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Monna Brutal segue combativamente afrontosa com seu novo disco “Vista Grossa”

Monna Brutal

“Vista Grossa” é uma aula de combate e do amor da Monna Brutal para a cultura Hip-Hop, ao longo das 15 faixas com produção de Maunatrack

Em seu novo disco, Monna Brutal que o produziu junto ao Maunatrack com apoio da produtora EXHIS, estrutura as 15 faixas pautadas desde do início pelo duo amor e combate no Hip-Hop. Construindo uma visão que se alicerça por uma perspectiva onde o amor pela cultura se expressa através do combate a tudo que é pernicioso, escroto e aguado em termos de postura e arte.  

Para tal, desde o título do disco, em “Vista Grossa” ela manifesta não apenas “bragadoccios”, ou aquele tipo de “crítica” que não vê a hora de estar na mesma posição do objeto criticado e com a mesma postura sujeitada. Erigindo desde o início seus alvos e buscando se diferenciar dos mesmos, com uma visada lírica que perpassa sua própria constituição enquanto ser humano e artista da Cultura Hip-Hop. 

Entre o vermelho e o azul, o sangue e o sorriso, entre o estado de coisas no rap nacional e o que de fato é a cultura hip-hop, a afronta é uma arma de combate utilizada com excelência por Monna Brutal. Se por um lado ela não romantiza a cultura hip-hop e a sua capacidade de ser porta de entrada para outras formas de ser e viver, por outro não deixa passar batido os que a utilizam como mero estandarte. Gourmetizando e embranquecendo – leia-se tornando palatável – formas de fazer rap que estão plenamente desconectados da cultura. 

São os 4 interlúdios presentes ao longo do disco, que ao nosso ver apresentam um horizonte de percepção afetivo criativamente, expresso de modo combativo e afrontoso, buscando dinamitar àqueles que fazem “Vista Grossa”. Nestes, 4 interlúdios Monna Brutal cria um storytelling, que conversam entre si e com o cenário, manifestando o amor pela Cultura Hip-Hop e ridicularizando a plastificação do hype no game.. 

Monna Brutal & Maunatrack Interrompendo a Programação Masculinista do Rap!

Quando estreou em disco, Monna Brutal já chegou pesadona no Trap, apresentando um estilo sólido, muito flow e ideias agressivas que batiam de frente com o machismo e a LGBTQIA+fóbia em 9/11(2018). Com referências de uma vivência periférica, onde “conquistou” sua existência das garras do país que mais mata pessoas trans no mundo, e onde a negritude segue como o alvo da guerra racial de alta intensidade.  

-Leia no site os artigos e resenhas sobre os trabalhos lançados pela Monna Brutal 

Sempre pulando para dentro do fight, onde produzir sua música e existir, estiveram muitas vezes no fio da navalha, e lidando com seus próprios traumas, ela gravou um dos grandes discos do rap nacional com 2.0.2.1.(2021), literalmente dentro de uma cama box como isolamento acústico. Este exemplo, está muito longe de cometer uma falácia de apelo à piedade, antes está diametralmente oposto à qualidade alcançada neste disco, amplamente reconhecido pela mídia especializada.

-Leia nossa resenha sobre o disco 2.0.2.1. da Monna Brutal no site

Além dos singles, participações e audiovisuais, seguiram-se os EP’s “La Janta” com produção de FR3ELEX, lançado em 2021 e seu mais recente trabalho cheio que foi o Limonnada (2023). São 6 anos de uma caminhada sólida no campo fonográfico, preparados por outros tantos anos como freestyleira e vencedora de diversas batalhas de rima. 

Não é fácil interromper a programação de uma indústria musical e se impor com dignidade, sem contatos e empresários brancos para se inserir no mercado, sendo uma mulher trans preta. Mas, alguns acenos como o atual apoio da produtora EXHIS (Tasha & Tracie) e a capacidade criativa, nos oportunizou “Vista Grossa”. Sem fazer apologia da precariedade, a obra da Monna Brutal segue a mesma trilha através da qual o hip-hop surgiu: “Transformar dificuldades em arte”. 

As “Noites de Sábado” de Monna Brutal não atura “Surtos” 

Depois de uma noite de sábado, Monna Brutal nunca mais foi a mesma, depois de tocada pela maior força criativa preta dos últimos 50 anos, ela se fortaleceu e com o seu talento e muita luta criou o seu território não apenas na Cultura Hip-Hop, como na arte brasileira. No entanto, existe ainda uma barreira contra a qual você caro leitor nunca ouvirá os seus MC’s favoritos abrir a boca: A Indústria Musical Supremacista Branca Brasileira. 

