma platéia que não se fez de rogada em recebê-lo com um aplauso em pé. Era o precursor de um gênero, um artista seminal que ali estava. E como não podia deixar de ser, como fez ao longo dos seus 87 anos de idade, Tony Tornado botou o povo todo para dançar.
Clássicos de sua carreira como BR 3, Pode Crer, Amizade, Angola, Sou Negro, entrecortado por musicas inéditas e deliciosamente dançantes de seu filho, Lincoln Tornado, puseram todo povo dentro de um baile que eu já imaginava não mais ser possível no Brasil de hoje, no país que nos sobrou. Mas foi!
Com um vigor emocionante, Tony fez o baile, homenageou Tim Maia, riu, brincou com a platéia, regeu sua banda, foi pleno, foi todo Tony Tornado.
O Encontro com Mucuta
Após o Bis, com “Navegador dos Sete Mares”, mega hit do amigo Tim Maia, Tony encerra o espetáculo. Em êxtase, a platéia o aplaude sabedora do que havia acabado de presenciar. Um ícone da Cultura Brasileira, um pioneiro em um seguimento musical e comportamental havia acabado de passar por aquele palco.
Por pouco mais de uma hora e meia, Tony Tornado deu a nós, pobres mortais, a honra de habitar o mesmo espaço que ele. Saímos felizes.
Na volta, aproveitando de uma carona dada pela amiga Márcia Furlanetto que por la nos encontrou, passei novamente na frente do Club House. Já não tinha mais movimentação alguma, o culto já havia acabado assim como o expediente de todos os comércios locais vizinhos do prédio.
Respirei fundo, lembrei de 1987 e imaginei que ali dentro, ou em algum canto perto do prédio onde funcionava o velho Club House, Mucuta deveria estar a bailar o black ao som de Tony Tornado.
E então, ao invés da melancolia da Ida, dessa vez eu sorri.
Obrigado, Tony…
https://www.youtube.com/watch?v=yETaoB2-LYQ