Nas duas primeiras músicas do álbum, a homônima “Vista Grossa” e “Onde Tá o Hip-Hop”, Monna Brutal entrega a base dessa sua longa carta de intenções. Na primeira ela canta sob o beat do Maunatrack, que constroi um fundo sombrio por trás das batidas graves do Trap: 

“Vai dizer que nunca viu uma Monna que rima assim,

Eu sinto mentiras no seu olhar de vampirão da indústria.

Quebrada é outras coisas,

Esses “coisas”, nunca me compram!

Se toquem, não me comparem, reparem eu sou a pura.

Bruta, porque provocada.

Sobrevivi na quebrada.

Pra tá aqui, disposição sempre cabe em duplo sentido.

Ladeiras que cê não desce,

E se acaso acontecesse,

Ia virar foto-lembrete,

Não mais RAP. Só “R.I.P.”

R.I.P.

Não uso AirBnB.

Mas alugo uns triplo apartamentos,

Foram tantas mentes, que hoje é condomínio.

Com domínio de uma métrica, milimétrica frito

Deixo vivo aquilo que faz minha vida ter sentido.”

A transfobia explícita e silenciada é o alvo aqui, algo inadmissível em uma contracultura como o Hip-Hop, apesar das repetidas afirmações de que “A Rua é Noiz”. Esse nós, infelizmente, se por vezes realmente se incorpora na rua através de reais iniciativas da cultura Hip-Hop, muitas outras são toleradas e até incentivadas por atores e produtores da música rap. Mas, juntamente a essa denúncia da “Vista Grossa” é importante notar que Monna Brutal não milita em causa própria, como apontamos acima. 

No seio da cultura em nossa sociedade, nenhuma violência ou desigualdade ocorrem sem algum nível de transversalidade. O identitarismo cruel da branquitude escalona seu projeto de dominação e extermínio às diferenças, ao Outro de si mesma. Preta, Mulher trans e periférica, a cria do Jova Rural em SP apresenta-nos uma visão de luta que emerge do seio de uma coletividade assumida como uma subjetividade plural. 

O trabalho e a existência de uma artista como a Monna Brutal é um bálsamo e uma convocação para que a cultura Hip-Hop alargue os seus horizontes de reivindicação. Como a provocação que ela faz na música: 

“Que agir como alguém que concorre,

Você tem corre pra competir?

Quem dera se os MC, com a base também fossem assim,

Disputa pra ver quem soma mais a favela e faz fome sumir.”

Maunatrack (From da Hood), MC e Produtor de Vista Grossa

A baixeza presente na ostentação não é o fato de que um indivíduo tenha orgulho do que conquistou e possa desfrutar de luxos, mas o esfregar na cara de quem nunca poderá ter o mesmo, com o cinismo da meritocracia. E esse é o tema da faixa seguinte “Onde Tá o Hip-Hop?”, questionando a plastificação como signo da artificialidade de Rappers que “brilham” no topo de um pódio construído pela branquitude, e que esquece das necessidades da sua base. 

O ouvinte atento, perceberá que o disco “Vista Grossa” está estruturado com os 4 blocos de reflexões presentes nos interlúdios, mas esse esqueleto é preenchido pela carne artística preta de Monna Brutal e Maunatrack com músicas que vão se colando umas nas outras. onde uma faixa termina a outra continua e expande a reflexão anterior, levando a poesia e as batidas para outro lugar. 

É importante notar que enquanto real MC, Monna Brutal pula de Trap para um boombap e depois para uma base atmosférica com toques de R&B, com a mesma naturalidade e qualidade de composição e flow. Brincando com o Dancehall e com um Amapiano, a produção do Maunatrack confere ao disco uma diversidade músical que enriquece a experiência da escuta.

Eternas Noites de Sábado, a Arte e a Cultura Hip-Hop resistem!

Ver uma artista como Monna Brutal surgir no cenário musical da cultura Hip-Hop, acompanhar o seu desenvolvimento temático, as mudanças que a artista vai incorporando e expandindo dentro de sua poesia é um processo de aprendizagem muito valioso.“Vista Grossa” é o trabalho mais maduro e amplo da artista, um disco fora da curva com quase uma hora, são 53 minutos e 35 segundos, onde Monna desfia um novelo muito potente de reflexão sobre o Rap e a Cultura Hip-Hop.

Há diversas temáticas que exploram as relações entre o pessoal e o coletivo, entre a dificuldade e a alegria de fazer arte e buscar espaço dentro da indústria. Faixas como “Hype de Plástico” e “Vermelho & Azul” exploram muito bem essas questões. Note-se a variação rítmica e sonora entre as 4 primeiras músicas e se perceberá o quanto a arte da Monna Brutal e a produção de Manautrack estão entre as expressões mais valiosas do rap nacional em 2024. 

MC Luanna

Sempre que discos assim atingem quem também foi tocado pela força de combate cultural às desigualdades, presente na cultura Hip-Hop, é uma alegria  perceber que se está diante de uma artista que cultiva os valores essenciais. Os depoimentos presentes no primeiro e último interlúdio dão conta dessa sensação, desse sentimento que nos impulsiona a pensar, a lutar, a criar dentro da cultura. 

Por vezes, vemos comentários como “o Hip-Hop morreu”, “não se faz mais rap real” ou “fulano lançou o melhor disco do ano”, “tal MC é o melhor” e etc… O que todos esses comentários possuem em comum é a ignorância quanto ao que é feito em larga escala em território nacional. Ignora-se completamente centenas de trabalhos, excelentes, em diversos subgêneros do rap. Ignora-se milhares de atores dos diversos elementos da cultura que estão pelas quebradas, pelas ruas e praças do país, desenvolvendo o Hip-Hop. 

Isso fica muito nítido na música “Não Acabou”, penúltima música do disco da Monna Brutal: 

“O rap aqui acabou, mas só na sua caneta.

O problema da sua bolha, não é de toda a cena.

Seu olhar frágil, não compreende a visão do movimento,

Porque você se alimenta do que a mídia deixa.”

É curioso que uma cultura que se notabilizou de “traficar informação” e que passou décadas formando homens, mulheres e LGBTQIA+ pretos, ao lhes levar a produção de conhecimento e uma política combativa, tenha minguado a esse nível. Hoje muitas vezes  alimentado por “rappers” que não produzem conhecimento com suas rimas, que são meros decalques malfeitos do que de pior se produz nos EUA.

O ataque a esses “cosplay’s de trappers”, pois estão a milhões de anos luz do que é de fato a cena do Trap nos EUA, de onde buscam imitar a estética, sem as vivências e sobretudo descontextualizados, é o tema de algumas das músicas de “Vista Grossa”. Nesta segunda temática do álbum Monna Brutal mostra o ridículo dos Gang Gang Gang…

A faixa que traz a participação da MC Luanna é um excelente exemplo disto, “Bosses Marmitas” são mastigados e cuspidos fora, nesse feat. “Licença Poética” e Língua de Gravata” também são exemplos de músicas onde a Monna deixa escuro que ao ser invisibilizada, está dando uma carreira para os MC’s do hype. Porque no final das contas é sobre isso né? Em um mercado os produtos precisam “concorrer” para o gosto do “consumidor”, e se você possui a máquina de marketing e os algoritmos pagos e induzindo a massa, obviamente que você será o produto mais consumido. 

Fazer arte é outra coisa, e Monna Brutal sabe muito bem disto, pois não usa fórmulas e não encarna trejeitos e maneirismos. A faixa “375 Barras” junto ao coletivo From da Hood possui quase 10 minutos de rimas pesadas sobre a força da arte preta e o processo de apropriação da cultura pela branquitude. O coletivo From da Hood é formado por Manautrack, Monari, Barba MC, IAMPELEGRINI, Melty A.G., RedanBlue.

Para muito além do Hype, a cultura Hip-Hop segue ativa por todo o país, ao mesmo tempo que o Rap segue com dezenas de excelentes nomes invisibilizados, mas que seguem criando o que de melhor essa arte e essa cultura podem nos ofertar. É até curioso que vejamos rappers alinhados a uma estrutura vertical de posição de poder dizerem que são Hip-Hop. Não por acaso tivemos recentemente apoio explícito de artistas e produtores do funk paulista a projetos de governo da extrema direita. 

A busca por condições de um vida digna e de uma sociedade igualitária em oportunidades segue sendo a luta da cultura Hip-Hop, apesar do cinismo de muitos. Monna Brutal é certeira quando aponta para a reprodução de comportamentos burgueses dentro do rap, e mais certeira ainda quando explicita que a luta é pelas pessoas pretas, indígenas, LGBTQUIA+, pelas mulheres. Essa é a resistência que persiste e resiste brilhantemente no underground, apesar da invisibilização, não existe “Vista Grossa” que mude este fato. 

-Monna Brutal segue combativamente afrontosa com seu novo disco Vista Grossa

Por Danilo Cruz 

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